( Texto postado orginalmente no site do CEPAES, em 28 de março de 2020)
Diante da Pandemia do Covid-19 somos convocados a pensar, a trabalhar e elaborar simbolicamente os efeitos dessa pandemia e do isolamento social em nós mesmos, em nossos pacientes e na sociedade. No grupo “Aion – Estudos Junguianos”[i] refletimos sobre essa realidade que vivemos dialogando com o texto de Jung, “Depois da Catástrofe” de 1945, fazendo um paralelo com o pós-guerra e com a crise que atravessamos.
No texto de 1945, Jung afirma “A visão do mal acende o mal na própria alma. Isso é inevitável” (Jung, 1990 p.22), é uma noção fundamental pois, apesar do isolamento físico, não estamos isolados psiquicamente. Assim, estarmos diante de tantas imagens e informações que geram medo, desespero, e outros afetos que nos circundam sem ser afetados de algum modo. Inevitavelmente, diante do drama ou do sofrimento humano também tomamos parte desse sofrimento – algumas vezes de forma velada, outras explicitas.
Em algumas situações, podemos negar esses afetos – racionalizando ou focando em atividades externas, controlando rigidamente as atividades, ou com pensamentos defensivamente positivos. Em outros, somos tomados por esses afetos que podem se manifestar em crises de ansiedade ou pânico (que não se manifestara antes), pensamentos obsessivos e/ou comportamentos compulsivos (como as compras excessivas, estocagem de alimentos etc.) e fantasias que visam atribuir um sentido, racionalidade ou intenção ao vírus.
Uma terceira via seria aceitarmos nosso medo, falarmos dele, conversarmos buscando integrar essa realidade interior, perceber o que é nosso e o que vem da coletividade. Elaborando os diferentes afetos nas ações/atividades que provem segurança e estabilidade ao Ego dos indivíduos.
Desse modo, os afetos que experimentamos nos coloca num mesmo drama coletivo. Não somos imunes ao espírito do tempo, nem aos afetos mobilizados no inconsciente. No texto citado, Jung utiliza uma noção delicada de “culpa coletiva” que devemos observar com cautela – a culpa coletiva nos remete a um sentimento de solidariedade que nos torna participantes do drama coletivo – saindo da polarização algoz-vítima. Pois, como diz um ditado italiano “no fim do jogo o rei e o peão voltam para a mesa caixa”. Sair da polarização implica assumir a responsabilidade sobre si mesmo e sobre o outro, isso não significa ignorar os erros, mas sim considerar os erros visando a reparação solidária e coletiva dos erros – não acusar e subjugar a quem quer que seja.
O sentimento de solidariedade (advindo da culpa coletiva) possibilita a relação de cuidado consigo e com o outro de forma saudável e construtiva (como integração do dinamismo da alteridade).
“A consciência da culpa oferece condições para transformação e melhoria das coisas. Como se sabe, aquilo que permanece no inconsciente jamais se modifica e as correções psicológicas são apenas possíveis no nível da consciência” (Jung, 1990, p.36 – pr.440)
Enxergar através das polarizações (direita x esquerda, pró x contra quarentena, quem estoca x quem não estoca alimentos/remédios/álcool gel) é importante para evitarmos os julgamentos morais e percebermos o fato psíquico, as dinâmicas que nos movem nesse período.
Sob certo aspecto podemos pensar nesse período como o atravessar de um luto, luto dos entes queridos, o luto de nossas certezas (a de nossos planejamentos, rotinas, de nossa saúde), luto da liberdade e o luto de nossas ilusões de controle. Essas perdas mobilizam diretamente nossas defesas – condizentes as descritas por Elisabeth Kubler-Ross quando descreveu como etapas do luto negação, raiva, barganha, depressão e aceitação. Contudo, nas famílias, nas redes sociais notamos esses diferentes estágios do luto simultâneos –nega-se a gravidade da crise, racionalizando atividades como se tudo estivesse normal; vemos as reações de raiva assim como notícias do aumento dos casos de violência doméstica e feminicídio; barganha-se com promessas para de um futuro incerto, barganha-se com a saúde comprando litros de álcool em gel, com promessas religiosas destituídas de contato com o sagrado; a depressão se dá muitas vezes no cansaço, sono, tédio e melancolia, o distanciamento da vida. A aceitação implica compreensão das mudanças pessoais e coletivas, possibilitando rearranjos internos e externos, assim como exercícios e atos de genuínos de solidariedade.
Assim como a perda de um ente querido exige de nós um redimensionamento das nossas relações afetivas (internas e externas), uma reorganização dos papéis sociais (nossos e dos outros), uma reconstrução de projetos e perspectivas; do mesmo modo a incerteza e a perda das ilusões (de controle) nos colocam diante da mesma necessidade de nos reorientarmos diante da existência.
As milhares de mortes ao redor do mundo certamente acende em nós o medo explicito ou velado da morte. Isso nos coloca diante da fragilidade de nosso sistema de crenças – seja a fé na ciência ou na religião. Vemos muitos grupos religiosos desconectados que estão em negação ou barganha diante dessas incertezas, aumentando o sofrimento. É uma situação delicada, pois, a religião é a possibilidade olhar através da morte, vislumbrando significados e possibilidades estão para além da perspectiva científica.
A noção do luto coletivo que vivemos é importante para compreendermos as distintas manifestações do sofrimento que nos chegam pelas diferentes formas. Pensar nessas manifestações em como somos afetados nos ajuda a contribuir com a elaboração e enfretamento desse momento. Devemos ressaltar que, apesar do sofrimento, isso não diminui a responsabilidade individual e coletiva acerca de nossas escolhas, acolhendo as decisões técnicas que visam preservar as vidas, mesmo que isso signifique a manutenção do isolamento social.
Referência Bibliográfica:
JUNG, C.G., aspectos do Drama contemporâneo, Petrópolis:Vozes, 1990
[i]No dia 23/03 tivemos nosso primeiro encontro on-line do Aion por conta da Pandemia da COVID-19, de modo que este texto é baseado na discussão do Aion. Agradeço a todos os membros do Aion que contribuíram para essa discussão.
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Fabrício Fonseca Moraes (CRP 16/1257)
Psicólogo Clínico de Orientação Junguiana, Especialista em Teoria e Prática Junguiana(UVA/RJ), Especialista em Psicologia Clínica e da Família (Saberes, ES). Diretor do Centro de Psicologia Analítica do CEPAES. Formação em Hipnose Ericksoniana. Coordenador do “Grupo Aion – Estudos Junguianos” desde 2012 Atua em consultório particular em Vitória desde 2003.
Estamos com mais um Episódio em nosso podcast “Amplificando Jung! O tema atual é a “Psicoterapia e a analise Junguiana” onde a dra. Kelly Tristão nos apresenta suas distinções e aspectos básicos!
Nota: Texto apresentado na IV Jornada Junguiana na Multivix em 15/06/2019. Publicado originalmente no site do CEPAES.
A psicologia analítica é uma abordagem ampla e heterogênea, que comporta uma diversidade pensamentos. No Brasil, temos uma presença mais clara do pensamento clássico e da psicologia arquetípica. Contudo, gostaria de trazer para vocês hoje uma reflexão pautada no pensamento inglês, na chamada escola desenvolvimentista – que tem como expoente o analista inglês Michael Fordham, cujo pensamento vem sendo uma influência muito importante para o CEPAES.
A Escola Desenvolvimentista recebeu essa nomenclatura dada por Andrew Samuels por enfatizar os processos de desenvolvimento, isto é, a infância, e seus desdobramentos na vida adulta e nos processos transferenciais e manejo clinico.
Assim, nossa proposta é falar das defesas do Self e a Experiência traumática dentro desse enquadre teórico, para tanto precisamos fazer algumas contextualizações refletir acerca do Self no processo desenvolvimento das relações com o ambiente.
O Self e o desenvolvimento
Jung definiu o Self como o arquétipo da totalidade e centralidade, isto é, como sendo o centro e a totalidade da psique, juntamente com o atributo de ser o centro organizador da psique. Como o trabalho de Jung se direcionou aos processos do desenvolvimento adulto, em especial, da meia idade onde os processos integrativos do Self se manifestavam de forma intensa e simbólica, ao que Jung denominou, o processo de individuação e, assim a realização do Self.
Os estudos de Jung acerca do Self, tomaram novos contornos quando aplicados ao processo de desenvolvimento na infância. Um dos pioneiros da análise de crianças foi Michael Fordham, que em 1935 começou o atendimento de crianças na Inglaterra, que eram vítimas dos traumas de guerra (crianças evacuadas das cidades), crianças psicóticas e com transtorno do espectro autista . Deve-se notar, que Fordham desenvolveu seu trabalho em paralelo com o trabalho de Melaine Klein e do Middle group da sociedade psicanalítica de Londres, com pensadores como Winnicott, Fairbain, Bion dentre outros, com os quais Fordham se relacionou e ampliou as discussões teóricas.
Em sua prática, Fordham observou que havia uma autonomia na atividade inconsciente, que impelia a criança ao desenvolvimento desde que houvesse um ambiente adequado ou um ambiente suficiente bom. Observando que a tese defendida por Jung de que as neuroses ou transtornos infantis eram uma derivados das neuroses dos pais era uma visão parcial e limitada, pois, as crianças tinham conflitos infantis próprios da criança e assim como derivados o ambiente (na relação com os pais), por outro lado, observou que independente de grandes mudanças na dinâmica parental ou na neurose dos pais haveria sim uma melhora significativa da criança e de seus processos de amadurecimento ou de individuação. A atividade do self seria ativa e intensa desde a vida intra-uterina.
Em 1957, Fordham publicou o livro “New Developments in Analytical Psychology”, prefaciado por Jung, onde ele apresentou as bases de sua teoria acerca do desenvolvimento e do Self. Para Fordham, a criança na primeira infância não teria uma experiência propriamente psíquica, a experiência compreendida como psicossomática, com um Self integrado, onde não haveria uma distinção entre corpo e Psique, nem ainda haveria um Ego, a esse Self original, manifesto como uma unidade psicossomática, ele chamou de Self primário (que correspondia ao que Neumann viria a chamar de “fase uriborica” ou self corporal).
Como unidade psicossomática, os processos do Self primário do bebe, estão associados a processos fisiológicos, que seja pela necessidade (fome, saciedade, frio, incomodo tátil, incomodo intestinal) ou por estimulação do meio (luz, som, movimentação, cuidado) estariam ativariam diferentes aspectos Self, a ativação a possibilidade arquetípica de reconhecimento e ter respostas (de satisfação ou insatisfação) Fordham chamou de “deintegração” a essa ativação de diferentes aspectos do Self– com o processo de descanso, sono, essa atividade do Self seria reintegrada, formando as bases para o processo de desenvolvimento.
Ainda não há uma consciência capaz de sustentar imagens, representações, nem distinção de realidade interior ou exterior. Para a criança, a mãe não é percebida em totalidade ou como outro, a mãe é uma experiência que supre suas necessidades. Por esse motivo, por não haver distinções, nem representações, logo, nem símbolos, falamos de objetos.
Essas locais e situações que ativam o processo de deintegração-reintegração do Self, são chamados de primeiros objetos do Self, ainda indiferenciados, apenas elementos onde a atividade a energia ou libido se direciona, com o tempo objetos do Self, em formam em si pequenas ilhas de consciência, núcleos esparsos de consciência, as representações do Self, com o processo de amadurecimento e a atividade integradora do Self, esses núcleos ou representações do Self, vão se integrar dando origem, ao longo de um longo período da primeira infância ao Ego.
Os Self e os Processos Integrativos
Até aqui, descrevi um pouco dos processos do Self, contudo, o processo de amadurecimento neurológico e fisiológico do bebe e os cuidados maternos o colocam em relação com o ambiente – com o entorno que ainda é indistinto para a criança, mas, que aos poucos vai se apresentando como uma realidade que ela não é capaz de controlar, percebendo como um objeto distinto de si mesma. A medida que a criança adquire uma capacidade de se relacionar com objetos (o mamilo da mãe, os brinquedos, as roupas, as sensações) que qualitativamente se manifestam como satisfatórias ou positivas (que produzem saciedade) ou insatisfatórias ou negativas (que produzem insasciedade) essas experiências produzem os objetos de apreço ou de rejeição, os objetos bons e maus.
Com o amadurecimento das funções sensoriais que possibilitam a relação com o ambiente, assim como o desenvolvimento da memória, que sustentam a experiência de onipotência( como se fosse capaz fazer aparecer o objeto bom – o seio no caso da fome, ou afastar o objeto mau, o incomodo com as roupas ou fraudas) essa onipotência está relacionada com da criança se torna capaz a sustentar a imagem percebida mesmo na ausência do objeto, ou mesmo evoca-la, alucinando a presença do objeto bom, de satisfação – ou pode alucinar negativamente o objeto mau, de desprazer.
Esse processo de alucinação é a base do processo de representação, da construção de consciência. Nesse processo alucinatório toma elementos da percepção de objetos externos e os mescla sensações ou afetos interiores – numa identidade psíquica ou, como Jung nomeava, utilizando de Lévi-Bruhl, participação mística.
A relação com os objetos ainda indiferenciados e o gradativo processo de amadurecimento possibilita o processo de diferenciação entre os objetos, onde os objetos externos são preenchidos com os objetos internos, formando um campo representacional que não corresponde nem a realidade interior nem a exterior, mas intermediária. Winnicott denominou essa área de “espaço potencial”, onde se desenvolvem os “objetos transicionais”, que são os primeiros símbolos do Self, expandindo as possibilidades da consciência de uma função basal adaptativa para uma função simbólica e representacional da consciência.
O espaço potencial é um espaço distinto da realidade interior e exterior, mas, se constitui na interpenetração das duas. Esse é o espaço representacional, imaginal onde é possível se constituir a função transcendente e a elaboração simbólica. Para tanto, é necessária uma relação adequada ou suficientemente boa com o ambiente, expresso nas relações ambientais.
Os processos de constituição do Ego e das relações objetais vão caracterizar o processo individuação na infância.
O Ambiente
O ser humano se torna humano mediante a relação com outro ser humano. Nosso ambiente para além do ambiente natural é o ambiente simbólico. Assim, para a criança em seus primeiros anos a mãe não é uma pessoa, mas, é o ambiente da criança. A relação com a mãe vai mediar a relação com os objetos. Contudo, devemos compreender que a mãe é a primeira experiência de ambiente, mas, estão se restringe a ela. Ao longo da infância a relação com o ambiente relacional, familiar e social vai possibilitar a humanização do potencial arquetípico fornecendo ao ego recursos que serão referência – seja participando da organização, estabilidade e força do Ego ou na dinâmica dos complexos – para futuras relações com o ambiente ou realidade.
As relações objetais irão compor os padrões de resposta que serão integrados tanto a experiência de constituição do Ego quanto a experiência dos complexos. Quando falamos num ambiente “materno suficientemente bom” na infância nos referimos a um ambiente de segurança e nutrição, onde a criança poderá estabelecer relações e vínculos saudáveis e uma capacidade simbólica que possibilita elaborar as adversidades sem um risco maior a estrutura do Ego.
Ao longo da vida, as experiências com o ambiente, que podemos nomear aqui como psicossociais, vão interferir diretamente nas relações que o ego estabelece tanto consigo mesmo quanto com o ambiente. Essas experiências podem ser desde mudanças na família, trabalho e idade, e implica no estabelecimento de uma nova possibilidade de amadurecimento.
Apenas um aspecto fundamental: O ambiente é sempre relativo a uma realidade psíquica. Ou seja, devemos compreender o ambiente em relação a quem indivíduo, isto é, ao ego que está em relação com o ambiente. O Ambiente é sempre relacional.
As Defesas do Self
Em 1974, Fordham publicou um pequeno artigo chamado “Defences of The Self” onde, a partir de uma discussão clínica acerca da transferência psicótica, apontou de forma mais clara uma categoria de defesa que não se relacionava com defesas do Ego, mas, defesas intensas que não distinguiam o objeto em si, mas, eram defesas totais, manifestas como proteção contra a ameaça, abandono ou risco de destruição. Esse tipo de defesa, promoveria uma forma de barreira de proteção contra total contra o objeto ou o ambiente que é compreendido como nocivo ou ameaçador.
Fordham também utiliza uma analogia realizada pelo analista Leopold Stein, onde os aspectos defensivos atuariam com ao sistema autoimune, e em determinados casos que poderiam se voltar contra própria a própria psique, impedindo o desenvolvimento de relações objetais, da simbolização ou mesmo do processo de individuação.
Essas defesas do Self se caracterizam pela identificação projetiva, idealização, atuação (act out), somatização e regressão (dentre outras).
Em si, as defesas do Self apontam para a autonomia e capacidade do Self, desde o início do processo de desenvolvimento, em estabilizar, regular e manter a possibilidade de vida. A questão é quando os processos de defesa se mantém tempo demais, ficando fixada e aí assumem um caráter patológico.
Isso envolve um ataque à própria capacidade de experienciar a si mesmo, o que significa “atacar os vínculos” entre imagem e afeto, a percepção e pensamento, a sensação e conhecimento. O resultado é que essa experiência se torna sem sentido, a memória coerente é “desintegrada” e a individuação é interrompida.” (Kalsched, 2013 p. 76)
É importante considerarmos os processos defensivos do Self como base para se pensar transtornos do desenvolvimento como o transtorno do espectro autista, assim como pensar transtornos de personalidade como esquizóide, borderline dentre outros. Esses transtornos estão associados a experiências do Self, que interferem diretamente na experiência e formação do Ego – prejudicando o processo de vinculação, autopercepção, elaboração simbólica dentre outros.
As defesas do Self cujo processo defensivo não é atualizado (ou seja, não evolui como as defesas egoicas), implica numa fixação do processo defensivo que, Donald Kalsched, descreveu como ataque aos vínculos e proteção do “espírito pessoal” ( uma forma de nomear o Self em seu aspecto dinâmico na experiência individual).
Apesar de serem descritas desde os primórdios do desenvolvimento, as defesas do Self não devem ser compreendidas como apenas pelo escopo do desenvolvimento, diante de uma experiência que ameace a vida ou a integridade física podem ser ativadas de modo em situações onde a ameaça a vida, a integridade psicofísica e tal forma que as defesas do Ego não suportam. Assim, as defesas do self atuam como uma segunda linha de defesa (ainda que mais radical) para garantir a sobrevivência do Self, mesmo que sacrificando processos importantes do Ego.
A experiência Traumática e o trauma
As defesas do Self estão intimamente associadas a experiência traumática. Esta seria uma experiência insuportável que ameaça alguma forma a continuidade da vida. Kalsched define “o trauma é uma experiência aguda ou acumulativa que nos estilhaça. O estilhaçamento é tanto o evento exterior que nos choca e o evento interior que chamamos de dissociação. ” (kalsched , 2010.p. 284 – tradução nossa) Essas experiências pode ser de Abandono afetivo, Abuso/Violência física, abuso/Violência sexual, Duplo Vinculo, Rejeição, Bullying, e, muitas vezes, ouvimos a expressão “era coisa se algo quebrasse dentro mim”.
É importante notar que esse sofrimento que estilhaça não tem lugar na psique, não é metabolizado em si, a defesa do self se instaura como uma forma afastar ou tentar neutralizar aquilo que de outra forma é insuportável, esse processo se dá especialmente pela divisão da experiência. Em outras palavras, separando afeto – imagem, Comportamento(ação) – Significado, Compreensão – Percepção.
A própria psique, ou o aspecto sombrio do Self, se incumbe em manter a dissociação, atacando os processos simbólicos (ou seja, integrativos), rompendo os vínculos exteriores assim como os vínculos interiores, que de outra forma poderiam integrar essa experiência. A própria psique atua como se reproduzisse a experiência do trauma em sonhos, sensações, intuições. Mantendo o processo dissociativo, evitando que vínculos de confiança.
vemos na personalidade saudável a luta em direção a um relacionamento equilibrado entre as energias do ego e do Self, de maneira que as energias do Self impregnam o ego, mas não o subjugam, nem lhe fornecem substitutos para gratificações humanas. A libido pode ser transferida através do limiar ego/Self e investida nas relações amorosas, interesses, compromissos etc. No trauma, contudo, a história é diferente. O sistema de autocuidado resiste a todo investimento da libido “nesta vida”, a fim de evitar uma ulterior devastação. As energias do mundo numinoso tornam-se, então substitutos para a autoestima que deveria proceder de gratificações personificadas no mundo humano. O transpessoal é colocado a serviço da defesa. (KALSCHED, 2013, p. 256)
A investigação dos processos de desenvolvimento é importante, pois, pessoas que vivenciaram trauma precoce não trazem a memória esses fenômenos traumáticos ou muitas vezes falam dele como se já estivesse sido elaborado. O trauma precoce ou o trauma na vida adulta, vão se caracterizar pela através da predominância das defesas (como citamos, de identificação projetiva e introjetiva, idealização, somatização, atuação e regressão) mais perceptível em transtornos de personalidade (esquizoide, narcisista, border-line, antissocial etc). Mas, também é comum em transtornos ansiosos e depressão onde a dificuldade autopercepção, confiança ou mesmo de percepção do ambiente. São pessoas seguem na vida de forma funcional, em outras palavras, são pessoas que são bem adaptadas, produtivas, contudo sem uma experiência simbólica, onde a identificação com a persona, substitui uma experiência vida interior e significado.
Em certos casos, a sensação de ameaça, a impossibilidade de elaborar simbólica o sistema de autocuidado arquetípico levar o indivíduo ao suicídio, com uma defesa última a um sofrimento impensável.
Algumas considerações
Para finalizar, gostaria apenas de considerar alguns pontos
O modelo de desenvolvimento apontado por Fordham nos permite aprofundar nos quadros clínicos graves e os aspectos destrutivos ou defensivos da psique, compreendendo sua psicodinâmica dentro da uma perspectiva da individuação.
Na clínica é fundamental compreender a interação dialética com o ambiente – seja, ele passado, presente e o ambiente terapêutico ou transferencial. Nesse sentido, a compreensão do ambiente deve ser desde a perspectiva do indivíduo.
A reconstrução do eixo ego-self é um processo que precisa integrar as polaridades dissociadas da experiência do indivíduo, para tanto é necessário um ambiente suficientemente bom, isto é, um temenos capaz prover uma relação saudável que possibilite o ego confrontar as defesas primitivas e abrir novas possibilidades de experiências.
Referência bibliográfica
KALSCHED,D. Working with Trauma in Analysis, in STEIN, M(org) Jungian Psychoanalysis, Chicago: Open Court, 2010
KALSCHED,D. O Mundo interior do Trauma, São Paulo:Paulus, 2013
Outras referências utilizadas
Astor, J. Michael Fordham: Innovations in Analytical Psychology. London: Routledge. , 1995
Fordham, M., The self and autism. The Library of Analytical Psychology Vol. III. William Heinemann Medical Books, London, 1976
Fordham, M Explorations into the Self, Library of Analytical Psychology, Volume 7, London: Academic Press, 1985.
Fordham, M New Developments in Analytic Psychology. London: Routledge & Kegan Paul, 1957
KALSCHED D. Archetypal Affect, anxiety and defence in patients Who hace suffered early trauma CASEMENT, ANN (ed.). Post-Jungians Today: Key Papers in Contemporary Analytical Psychology. London & New York: Routledge, 1998.
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Fabrício Fonseca Moraes (CRP 16/1257)
Psicólogo Clínico de Orientação Junguiana, Especialista em Teoria e Prática Junguiana(UVA/RJ), Especialista em Psicologia Clínica e da Família (Saberes, ES). Diretor do Centro de Psicologia Analítica do CEPAES. Formação em Hipnose Ericksoniana. Coordenador do “Grupo Aion – Estudos Junguianos” desde 2012 Atua em consultório particular em Vitória desde 2003.
Depois de 3 anos sem atividades, resolvemos retomar as publicações do Jung no Espirito Santo e inseri-lo de fato como um projeto do CEPAES.
Em 2017, eu e Kelly Tristão iniciamos as atividades do Centro de Psicologia Analítica do ES – com espaços de discussão e o curso de capacitação em psicologia analítica. Outros cursos foram realizados e o blog Jung no Espirito Santo ficou sem espaço. Contudo, com uma história que teve seu início em 2010 e que auxiliou na abertura de caminhos para o CEPAES, não poderia apenas ser abandonado e deletado.
Atualmente, a estrutura virtual do CEPAES conta com nosso site oficial, nossa fanpage no facebook, perfis no instragram do CEPAES, onde divulgamos a maior parte de nossas atividades e o perfil “Feminilidade Junguiana” que é um projeto incrível de Kelly Tristão, e o podcast “Amplificando Jung” que está no início.
Quer participar de nossas atividades? Sugerir temas para posts e podcast? Fale conosco!
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Fabrício Fonseca Moraes (CRP 16/1257)
Psicólogo Clínico de Orientação Junguiana, Especialista em Teoria e Prática Junguiana(UVA/RJ), Especialista em Psicologia Clínica e da Família (Saberes, ES). Diretor do Centro de Psicologia Analítica do CEPAES. Formação em Hipnose Ericksoniana. Coordenador do “Grupo Aion – Estudos Junguianos” desde 2012 Atua em consultório particular em Vitória desde 2003.
O pensamento junguiano é extremante rico e diverso. É
realmente uma pena muitos não conheçam essa extensão, pois, no Brasil estamos
muito acostumados com livros voltados ao pensamento clássico e da psicologia
arquetípica. Por isso, a publicação dos “Psicanálise Junguiana” de Murray Stein
e o “Psicologia Analítica” de Linda Carter e Joseph Cambray pela editora vozes
são tão importantes.
Psicanálise Junguiana: Trabalhando no espírito de C.G.Jung
Editado por Murray Stein, em 2010, o “Psicanálise Junguiana”
ganhou sua tradução em 2019.
É um livro com grande complexidade, são cerca de 40 autores
em 36 artigos em 591 paginas. Distribuídos nos eixos:
– Objetivos
– Métodos
– Processo Analítico
– Tópicos Especiais
– Formação
O livro já desperta interesse pelo título que causa um
pouco de estranheza para o público junguiano brasileiro, que não está
acostumado com o termo psicanálise junguiana. Murray Stein justifica em seu
prefácio que a “Psicanálise Junguiana é o nome contemporâneo da aplicação
prática da psicologia analítica” (p.18).
Apesar de alguns junguianos há algum tempo se denominarem “psicanalistas
junguianos” no Brasil é bem incomum. Acreditamos
que isto esteja relacionado com a formação do pensamento junguiano brasileiro,
intimamente relacionado com a escola clássica e com um forte afastamento da
psicanálise. Vale a pena lembrar que a psicanálise que Jung criticava em suas
páginas não corresponde a psicanálise contemporânea.
O livro como um todo apresenta um mosaico que envolve estudos
associados a emergência, sistemas complexos adaptativos, complexos culturais, intersubjetividade,
trauma, adolescência, infância e sobre formação. Essa amplitude abre as portas para novos
estudos e novas percepções acerca da psicologia junguiana, uma janela para os
estudos contemporâneos.
Psicologia Analítica: Perspectivas
Contemporâneas em analise junguiana
Recém lançado pela vozes em 2020, o livro “Psicologia
Analitica” Editado por Cambray e Carter tem sua publicação original em 2004.
Este livro nos apresenta um panorama sobre a história,
teoria e prática junguiana . Com 11 artigos e pouco mais de 400 páginas fornece
uma visão impar do pensamento junguiano contemporâneo.
Um aspecto importante desta obra é seu caráter crítico. A
história junguiana é recontada sem romantismo e sem idealizações, dando uma
visão da formação de alguns dos principais grupos junguianos.
Os artigos de John Beebe sobre tipos psicológicos (incluindo
apontamentos do MBTI), Jean Knox com uma percepção junguiana da organização psíquica
relacionada com neurociência cognitiva e teoria do apego, Thomas Singer e
Samuels Kimbles sobre complexos culturais oferecem uma visão ímpar de
construções junguianas contemporâneas.
Qual livro é melhor?
Ambos são excelentes
e se complementam. O Psicologia Analítica oferece um visão mais aprofundada,
mas, com temas são mais restritos (como dissemos são 11 capitulos ao passo que
o psicanálise junguiana são 36). A maior parte dos autores do Psicologia
Analítica também participaram do Psicanálise junguiana.
São livros indispensáveis para quem quer estudar o
pensamento junguiano contemporâneo.
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Fabrício Fonseca Moraes (CRP 16/1257)
Psicólogo Clínico de Orientação Junguiana, Especialista em Teoria e Prática Junguiana(UVA/RJ), Especialista em Psicologia Clínica e da Família (Saberes, ES). Diretor do Centro de Psicologia Analítica do CEPAES. Formação em Hipnose Ericksoniana. Coordenador do “Grupo Aion – Estudos Junguianos” desde 2012 Atua em consultório particular em Vitória desde 2003.
Fabrício Moraes
Psicólogo Clínico de Orientação Junguiana, Especialista em Teoria e Prática Junguiana, Coordenador de Grupos de Estudos, coordenador do blog "Jung no Espirito Santo" e Diretor do CEPAES.
Atendendimentos on-line e presencial.
Contato: fabriciomoraes@cepaes.com.br / 55 27 993166985
Kelly Tristão
Dra. Kelly Tristão
Psicóloga Clínica de Orientação Junguiana, Especialista em Teoria e Prática Junguiana. Docente em Ensino Superior, idealizadora do projeto "Feminilidade Junguiana", coordenadora de grupos de estudo e diretora do CEPAES
Realiza atendimentos psicoterapeuticos presencial e on-line e supervisão clinica.
Contato: kellytristao@cepaes.com.br / 55 27 992573335