Desencanto e Desilusão na Psicoterapia

Atravessar o processo analítico ou de psicoterapia sempre nos reserva surpresas. Isso porque não é um processo linear e nem sempre é luminoso. Muitas vezes temos que seguir caminhos desconhecidos e passar por regiões sombrias de nossa alma sssim, atravessar a psicoterapia é compreender que o crescimento ou desenvolvimento interior envolve revisitar sentimentos doloridos, sensações e incomodos.

Dessa forma, com o avançar do processo analítico ou psicoterapeutico, quanto tudo está “indo bem”, com alguma frequencia nos deparamos momentos em que dois sentimentos, muito parecidos, nos invadem : a desilusão e o desencanto. Estes se manifestam na apatia, dúvida, decepção, cansaço ou tédio parecem invadir a análise. Alguns chegam a pensar que a terapia está dando errado. Mas, como entender esses sentimentos ou sensações? Qual o lugar do desencanto e da desilusão?

É importante diferenciarmos o desencanto e a desilusão. O desencanto seja com familiares, instituições, ou com o próprio analista, com muita frequência, está relacionado com a retirada da projeção de um contéudo/qualidade do próprio paciente que foi depositado no objeto e que sendo recolhida diminui a efeito que essa pessoa/objeto tinha sobre o sujeito, fazendo que paciente tenho o contato direto com a realidade do objeto – ou seja, lidamos com nossos familiares, amigos, instituições (igreja, trabalho etc) com ele são, com suas limitações e incongruências.

Jung dizia que “não vemos as coisas como elas são, mas como nós somos”, quando temos consciência desse fato podemos ativamente buscar a diferenciação entre “quem sou” e o outro, que nos traria a nós mesmos o sentimento de integridade. De forma geral, as projeções visam nos proteger do alguma forma de sofrimento (como sensação de rejeição ou de abandono) estabelendo compensações sobre falhas ou de possíveis falhas na relação. Nessas situações, o paciente se vê numa situação de ver face a face, como pudessemos em estado de igualdade ver, a limitação e humanidade de nossos “idolos ou heróis”. Na retirada da projeção, podemos identificar dos aspectos de si que eram projetados e que precisavam ser desenvolvidos e reintegrados.

De modo muito semelhante ao recolhimento da projeção, temos a desilusão no rompimento de fantasias, ou seja, de uma construação imaginária (muito associada outros mecanismos defensivos como a idealização, cisão) que, em certas situações, substituiem aspectos da relidade, trazendo também segurança ao ego. Nessas situações, a desilusão diante da perda da fantasia pode gerar um estado de luto, com a descrença na própria capacidade de enfrentar a realidade. O rompimento de fantasias abre espaço para atividade imaginativa, não mais um substituto da realidade, mas a possibilidade de relação, elaboração e transformação da realidade.

O desencanto e a desilusão são experiências dolorosas. Muitas vezes, é necessário compreender que esse processo ocorre algumas vezes ao longo da análise. De acordo com o momento de vida, ele pode permitir um ajuste da persona, um redimensionamento nas relações e posicionamento social, ou mesmo uma compreensão dos motivos presentes na sombra, através da compreensão e integração dos complexos. Em outros casos, temos aspectos mais profundos, arquetípicos, associados aspectos do Self presentes nas fantasias ou projeções

Em todo caso, precisamos ter atenção para auxiliar o ego na travessia do desencanto ou da desilusão. A energia investida na projeção ou na fantasia não “retorna” simplesmente ao ego, ela precisa ser simbolizada, canalizada para o ego. Isso pode ocorrer tanto pela ressignificação da narrativa das experiências vividas (sob a projeção/fantasia), ou pela atitvidade voluntária e consciente do ego – escolhas, mudança de atitude – que reintegre tanto qualitativa e quantitavamente a energia fora investida no objeto.

Von Franz, em seu texto sobre Projeção, nos chama atenção para a cautela na condução analítica. Ela diz,

(…) qualquer retirada de projeção põe uma carga sobre a pessoa que reflete. Ea se torna reponsável por uma part de sua psique que até então ela não encarara como um fardo por achar que não fazia parte dela. O psicoterapeuta precisa, portanto, avaliar cuidadosamente quanto pode pedir a um paciente ou parcerio que reconheça. A consciência do ego é como um pescador em um bote grande ou pequeno; ele só pode acomodar certa quantidade de peixes (os conteúdos do inconsciente) no barco, caso contrário este pode afundar. Às vezes, somos forçados a permitir que o analisando continue a acreditar em maus espíriots ou em pessoas que o estão perseguindo, porque o reconhecimento de que ele tem esse demônio dentro de si literamente o mataria.

Mas mesmo pessoas com grande capacidade de reconhecimento têm seus limites. (Von Franz, 1999, p.288)

Compreender o momento e o quanto paciente pode suportar é um processo construido caso a caso, sessão após sessão. Temos que considerar o momento, a retirada da projeção ou desfazer da fantasia um processo natural da analise – muitas vezes, o forçar a retirada pode gerar sofrimento ou trazer prejuizos a relação terapeutica.

Referencias

FRANZ, Marie-Louise von, Psicoterapia, São Paulo: Ed. Paulus , 1999.

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Fabricio Fonseca Moraes (CRP 16/1257)

Psicólogo Clínico Junguiano, Supervisor Clínico, Especialista em Teoria e Prática Junguiana(UVA/RJ), Especialista em Psicologia Clínica e da Família (Saberes, ES). Pós-graduando em Acupuntura Clássica Chinesa (IBEPA/FAISP). Formação em Hipnose Ericksoniana. Coordenador do “Grupo Aion – Estudos Junguianos” Atua em consultório particular em Vitória desde 2003.

Contato: 27 – 99316-6985. / e-mail: fabriciomoraes@yahoo.com.br/ Twitter:@FabricioMoraes /Instagram @fabriciomoraes.psi

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