No próximo mês de agosto iniciaremos um novo Grupo de Supervisão em Psicologia Analítica com a supervisão de Fabrício Moraes. O grupo funcionará de agosto a dezembro, nas segundas-feiras. Segundo o cronograma AGO: 08 e 22 SET: 12 e 26 OUT: 10 e 24 NOV: 07 e 21 DEZ: 05 e 20 Horário: 20 as 22h. Publico alvo: Psicólogos e estudantes de psicologia finalistas e recém formados.
Modalidade de participação: – Supervisionandos: psicólogos que levarão casos. – Ouvintes: recém formados que não possuem paciente ou estudantes finalistas. Vagas: 4 a 8 participantes
Valor da mensalidade: 190 reais para supervisionandos. 100 reais para ouvintes. (Serão emitidos boletos).
Serão discutidos até 2 casos por encontro. Dúvidas: 27 993166983 Fabrício Fonseca Moraes (CRP 16/1257) é psicólogo clínico junguiano, formado em 2003 pela UFES, especialista em “Psicologia Clínica e da Família” (Fac. Saberes); especialista em Teoria e Prática Junguiana (UVA), com formação em Hipnose Ericksoniana e especializando em Acupuntura Clássica Chinesa (IBEPA/FAISP). É Diretor Clínico do CEPAES, Professor do curso da Formação em Psicoterapia Junguiana, atua desde 2004 em consultório particular.
Áreas de interesse/Estudos : Escola Desenvolvimentista junguiana (Michael Fordham), Psicossomática (com ênfase em medicina chinesa) e religião comparada.
A experiência religiosa é um aspecto fundamental de nossa vida social e pessoal. A partir dela nos orientamos pela crença, descrença e indiferença, nos orientando tanto em relação a grupos sociais quanto em relação à experiências simbólicas oriundas da tradição, nos orientando em nossos processos de organização psiquico e psicossocial.
Apesar de ter grande importância na vida das pessoas, muitos profissionais e mesmos abordagens dentro da psicologia tendem a ver a religiosidade/devoção das pessoas com muitas (e excessivas) reservas. Por vezes, estudantes de psicologia já me questionaram sobre eu falar abertamente a relação entre a religião/ religiosidade e psicologia, pois na faculdade o “professor falou que não podia falar de religião com o paciente” ou que “falar de religião no consultório é anti-ético”.
De fato, essas falas se devem a uma interpretação rígida do artigo 2, alinea b do Código de Ética do Profissional da Psicologia e de uma visão equivocada ou mesmo o desconhecimento acerca do fenômeno religioso. Vejamos o que diz o
Art. 2. Ao psicólogo é vedado
b) Induzir a convicções políticas, filosóficas, morais, ideológicas,religiosas, de orientação sexual ou a qualquer tipo de preconceito, quando do exercício de suas funções profissionais;
O artigo 2 alinea b do código de ética não é “contrario a religião” como alguns fazem parecer, este é um artigo que versa em defesa da liberdade de opinião, crenças e orientação sexual, da individualidade, autodeterminação do paciente e do respeito aos diferentes modos ser no mundo. Deste modo, o código de ética indica que o psicólogo precisa compreender e respeitar as crenças do paciente sem induzir ou impor as próprias crenças pessoais ao processo terapeutico do paciente. Isso não significa deva “ignorar” o sistema de crenças seja religioso, político, ideológico mas compreende-lo como parte da totalidade do individuo.
O que muitas vezes observamos é o erro ou preconceito acerca do fenômeno religioso baseado em um julgamento moral, ideológico ou teórico sobre a vivência religiosa. Quando, na verdade, deveríamos entender a experiência religiosa do paciente. Para especificar gosto muito do texto de Antônio Ávila, que diz que utiliza
“o termo ‘experiência religiosa’ para designar a experiência imediata e intuitiva de algo ou de alguém que me transcende, que pode ser uma experiência meramente pontual ou uma vivência de fundo, que aparece de forma mais ou menos estável ao longo da vida do individuo. essa vivência intima e pessoal pode cristalizar-se numa vivência religiosa plena ou não. Pode estruturar-se racionalmente, gerando uma determinada cosmovisão, um corpo de crenças estável, ou deixar-se influenciar, de forma sincrética , pelas distintas ofertas fornecidas pelo ambiente e pela cultura. (AVILA, 2007, p.98)
A vivência religiosa que pode ser funcional, organizadora ou disfuncional causando adoecimento, contudo, é necessário compreender o ponto de vista do paciente, suas experiências e os fundamentos que constituem a crença religiosa para entender sua função para o indivíduo.
A dificuldade da compreensão da dimensão religiosa trazida pelo paciente(e consequentemente do trabalho ético) se dá pelo desconhecimento dos processos simbólicos saudáveis e transformadores que podem estar associados às narrativas religiosas; desconhecimento da história, da doutrina e dos valores de cada religião ou denominação religiosa; desconhecimento acerca fenômenos presentes na religiões como glossolalia (falar em linguas), êxtase, transe, visões e alterações na percepção/sensação como fenômenos que fazem parte do processo religioso e que não devem ser equiparados a fenômenos psicopatológicos.
A pouca ou nenhuma atenção dada pelas faculdades de psicologia aos processos estudados pela psicologia da religião (àrea/matéria que não existe no Brasil) favorecem não só ao preconceito, mas a erros na conduta por profissionais que desconhecem formas de abordar a experiência religiosa dos pacientes – misturando a própria experiência religiosa com a experiência do paciente.
Religiosidade/Espiritualidade na Clínica
Em quais momentos a religiosidade/espiritualidade entra na clínica? Primeiro lugar devemos considerar que existem diferentes atitudes em relação a religiosidade/espiritualidade (R/E), se manifestam como
1 – Pessoas religiosas cuja vivência religiosa é tão significante quanto determinante no seu modo de ser. Assim, sua devoção está sempre presente no discurso, no modo como fala, no modo como se comporta e ouve. Com essas pessoas a atenção aos processos religiosos é importante para ela se sentir ouvida e compreendida em sua fé.
2 – Pessoas religiosas cuja vivência é significante, porém não determinante em sua vida, sendo flexivel e aberta a novas possibilidades independente de sua religiosidade. São pessoas que a R/E quase nunca será questão e dificilmente será abordada na psicoterapia.
3 – Pessoas afastadas de sua matriz religiosa ou em crise de fé, cuja significancia e determinação da experiência religiosa é incerta, podendo ser mais ou menos flexíveis a novas possibilidades, nesse terreno pantanoso devemos ir com cautela, pois é comum que diante de de novas perspectivas diante da vida, podem reagir com medo e fechamento (levando um retorno defensivo a sua matriz religiosa), por isso, devemos considerar cuidadosamente esses relatos afastamentos e crises de fé.
4 – As pessoas que se afirmam a-religiosas ou ateístas nesse caso, no máximo verificaríamos a história religiosa familiar de sua origem religiosa(até para compreender seu sistema familiar). A linguegem simbólica seria independente dos processos da R/E.
Levando em consideração esses fatores, podemos pensar a R/E em três situações: anamnese, linguagem e encaminhamentos/parcerias.
Anamnese: Acho muito importante verificar se o paciente pratica ou tem alguma referência R/E no momento: como é envolvimento pessoal (compreendendo suas crenças) e social (atribuições, cargos, frequência) e de se deve ser dada mais atenção ao esse aspecto da vida do psciente, assim como qual era a referência religiosa de sua familia durante sua infância. Compreender a origem religiosa do sistema familiar pode nos dar dimensão do desenvolvimento da culpabilidade, preconceitos, temores, fantasias – isso é importante para compreender aspectos históricos e associado aos complexos de pacientes não-religosos quanto verificar (posteriormente) se há conexão com os valores e crenças que o paciente professa no presente e se há signficancia ser abordada no tratamento.
Na area médica, tem crescido o uso de instrumentos designados como “anamnese espirtitual” que são questionários que permintem compreender a crença, a relevancia para o individuo e como ele compreende o papel da R/E no processo enfrentamento da doença.
Linguagem: Quando verificamos que a religião é um tema significante e recorrente na terapia do paciente, podemos ajustar nossa linguagem tanto de modo a não agredir o paciente, assim como utilizar metaforas/alegorias e figuras de linguagem aos símbolos que fazem parte da universo do paciente R/E.
Isso significa ler, conviver e aprender com pessoas das diferentes religiões que estão em nosso dia a dia. É importante ter noção de narrativa bíblica (nem me refiro a teologia, digo do texto), para atender um evangélico, do mesmo modo ao atender um candomblecista é conhecer o mínimo das caracteristicas dos orixás (de cabeça e adjunto), sobre as entidades da umbanda para compreender sua importância para o umbandista.
Encaminhamentos/Parcerias: Em algumas situações é importante conhecer líderes religiosos que possam auxiliar a pessoa do paciente em suas questões de fé, ou seja, podemos indicar ou encaminhar de acordo com a matriz religiosa do paciente a buscar uma pessoa de referência. Conhecer padres, pastores(as), reverendos(as), pais/mães de santo ajudam nesse encaminhamentos que podem auxiliar o paciente suas questões propriamente religiosas.
Ter contatos, conhecer líderes religiosos(mesmo os dos pacientes), ajudam a podermos pensar em referência religiosas auxiliem caso um paciente precise(dentro de sua própria concepção e matriz religiosa). É importante conhecer lideres que possam compreender o trabalho do psicólogo e trabalhar em parceria, mas reconheço infelizmente poucos conseguem essa visão. Compreendendo a saúde em seu aspecto amplo como bem estar fisico, mental, social e espiritual, devereríamos compreender que bons líderes religiosos são parceiros – assim como fazemos com outros profissionais da saúde.
A Religião e Espiritualidade na Psicologia Analítica
Jung sempre foi enfático ao afirmar que não defendia uma ou outra confissão religiosa, mas compreendia a R/E como atitudes do individuo frente ao mistério. O psicólogo não precisa defender ou validar um ponto de vista religioso ou sobrenatural para reconhecer seu valor psiquico para o individuo. Jung dizia
Minha atitude é, portanto, positiva com relação a todas as religiões. No seu conteúdo doutrinário reconheço aquelas imagens que encontrei nos sonhos e fantasias de meus pacientes. Em sua moral vejo as mesmas ou semelhantes tentativas que fazem meus pacientes, por intuição ou inspiração próprias, para encontrar o caminho certo de lidar com as forças psíquicas. O sagrado comércio, os rituais, as iniciações e a ascese são de grande interesse para mim como técnicas alternativas e formais de testemunhar o caminho certo. (JUNG, 1989, p. 326)
Fica evidente que Jung reconhecia na R/E possibilidades que favorecem o desenvolvimento psiquico, que foram se constituindo ao longo da história humana. Com isso, devemos perceber que as vivência religiosa pode oferecer rotinas estrututadas (rituais pessoais saudáveis), construção de uma visão de mundo pessoal (mitologia/simbolismo pessoal), consciência ampliada e autopercepção (práticas meditativas e contemplativas), dentre outras formas possibilitam a elaboração de processos psíquicos internos e externos.
Nessa perspectiva Jung considerava as religiões e a psicoterapia como pares no processo de cura ou elaboração do sofrimento da alma humana. Isso é muito caro à psicologa analítica pois integra a psicoterapia ao universo simbólico do paciente. Isso não é uma questão do profissional ter ou não religião, mas de entender a história, as práticas e as doutrinas religiosas – como dito acima, isso vem com estudo, experiência e disponibilidade para compreender a multiplicidade vivências religiosas. E ter clareza que a clínica não tem a ver com a “nossa” experiência pessoal, mas sempre com a experiência do paciente.
Começamos citando o Código de Ética da Psicologia, contudo, gostaria de concluir com uma citação muito importante de Jung que tantos anos antes repercutia a mesma preocupação expressa veio a ser expressa no artigo 20 aliena b do Código Ética. Ele diz:
(…)o psicoterapeuta está obrigado a um autoconhecimento e a uma crítica de suas convicções pessoais, filosóficas e religiosas, tanto quanto um cirurgião está obrigado a uma perfeita assepsia. O médico deve conhecer sua equação pessoal para não violentar seu paciente”(Jung, 2000, p.154)
Violentamos nosso paciente quando impomos nossas crenças, muitas vezes também o violentamos quando, mesmo por desconhecimento, negamos/rejeitamos suas crenças como parte essencial de sua vida e que podem contribuir para sua saúde. Compreender e respeitar é um princípio fundamental para o exercício profissional – incluindo o lidar com as crenças religiosas dos pacientes.
Referência Bilbiográficas
ÁVILA, Antonio, Para conhecer a Psicologia da Religião, Edições Loyola: São Paulo,SP, 2007.
JUNG, C.G. Freud e a Psicanálise. Petrópolis: Vozes, 1989.
JUNG,C.G. Civilização em Transição , Petrópolis,: Vozes 2000
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Fabricio Fonseca Moraes (CRP 16/1257)
Psicólogo Clínico Junguiano, Supervisor Clínico, Especialista em Teoria e Prática Junguiana(UVA/RJ), Especialista em Psicologia Clínica e da Família (Saberes, ES). Pós-graduando em Acupuntura Clássica Chinesa (IBEPA/FAISP). Formação em Hipnose Ericksoniana. Coordenador do “Grupo Aion – Estudos Junguianos” Atua em consultório particular em Vitória desde 2003.
Nos posts anteriores fizemos um caminho para aproximar fundamentos teóricos da psicologia analítica com a medicina chinesa, especialmente associado os processos energéticos, visto que toda clínica na medicina chinesa e na psicologia analítica é baseada num diagnóstico energético.
Com frequência não nos atentamos ao fato que ao falarmos de símbolos, complexos e arquétipo (e do aspecto psicóide) estamos necessariamente falando de energia que se manifesta em imagens ou representações e em afetos/emoções. Precisamos entender que os afetos/emoções são aspectos qualitativos da energia biopsíquica.
Deste modo, a compreensão simbólica construída ao longo dos milênios pela medicina chinesa se torna um instrumento importante. Há uma predileção eurocentrica à concepção simbólica, na qual metaforizamos as doenças e símbolos a partir da mitologia grega, onde os processos psicossomáticos são compreendidos a partir dos da tradição mito-religiosa como Jung comenta
Abandonamos, no entanto, apenas os espectros verbais, não os fatos psíquicos responsáveis pelo nascimento dos deuses. Ainda estamos tão possuídos pelos conteúdos psíquicos autônomos, como se estes fossem deuses. Atualmente eles são chamados: fobias, obsessões, e assim por diante; numa palavra, sintomas neuróticos. Os deuses tornaram-se doenças. Zeus não governa mais o Olimpo, mas o plexo solar e produz espécimes curiosos que visitam o consultório médico; também perturba os miolos dos políticos e jornalistas, que desencadeiam pelo mundo verdadeiras epidemias psíquicas. (JUNG, 1988 ,50)
As símbolos foram utilizados para explicar tanto fenômenos naturais externos quanto os processos de saúde e doença. Os símbolos são metáforas capazes de produzir um nexo significativo capaz de integrar planos distintos de realidade (interior e exterior). Os deuses são metáforas que explicam e explicavam o movimento da vida. Do mesmo modo, os chineses (assim como os filósofos pré-socráticos) utilizaram da percepções de elementos/movimentos naturais como expressão dos fenômenos gerais. Nesse aspecto compreenderemos a compreensão do Wu Xing.
Neste post, farei uma apresentação sucinta da da teoria dos 5 movimentos e dos órgãos e vísceras. Nos próximo post abordarei o aspecto emocional, fechando esse ciclo de posts sobre psicossomática, Jung e medicina chinesa
.
O Wu Xing ou os 5 movimentos
O Wu Xing pode ser traduzido com cinco movimentos, cinco fases, agentes ou elementos. Os movimentos representam as transformações que existem no universo, transitando ou transformam-se e controlam-se mutuamente, permitindo “as mudanças constantes que mantém o equilíbrio dinâmico do Yin/Yang, condição do desenvolvimento potente e harmonioso da vida.” (VALLEE, 2019, p.114) OS cinco movimentos são: Madeira, Fogo, Terra, Metal e água.
Os Cinco movimentos expressa m uma possibilidade de interpretação do mundo e, deste modo, das manifestações orgânicas que são manifestações da energia (sopro) universal. Vejamos cada elemento.
Madeira – O ideograma mu (madeira) representa a árvore cujas raízes se expandem ao fundo da terra, o tronco se eleva ao céu e os galhos se abrem.
A madeira é a expressão da energia de expansão, da força criativa que movimenta, impulsiona para cima e para fora. Deste modo, é associada ao nascimento, à primavera, ao movimento. Desde modo, quando esse movimento da madeira está em excesso é percebido como raiva. O órgão que é que concentra a energia da madeira é o Figado/Vesícula Biliar.
É um movimento Yang, considerado o jovem Yang que no ciclo de geração se expande e se transforma/gera o fogo.
Fogo – O ideograma huo (fogo) representa a chama que ascende, se eleva. “O fogo é a imagem por excelência do Yang. Ele é o intermediário entre o sem forma e o com forma: sem forma em si mesmo, ele ele obtém sua visibilidade graças às formas que lhe servem como combustível”(VALLÉE, 2019. p125.) O fogo se eleva, domina, quando suave é condição necessária à vida quando excesso o fogo pode ser violento e destrutivo.
O fogo/calor sustenta todas as atividades vitais. A consciência(processos psíquicos), o espírito são manifestações do fogo. A força de crescimento, estado de elevação, a alegria é um sentimento associado ao fogo. Os órgãos associados são o Coração/Intestino Delgado, o Pericárdio/Triplo Aquecedor.
Terra – A imagem da terra representa a base, a estabilidade (solo e subsolo) e a fertilidade/nutrição.
A terra é o movimento central, que se caracteriza pela firmeza, segurança e a estabilidade. É considerado central por não ter a predominância nem do Yin nem Yang, mas indica a harmonia – a terra recebe e transforma. O sentimento que afeta a terra é a preocupação. Os órgãos associados à terra são baço e o estômago.
Metal – A imagem do ideogarama indica metal(pepitas) escondido sob a terra indica numa mina. O metal indica a concentração maior da terra, qualifica a terra
O metal é o movimento de decida, descrescimento, é a força de retração a transição do Yang para o Yin – por isso é associada ao outono, período de colheita. O metal pode ser afetado pela apego (manifestando-se também no pesar).
O orgão/Víscera associado ao metal são o Pulmão/Intestino grosso
Água – O ideograma indica um rio, ladeado com redemoinhos. A água é um movimento associado a vida, estando em todo lugar. A água é a imagem por excelência do do Yin.
A energia da água se dirige às profundezas, se acumulando e adaptando aos receptáculos – é o movimento que nutre, flexibiliza. É associada ao inverno, frio. O sentimento que afeta é o medo.
Os órgãos/visceras associados à agua são os rins e a bexiga.
Os cinco elementos estão em relação contínua através dos ciclos de geração e de controle.
Ciclo de Geraçãoe Controle
O ciclo de geração e controle corresponde ao movimento de transformação e manutenção da harmonia necessárias à vida. Devemos entender que apesar da imagem se relacionar ao fenômenos naturais são processos energéticos que nos próximos posts veremos em seu aspecto psiquico.
No ciclo de geração temos a àgua que nutre, alimenta a madeira, logo a água gera a madeira; a madeira queima, alimento do fogo, a madeira gera o fogo; o fogo ao queimar a madeira, se consome deixando as cinzas que retornar a terra, logo o fogo gera terra; a terra em interior consolida e em sua maior concentração produz o metal; logo a terra gera metal; o metal é aquecido e liquefeito, ao se derreter se gera água, logo o metal gera água. Também é chamado de relação mãe e filho.
água gera a madeira;
madeira gera o fogo
fogo gera terra
terra gera metal
metal gera água
O ciclo de controle/dominância segue os mesmos princípios naturais: a água apaga o fogo, logo a água controla o fogo; o fogo derrete o metal, logo fogo controla o metal; o metal afiado corta a madeira, logo o metal controla a madeira; a madeira(arvore) retém a terra com suas raizes, logo a madeira controla a terra, a terra margeia/contorna a água, logo a terra controla a água. Esse ciclo de controle também é chamado de ciclo avô neto.
água controla o fogo
fogo controla o metal
metal controla a madeira
madeira controla a terra
terra controla a água
O ciclo de controle e geração compreende o processo de equilíbrio tanto da natureza quanto dos orgãos. Contudo, no ciclo de dominância há situação onde um movimento, p. ex., em situações em que a água – ou por deficiencia ou pelo excesso do fogo – perde o capacidade de controlar o fogo, onde este pode agredir a água. Nessas situações o excesso do fogo poderia prejudicar a água, que afetaria também os outros movimentos.
Toda Vejamos um pouco da teoria do Zang Fu, e assim acredito que poderemos entender melhor esse ciclos.
Os Zang Fu (órgãos e Vísceras)
O sistema de de órgãos e vísceras na medicina chinesa é central para pensar a integridade do individuo. O termo ZAng Fu indica os órgãos “Zang” são órgãos sólidos, profundos, que não têm relação com o exterior e de carater Yin, seriam eles : Coração, Figado, Baço, Rim, Pulmão. As vísceras Fu são órgãos ocos, em sua maioria relacionados com o trato gastro-digestivo, de carater Yang, que seriam: Intestino Delgado, Vesicula Biliar, Estômago, Bexiga e Intestino Grosso.
Muito diferente do ocidente, cada órgão(Zang) e sua víscera acoplada(Fu) representam um microssistema que envolve funções próprias/locais, funções sistêmicas, funções emocionais ou psicológicas, relações com outros tecidos (por exemplo, os rins estão associados aos ossos e aos cabelos). Assim, não podemos pensar num zang fu isolado no caso de um adoecimento – seja por deficiência ou excesso – ele vai estar relacionado com os outros seja de acordo com a relação estabelecida nos cinco movimentos.
A inter-relação entre os Zang Fu segue os 5 movimentos. Como exemplo, uma desarmonia no fígado(madeira) pode afetar o Coração (Fogo) pelo ciclo de geração ou pode afetar o baço/estomago(terra) por ciclo de controle. Muitas vezes, gerando situações situações onde o tratamento de situações com persistência dos sintomas tendem a ser caracterizada como psicossomática.
Vamos fazer apenas um resumo dos cinco Zang (Coração, Baço, Pulmão Rim e Fígado) por serem fundamentais para a compreensão do sistema emocional por albergarem os espíritos que formam os
Coração (Xin)
O Coração é um zang regido pelo movimento fogo. Abriga o Espirito-mente. Está conectado a todos os outros Zang. Características:
Acoplado (Fu): Intestino delgado.
Funções: Controla os vasos sanguíneos; sudorese; mente(consciência); fala.
Associado: Pericárdio(XinBao) que protege o coração de ataques.
Como características disfuncionais devemos observar alterações no sono (insônia), labilidade emocional (apatia/agitação), palpitações, rubor malar, alterações na fala.
O Coração é diretamente afetado pelo fígado (ciclo de geração) e Rim(controle).
Baço (Pi)
O baço é um zang regido pelo movimento terra. Características:
Acoplado(Fu): Estomago.
Funções: Controla os músculos (tônus); nutrição, transformação e transporte, produção do sangue e do Qi, mantém os orgãos/tecidos em seu lugar, e o sangue dentro dos vasos .
Abertura: Boca.
Manifestação externa: lábios.
Aspecto mental/emocional: Yi (Intenção)/ preocupação
O baço/estomago é diretamente afetado pelo coração (ciclo de geração) e fígado(controle).
Pulmão (Fei)
O Pulmão é um zang regido pelo movimento metal. Características:
Acoplado(Fu): Intestino Grosso.
Funções: Respiração, Circulação/distribuição da energia (qi), controla via das águas(direciona os líquidos corporais para absorção e eliminação).
Abertura: Nariz.
Manifestação externa: pele/pelos.
Aspecto mental/emocional: Po (“alma corporal”- instintos/reflexos)/ Tristeza(pesar)
Como características disfuncionais devemos observar cansaço (por esforço), síndromes respiratórias(asma, pneumonia) depressão (com choro), problemas de pele.
O Pulmão é diretamente afetado pelo baço(ciclo de geração) e Coração(controle).
Rim (Shen)
O Rim é um zang regido pelo movimento água, abriga a essência (Jing) e controla o Mingmen (fogo ministro). Características:
Acoplado(Fu): Bexiga.
Funções: Controla Rins, bexiga, cérebro, medula, ossos, região lombar, ouvidos, via das águas, controlo o sistema reprodutivo.
Abertura: Ouvidos.
Manifestação externa: cabelos.
Aspecto mental/emocional: Zhi (Força de vontade, adaptação)/ Medo
Como características disfuncionais devemos observar problemas renais, urológicos (incontinência urinária, enurese etc), ginecológicos, cistite, impotência, esterilidade, ossos frágeis , dor lombar, zumbido, astenia. Membros frios.
O rim é diretamente afetado pelo pulmão(ciclo de geração) e baço(controle).
Fígado (Gan)
O Fígado é um zang regido pelo movimento madeira, é intimamente relacionado movimento. Características:
Acoplado(Fu): vesícula biliar.
Funções: Controla o fluxo Qi, armazena e contribui com a circulação do sangue, controla os tendões e ligamentos, participa no controle das emoções.
Abertura: olhos.
Manifestação externa: unhas.
Aspecto mental/emocional: Hun (alma etérea, inconsciente)/ raiva
Como características disfuncionais devemos observar grandes alterações emocionais irritação, explosões de raiva, ansiedade (agitação), pode agredir a terra, gerando vômitos, náuseas, refluxo. Problemas no olhos, tendinites, tremores, vertigens, espasmos (todo tremor é associado ao vento), irregularidades menstruais, cólicas, coágulos.
O Fígado é diretamente afetado pelos rins(geração) e afeta o baço (controle).
Os Cinco movimentos e a visão geral dos Zang Fu, especialmente dos cinco Zang comentados é importante para pensarmos a relação da psicologia com a medicina chinesa. No próximo post iremos comentar o aspecto emocional relacionado tanto aos sentimentos quanto aos espiritos (Shen, Po, Yi, Zhi e Hun) que nos ajudam a integrar uma visão psicossomática.
Referências
JUNG, C. G.; WILHEIM, R. O segredo da flor de ouro: um livro de vida Chinesa. 11 Edição. Petrópolis: Vozes, 2001.
VALLEE, E. R. de La, Os 101 Conceitos-Chave da Medicina Chinesa, São Paulo, SP: Ed. Inserir, 2019.
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Fabricio Fonseca Moraes (CRP 16/1257)
Psicólogo Clínico Junguiano, Supervisor Clínico, Especialista em Teoria e Prática Junguiana(UVA/RJ), Especialista em Psicologia Clínica e da Família (Saberes, ES). Pós-graduando em Acupuntura Clássica Chinesa (IBEPA/FAISP). Formação em Hipnose Ericksoniana. Coordenador do “Grupo Aion – Estudos Junguianos” Atua em consultório particular em Vitória desde 2003.
Recentemente o psicanalista lacaniano Christian Dunker, que é professor da USP, youtuber e autor de vários livros, lançou em seu canal do “Falando Nisso”um video(https://www.youtube.com/watch?v=17SRTF3pE70) onde retorna às antigas acusações à Jung sobre ele ser simpático ou adepto do Nazismo e/ou dele ser anti-semita, gerando indignação e reações em todo movimento junguiano, que deu origem a um manifesto presente nas redes.
Dunker reascendeu uma discussão vazia que já foi mais que debatida ao longo das décadas e com ampla documentação que refutam a relação de Jung com nazismo e anti-semitismo. Para piorar, ele se baseou dois autores fora do eixo de estudos sobre o tema: Richard Noll e Elisabeth Roudinesco . O primeiro é amplamente reconhecido como um detrator de Jung e rechaçado pela falta fundamentação de suas críticas que acusava Jung de querer criar um “movimento carismático” ou um culto em torno de si. A segunda autora que é uma renomada estudiosa da psicanálise lacaniana, sem nenhuma produção específica acerca da psicologia analítica.
A escolha dos autores e o modo como Dunker utiliza as informações (de modo quase oracular) causam profunda estranheza, pois como Dunker sendo professor, pesquisador e orientador de pós-graduação na USP pode ser tão displicente ao utilizar autores marginais à uma temática séria. Acredito que ele não aceitaria que seus alunos utilizassem dessa superficialidade para discutir temas deste modo. Pode-se dizer “ah! mas é um video no youtube!” Contudo, a relevância no cenário acadêmico e psicológico/psicanalítico de Dunker, exige que o mesmo seja no mínimo responsável com suar afirmações. Dizer “não sou especialista em Jung” não servem de defesa nem justificativa, afinal, um profissional com a reputação com a de Dunker, o mínimo esperado seria com buscar um especialista para dialogar ou contribuir com esse debate ou mesmo buscar autores reconhecidos.
Infelizmente, esse tipo de disseminação informações equivocadas sobre Jung e o pensamento junguiano não é incomum, desde a graduação sempre ouvi erros e ataques como o de Dunker totalmente infundados, sem conhecimento e cheios de arrogância de psicanalistas que não estudaram nada de Jung e do pensamento junguiano e se autorizavam comentar sobre a psicologia analítica. Nesse evento, Dunker personificou uma postura psicanalítica que ecoa desde dos dias do “Comitê” formado por Freud para defender a “ortodoxia” e atacar seus dissidentes – com intolerância, impossibilidade de colaboração e dialogo. Onde mesmo sem conhecimento assume a postura de acusar/julgar a Jung(a capa do vídeo é claramente uma sentença, visto identificar Jung com a estética nazista). É lamentável essa postura.
Gostaria apenas de pontuar alguns aspectos:
– A insistência em considerar Jung como “discípulo de Freud” – que diz que é “pensar junto” considerando os pensadores que Freud afastou é no mínimo estranha, Acredito que Dunker não utiliza uma visão coerente com a história da psicanálise. Caso o leitor tenha interesse, vale a pena visitar um antigo texto nosso: Discípulo e Dissidente: Repensando algumas distorções de 2013.
– É muito curioso que no video citado, Dunker começa desqualificando um biografo de Freud (Crews) por atacar Freud por situações não comprovadas, mas mesmo assim utiliza um “biografo” Noll que faz o mesmo com Jung. Uma curiosa incoerência.
– Ele lê a afirmação no dicionário da Roudinesco que Jung aceitou a presidência da Sociedade Médica Geral para a Psicoterapia. Vale lembrar que Jung era vice-presidente da mesma sociedade, que foi solicitado por Kretschmer (médico judeu) que com ascensão de Hitler, que Jung o sucedesse – visto que não era judeu nem estaria sobre a pressão de Hitler por ser suiço.
– A divisão do inconsciente judaico e inconsciente ariano. O texto de 1934, que como Dunker optou em se prender ao “resumo da Roudinesco”, acredito ser melhor citar os dois parágrafos que são citados como cerne da fala de Jung
É óbvio que isto não deve transformar-se em autotapeação ingênua; ao contrário, nenhum psicoterapeuta deveria perder a oportunidade de examinar-se criticamente à luz dessas psicologias negativas. Freud e Adler viram claramente a sombra que acompanha a todos. Os judeus têm esta peculiaridade em comum com as mulheres; na condição de mais fracos fisicamente, precisam aproveitar as falhas no armamento do inimigo e devido a esta técnica, que lhes foi imposta durante séculos na história, os judeus estão melhor protegidos lá onde os outros se sentem mais vulneráveis. Por causa de sua cultura que é ao menos duas vezes mais antiga do que a nossa, têm maior consciência das fraquezas humanas e de seus lados sombrios do que nós e, por isso, são bem menos vulneráveis neste sentido. Graças também à sua cultura antiga, conseguem viver, com plena consciência, em boa, paciente e amigável harmonia com suas qualidades menos boas, ao passo que nós ainda somos muito jovens para não termos “ilusões” sobre nós mesmos. Além disso, fomos encarregados pelo destino de criar uma cultura (temos necessidade dela) e para isso são indispensáveis as chamadas ilusões na forma de ideais unilaterais, convicções, planos etc. A exemplo do chinês culto, o judeu enquanto membro de uma raça com cultura de aproximadamente três mil anos tem um campo de consciência psicológica bem maior do que o nosso. Por isso também é menos perigoso para o judeu em geral avaliar negativamente seu inconsciente. O inconsciente ariano, porém, encerra forças de expansão e germes criativos de um futuro a realizar-se e que não podemos desprezar como romantismo infantil sem risco psíquico. Os povos germânicos ainda jovens estão em perfeitas condições de criar novas formas de cultura e este futuro ainda jaz no escuro do inconsciente de cada indivíduo como germe carregado de energia, capaz de transformar-se em chama vigorosa. O judeu como nômade relativo jamais criou uma forma própria de cultura e, ao que tudo indica, jamais vai criá-la, uma vez que todos os seus instintos e aptidões pressupõem uma nação mais ou menos civilizada e capaz de albergá-la em seu desenvolvimento. [354] A meu ver, a raça judaica como um todo possui um inconsciente que pode ser comparado ao do ariano só com reservas. Com exceção de alguns indivíduos criativos, o judeu médio já é muito consciente e diferenciado para suportar a gravidez das tensões de um futuro por nascer. O inconsciente ariano tem maior potencial do que o judaico; esta é a vantagem e desvantagem de uma juventude ainda não totalmente desligada do barbarismo. Acho que foi grave erro da psicologia médica até agora ter aplicado indiscriminadamente a cristãos germânicos e eslavos categorias judaicas que nem se aplicam a todos os judeus. Com isso, o mais precioso segredo do homem alemão, ou seja, sua profundeza de alma criativa e intuitiva foi desprezada como brejo infantil e banal, enquanto meus alertas tiveram a suspeição, durante décadas, de antissemitismo. Esta suspeita partiu de Freud. Ele não conhecia a alma germânica, assim como seus seguidores alemães também não a conheceram. Será que ela ensinou algo melhor ao violento surgimento do nacional-socialismo sobre o qual o mundo todo voltava seus olhos arregalados? Onde estavam a tensão e o ímpeto inauditos quando ainda não existia o nacional-socialismo? Jaziam escondidos na psique germânica, naquele solo profundo que é bem outra coisa do que o monturo de dejetos infantis não realizáveis e de ressentimentos familiares não resolvidos. Um movimento que afeta um povo inteiro também amadureceu em cada indivíduo. Por isso afirmo que o inconsciente germânico encerra tensões e possibilidades que a psicologia médica precisa considerar em sua avaliação do inconsciente. Ela não lida com neuroses mas com pessoas. E este é exatamente o belo privilégio da psicologia médica: poder e dever tratar o homem todo e não apenas funções artificialmente separadas[2]. Por isso seu campo deve ser bem vasto a fim de serem revelados aos olhos do médico não apenas as aberrações patológicas de um desenvolvimento psíquico anormal mas também as forças construtivas da psique que criam o futuro, e não apenas uma parte nebulosa mas o todo – que é o mais importante. (JUNG, 1999, p. 156-8)
Podemos ver que Dunker ao se restringir a uma leitura de Roudinesco perde totalmente a referência do contexto. É assustador ele fazer uma “interpretação” de um texto da Roudinesco como se fosse do Jung. Parece ser amador demais para ele.
Contudo, não podemos ignorar o quanto a noção de psicologia racial – seja ela judaica ou ariana – foi superficial e eivada estereótipos. A críticas não foram apenas externas, junguianos importantes criticaram Jung como Neumann que em carta afirmou:
(…) os tristes remanescentes judeus que abriram caminho até você são os que permanecem, os mais diaspóricos, assimilados e nacionalizados, individuais e retardatários, mas de onde, caro Dr. Jung, você conhece a raça judaica, o povo judeu? Talvez seu erro de julgamento seja condicionado (em parte) pela ignorância geral das coisas judaicas e a aversão secreta e medieval a elas que assim leva a saber tudo sobre a Índia de 2000 anos atrás e nada sobre o hassidismo de 150 anos atrás? Além disso, não há resquícios de um mal-entendido em uma frase como: “O inconsciente ariano tem um potencial maior do que o judeu (um)” o que permite a uma raça primitiva afirmar que eles são os que são?” Tanto o movimento hassidista quanto o do sionismo demonstram a vivacidade inesgotável do povo judeu, pois só um interesse deficiente pode ignorar a afronta de um fenômeno como, por exemplo, o renascimento da língua hebraica que estava morta por 2.000 anos e o assentamento na Palestina (…) (JUNG, NEUMANN, 2015. p 13 – grifo nosso)
Neumann e outros junguianos contemporâneos de Jung não fecharam os olhos para seus erros, não obstante às criticas, por conhecerem Jung e saberem que não era anti-semita Neumann juntamente com James Kirsch, ambos judeus, foram os principais defensores de Jung junto a comunidade judaica. É evidente a infelicidade e o erro das afirmações de Jung, especialmente um período de intolerância e num estado de exceção (que ganhava força em toda Europa, não apenas na Alemanha) , em essa distinção de psique étnica ou de nação serviria ao propósito de poder como do Hitler.
Dunker ironiza a noção de psique étnica ou das nações de Jung, que sim era equivocada, pois, nesse inicio de trabalho na pesquisa dos processos coletivos e apoiado em estereótipos e referencias míticas. Contudo, ao tripudiar de Jung, ele ataca aspectos importantes como as particularidades de cada grupo em sua constituição socio-histórica e como isso afeta os individuos – como ele cita uma ironizando a ideia de uma “psique preta” ou uma psicologia preta.
Atualmente, os junguianos utilizam os conceitos de inconsciente cultural/complexos culturais, para que compreendem a inter-relação entre a história coletiva, que integra a identidade consciente/inconsciente de um grupo seja ele étnico e social, chegando aos individuos que fazem parte do mesmo. Muitas vezes essa história coletiva é de dor e sofrimento vivida ao longo de gerações – por exemplo, 300 anos de escravidão, seguindo por décadas racismo estrutrural, na ausência de oportunidades e de politicas públicas, afetam os negros e negras ora gerando o sofrimentos(vivido socialmente e internamente), ora gerando movimentos de resistência e luta. Não podemos atender um negro/negra sem levar em conta as marcas do racismo de nossa sociedade.
Do mesmo modo, é necessário compreender o machismo estrutural e a violência de gênero que atravessam nossa cultura para compreender a vivências/dores/sentimentos das mulheres e pessoas lgbtqia+. O que ressaltamos é há uma história coletiva que nos atravessa e nos constitui para uns marcada por lutas e sofrimentos outros privilégios e “poder”.
Retornando ao video, Dunker cita uma entrevista radiofônica de 1933, que a tradução em português (assim como em inglês) não dão o teor elogioso a Hitler – Samuels (1995) comenta que a analise do texto em alemão Jung usa termos soam elogiosos à liderança de Hitler, ou ao regime em ascensão ao público alemão. São nesses termos que, como Dunker comenta que Jung confessa que “escorregou”. Sim, Jung escorregou nas palavras escritas e pronunciadas, mas isso o torna “nazista”!? Jung se identificou ou foi contagiado (mesmo que momentaneamente) com o espirito da época que invadia a Alemanha contudo, as “escorregadas” não tornaram Jung nazista, ele não se afiliou nem fez propagandas ao regime.
Deste modo, é irresponsável e equivocado dizer que Jung era simpatizante do nazismo frente as críticas e posturas que ele teve – como podemos ver em Bair (2006) – era crítico de regimes que massificavam (tanto o nazismo quanto o comunismo) e ao fato de que durante a II Guerra Jung foi informante dos Aliados. Dunker propõe a questão sobre se a vida pode ser misturar a obra – associando essas “escorregadas” como fundamentação ao anti-semitismo e ao nazismos, contudo, o que dizer quando os membros importantes do circulo intimo de Jung eram judeus? Podemos citar James Kirsch, Erich Neumann, Gerhard Adler, Jolande Jacobi e Aniela Jaffé. Que desde os anos 30 – período que aconteceram as falas – já conviviam e continuaram conviver com Jung (e defendendo-o dessas acusações mesmo depois de sua morte).
Nosso objetivo não é “passar pano”. Muito pelo contrário, em vários textos de nosso site apontamos que Jung possuía contradições, preconceitos, era machista como notamos em vários textos e relatos. Contudo, as ilações de ser “nazista” ou simpatizante do nazismo ou de anti-semitismo não se sustentam.
A literatura junguiana acerca dessas acusações é vasta. Neste texto, faço apenas uma contribuição para refletirmos acerca desse triste e lamentável episódio que foi o video de Dunker.
Referências Bibliográficas
BAIR, Deirdre, JUNG – Uma biografia (V.1 e 2); São Paulo: Ed. Globo, 2006.
JUNG, C. G Civilização em Transição, Petropolis: Vozes, 1999.
JUNG, C.G.; NEUMANN, E. Analytical Psychology in Exile: The correspondence of C.G. Jung and Erich Neumann, Princeton : Princeton University Press, 2015.
Samuels, A. A psique política. Rio de Janeiro: Imago. 1995.
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Fabricio Fonseca Moraes (CRP 16/1257)
Psicólogo Clínico Junguiano, Supervisor Clínico, Especialista em Teoria e Prática Junguiana(UVA/RJ), Especialista em Psicologia Clínica e da Família (Saberes, ES). Pós-graduando em Acupuntura Clássica Chinesa (IBEPA/FAISP). Formação em Hipnose Ericksoniana. Coordenador do “Grupo Aion – Estudos Junguianos” Atua em consultório particular em Vitória desde 2003.
No post anterior fizemos uma introdução à um possível dialogo entre o pensamento junguiano e a medicina chinesa. Estamos trilhando um caminho de construção de percepção de psicossomática junguiana associada à medicina chinesa. Neste post, eu gostaria de abordar um aspecto funcional importante tanto da psicologia analítica quanto da medicina chinesa que envolve a dinâmica dos processos vitais – no caso da psicologia analítica a energia psiquica e da medicina chinesa com teoria do Yin e Yang e a noção de Qi. No próximo texto pensaremos outro aspecto importante que é a teoria dos 5 movimentos (Wu Xing).
Um ponto de vista energético
O Conceito de Energia Psíquica ou de libido encontra-se na base das abordagens psicodinâmicas em psicologia. A noção de “energia psíquica” tem inicio com Freud, surgindo como uma proposta para explicar os processos de investimentos nos objetos, contudo essa energia possuía um caráter predominantemente sexual (ou associado a sexualidade). Esse determinismo foi um dos pontos fundamentais para a ruptura do Jung com o Freud. Desde 1912 Jung apontava a necessidade de compreender a libido sob um ponto de vista energético, passível de várias transformações/manifestações.
Contudo, somente em 1928 Jung deu um aspecto organizado em sua teoria da libido com o texto “A Energia Psíquica” – texto este destacar dois aspectos fundamentais: a dinâmica da energia e a função dos símbolos.
Jung considerava a psique como um sistema relativamente fechado, para explicar a dinâmica ou movimento da energia ele utilizou aproximou de conceitos/princípios da termodinâmica como o princípios da conservação da energia, de equivalência e constância, O princípio de equivalência indica
“que, para qualquer quantidade de energia utilizada em um ponto qualquer, para se produzir uma determinada condição, surge em outro ponto igual quantidade dessa mesma ou de outra forma de energia”. O princípio da constância, pelo contrário, indica “que a energia total permanece sempre igual a si mesma, sendo, por conseguinte, incapaz de aumentar ou de diminuir”(JUNG, 1999, p17)
Por outro lado, apontava o princípio de entropia onde as variações e transformações da energia atingiram um equilíbrio dinâmico. No modelo teórico, Jung se referia aos processos psíquicos conscientes e inconscientes. É importante notar, que Jung se referia a energia psíquica, mas não a restringia exclusivamente ao processo psíquico, devemos lembrar que no início de suas pesquisas com associações de palavras Jung observou que havia mudanças somáticas imediatas frente às palavras estímulo, deste modo, se estende a relação corpo e psique, visto que os aspectos não simbolizados (isto é, não acessíveis à consciência) tendem a ser expressados somaticamente.
Jung compreendeu que os símbolos eram extremamente importantes para compreender a dinâmica da psique, pois os símbolos seriam a própria energia psíquica manifesta como representação na consciência. Assim, símbolos como um “análogo” da energia seriam “transformadores de energia” por possibilitarem que a energia transitasse e assumisse novas formas e manifestações. Os símbolos poderiam ser imagens, gestos, sensações, atos rituais etc.
Os processos simbólicos integram realidades aparentemente distintas como consciente-inconsciente; corpo-psique, individuo-coletivo, organismo-ambiente. Os símbolos seriam melhores aproximações possíveis à realidade que é intangível, nesse sentido, os símbolos se expressam em metáforas, em analogias que canalizam a libido.
Em tudo o que acontece no mundo, vejo o jogo dos opostos e dessa concepção derivo minha idéia de energia psíquica. Acho que a energia psíquica envolve o jogo dos opostos de modo semelhante como a energia física envolve uma diferença de potencial, isto é, a existência de opostos como calor-frio, alto-baixo etc. Freud começou por considerar como única força propulsora psíquica a sexualidade e, somente após minha ruptura com ele, levou também outros fatores em consideração. Eu, porém, reuni os diversos impulsos ou forças psíquicas — todos constituídos mais ou menos ad hoc — sob o conceito de energia fim de eliminar a arbitrariedade quase inevitável de uma psicologia que lida exclusivamente com a força. Portanto, já não falo de forças ou de impulsos individuais, mas de “intensidades de valores” (Jung, 1989, 327)
A concepção energética de Jung não era de uma rigidez baseada na concepção da física, como vemos, é baseada numa compreensão dos processos psíquicos como correlacionados à visão de mundo e da natureza. Essa noção dialoga bem aproximada das noções de yin e yang e do Qi.
A Teoria do Yin e do Yang
Dos conceitos chineses talvez nenhum seja tão conhecido ao ocidente quanto os de Yin e o Yang.
A noção de Yin e Yang derivam da observação da natureza, dos ciclos e transição. Um exemplo comum é a observação de uma montanha, que pela manhã um lado é lado iluminado e outro sombreado, e a tarde. Do mesmo modo, a transição das estações, ciclo diurno.
A partir de um significado primário, a vertente da sombra, o lado sombreado da montanha e a vertente ensolarada, o lado ensolarado da montanha, yin e yang foram usados para se referir ao frio que reina na sombra e ao calor que faz quando há sol; depois para os princípios do calor e do aqueci mento, do frio e do esfriamento, observáveis no decorrer das estações, para finalmente representar o duplo aspecto do sopro (qi) indissociavelmente presente em todo fenômeno nos seus aspectos opostos e complementares. O yin é então o princípio da sombra, do frio, da feminilidade, que convida à retirada, ao repouso, até mesmo à passividade; e o yang, o princípio da luz, do calor, da masculinidade, que convida à expansão das energias, à atividade, até mesmo à agressividade. A serenidade tranquila mantém a vida na harmoniosa composição de ambos; a imobilidade, inerte e rígida. anuncia a morte; a agitação febril leva à morte. (VALLEE, 2019.p14)
Não existe Yin sem Yang. ambos são polaridades que se criam e se sustentam mutuamente. constituem elementos que se definem e possibilitam a realidade. Com frequência vemos expressos apenas em fenômenos naturais como:
Yin
Yang
Negativo
Positivo
Terra
Céu
Passivo
Ativo
Lua
Sol
Intuição
Lógica
Frio
Calor
Concentração
Expansão
Feminino
Masculino
Essas manifestações exprimem a predominância ou Yin ou Yang, que qualificam e sustentam os fenômenos. O Yin é que se manifesta na densidade o Yang se manifesta no sutil – por isso um tende a configuração (ou forma) o outro ao movimento (função). Essas categorias quanto quando aplicadas aos processos de saúde e doença ficam mais claros de se perceber.
YIN
YANG
Sinais
Sintomas
Doença crônica
doença aguda
início gradual
inicio rápido
evolução lenta do quadro
evolução rápida do quadro
Frio
Calor
apatia, sonolência,
agitação, insônia
face pálida
rubor facial
deita-se encolhido
deita-se esticado
voz fraca – falar pouco
voz alta – falar muito
respiração lenta e superficial
Dispnéia
ausência de sede
Sede
urina profusa e clara
urina escassa e escura
Diarreia
Constipação
língua pálida – saburra branca
língua vermelha – saburra amarela
pulso vazio
pulso cheio
Interno
Externo
Frente
Costas
A relação entre o Yin e o Yang se dá num processo de oposição, interdependência e transformação. Auteroche demonstra bem essa relação do Yin e Yang, dizendo
(…) A este respeito, o Su Wen diz: “o Yin está no interior, é o sustentador do Yang, o Yang está no exterior, é o enviado do Yin”.
Esta frase, chave da relação de interdependência entre o Yin e o Yang, tem o seguinte significado: “O Yin determina a matéria, portanto, a substância do corpo humano, o que está no interior. O Yang é a função, o que se manifesta exteriormente. O Yin é a base material da capacidade de funcionar, é a esse título que é o sustentador do Yang. O Yang é a manifestação, no exterior, do movimento da matéria interna, de onde pode ser chamado o enviado do Yin. (AUTEROCHE et NAVAILH, 1992, p.15)
O equilíbrio entre Yin e o Yang possibilita a saúde, mas não deve ser pensada apenas no âmbito “interno” do corpo e dos órgãos. Esse equilíbrio deve ser compreendido ampla e sistemicamente que integra todas áreas de nossa vida, envolvendo desde nossa postura corporal, atitude, comportamentos, hábitos, alimentação, lazer, descanso/sono, relacionamentos interpessoais.
O Qi
O conceito de Qi, que também é grafado como Chi ou Ki, pode ser traduzido sopro, energia vital, força vital, energia universal dentre outros. O Qi é a substância que atravessa tudo que existe, é essencialmente neutro. Pode estar associado ao Yin ou ao Yang, que vai ser qualificado por essa relação.
O Qi está presente em toda experiência, em todas as funções da vida. Em nosso organismo o Qi assume funções diferentes como movimento, regulação da temperatura corporal, proteção, atividade de controle ( suor, sangue, etc), transformação. Cada órgão exercerá suas funções de acordo com o Qi – os estados patológicos seriam a deficiência, a estagnação ou o excesso.
O Qi e o Yin e o Yang são grandezas que sempre estão conectadas, fundamentais para manutenção de toda forma de vida.
Paralelos
Através do conceito de energia psíquica, Jung compreendia a dinâmica da vida. Devemos lembrar que o texto da “Energia Psíquica” foi concebido antes dos desenvolvimentos na teoria junguiana que envolveu o conceito de sincronicidade – que não só fala de eventos acausais, mas também de uma realidade integrada, una ( o “unus mundus” dos alquimistas). Essa compreensão aproxima a visão de realidade integrada no pensamento chinês.
A noção de energia/libido assim como de Yin/Yang/Qi são categorias que nos possibilitam pensar os processos de homeostase, saúde e doença. Os processos de transformação da energia – entre a consciência e inconsciente, psique e corpo, individuo e coletivo. Pois, quando consideramos em lato sensu, é a mesma energia que sustenta o corpo e a psique. Os simbolos atuam tanto no corpo quanto na psique como Jung apontou na constelação dos complexos e como vemos nos fenômenos hipnóticos e nas curas magico-religiosas.
O movimento/fluxo equilibrado e transformação da energia são necessários para a vida. No trabalho com sonhos, na imaginação ativa, no trabalho imagens/símbolos no sandplay, na sugestão de atividades/tarefas de casa há a mobilização e transformação da energia. Os chineses mobilizavam a energia principalmente pelo Qi Gong e Acupuntura – mas também pelas práticas terapêuticas de Tui-na, dietoterapia e fitoterapia.
No próximo post pretendo abordar um pouco da teoria do Wu Xing (cinco movimentos) pensando associando com a teoria dos Zang Fu (orgãos e vísceras) correlacionando com as emoções seguino no caminho que estamos traçando em direção a uma possibilidade de pensar a psicossomática junguiana associada aos conhecimentos da medicina chinesa.
Referencias Bibliográficas
AUTEROCHE B; NAVAILH P: O Diagnóstico na Medicina Chinesa. São Paulo: Organização Andrei Editora, 1992.
JUNG, C.G. A Energia Psiquica, Petropolis:Vozes, 1999.
JUNG, C.G. Freud e a Psicanálise, Petropolis:Vozes, 1989.
VALLEE, E. R. de La, Os 101 Conceitos-Chave da Medicina Chinesa, São Paulo, SP: Ed. Inserir, 2019.
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Fabricio Fonseca Moraes (CRP 16/1257)
Psicólogo Clínico Junguiano, Supervisor Clínico, Especialista em Teoria e Prática Junguiana(UVA/RJ), Especialista em Psicologia Clínica e da Família (Saberes, ES). Pós-graduando em Acupuntura Clássica Chinesa (IBEPA/FAISP). Formação em Hipnose Ericksoniana. Coordenador do “Grupo Aion – Estudos Junguianos” Atua em consultório particular em Vitória desde 2003.
Fabrício Moraes
Psicólogo Clínico de Orientação Junguiana, Especialista em Teoria e Prática Junguiana, Coordenador de Grupos de Estudos, coordenador do blog "Jung no Espirito Santo" e Diretor do CEPAES.
Atendendimentos on-line e presencial.
Contato: fabriciomoraes@cepaes.com.br / 55 27 993166985
Kelly Tristão
Dra. Kelly Tristão
Psicóloga Clínica de Orientação Junguiana, Especialista em Teoria e Prática Junguiana. Docente em Ensino Superior, idealizadora do projeto "Feminilidade Junguiana", coordenadora de grupos de estudo e diretora do CEPAES
Realiza atendimentos psicoterapeuticos presencial e on-line e supervisão clinica.
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