Encerramos mais um ano! Deixamos essas histórias para reflexão!
Que 2022 seja um ano de realizações! Aguardarei a ajuda de vocês com sugestão de novos textos e indicações!
Abraços
Encerramos mais um ano! Deixamos essas histórias para reflexão!
Que 2022 seja um ano de realizações! Aguardarei a ajuda de vocês com sugestão de novos textos e indicações!
Abraços
No post anterior A Transferência na Psicologia Junguiana – Parte 1/2 discutimos acerca das contribuições de Jung à temática da transferência. Contudo, é incompleto pensar a transferência(T) sem considerar a contraparte do analista, isto é, a contratransferencia(CT). Apesar de Jung apresentar ideias sobre o uso terapêutico da introjeção, de considerar que toda relação transforma as partes envolvidas, não poderia haver a transferência sem a contratransferência, sinalizando a importância da contratransferência. Jung não falava diretamente sobre a CT, mas sobre a importância da personalidade do analista.
No cenário junguiano, coube Michael Fordham dar contorno e redimensionar a contratransferência e sua importância para para a prática da psicoterapia. A T/CT forma um campo único, integral, muitas vezes representado pelo vaso alquimico onde o analista e paciente estão envolvidos e ambos se transformam. Linda Carter afirma que
“O analista não “possui” ou “tem” uma contratransferência; ele está “em” uma experiência fenomenológica cocriada com o outro. As duas pessoas da díade analítica estão em conjunção, simbolicamente sustentada pelo vaso alquímico construído através do relacionamento analítico. A contratransferência não pode nunca ser completamente analisada porque não é uma coisa ou ente em si; ao invés disso ela é emergente num dado momento e num dado relacionamento. Certamente, compreender o conteúdo narrativo da história de um paciente é central para a prática do analista, mas simplesmente tornar o inconsciente consciente não basta para a mudança e a individuação. compreender como se é “com outro” é essencial, juntamente com a capacidade para a função reflexiva e para o jogo com a metáfora e a analogia (CARTER, 2019, p.308)
Desde modo, a T/CT envolve elementos da psique tanto do analista quanto do paciente, essa conjunção simbólica exige autoconhecimento e autopercepção para compreender os processos contratransferenciais que são naturais, inconscientes e, muitas vezes, sutis. A CT se manifesta como a introjeção de conteúdos do paciente pelo analista
Fordham descreveu quarto possibilidades de manifestação/compreensão da CT são elas: Sintônica, ilusória, delirante e arquetípica. De forma geral, os efeitos ou qualidade da CT se manifestarão de acordo com a disponibilidade do ego do terapeuta acolher e simbolizar essas reações que emergem da relação com o paciente.
1- Contratransferência Sintônica: A CT sintônica também chamada de útil ou verdadeira é indica a relação adequada do terapeuta com o o paciente e consigo mesmo. Segundo Fordham,
“a introjeção útil ocorre enquanto se ouve o paciente e, se mantido à distância do ego do analista, fornece material através do qual uma interpretação pode ser formulada. Então, uma dialética interna pode ocorrer e, se o analista também puder projetar a si mesmo, e particularmente as partes infantis, ao paciente e combiná-las com o conhecimento adquirido do paciente, uma interpretação válida pode resultar disso. A parte interna da dialética pode ser quase instantânea ou demorada, mas exige a projeção antes que uma interpretação efetiva possa ser feita. essa situação, creio eu, foi indicada por Jung nos diagramas das projeções cruzadas na “psicologia da transferência”. FORDHAM,M et al , 1974, p. 278 – tradução nossa)
Fordham propõe uma atenção especial aos conteúdos manifestos pela introjeção de aspectos do paciente – que conteúdos seriam esses? Sensações físicas (azia, tontura, sono, dor, tensão, etc), sentimentos (raiva, tédio, impaciência, ternura, pena etc.), lembranças (da infância, de situações, de livros ou filmes, histórias, pessoas etc.) conteúdos esses relacionados com os complexos do analista (daí a importância da análise pessoal), mas foram evocados pela relação com o paciente e sem esta possivelmente não apareceriam.
Se o terapeuta perceber esses conteúdos emergindo enquanto o paciente fala e não se identificar com os mesmos (considerando que não são “autenticamente” seus mas derivam da relação com o paciente), ele pode se relacionar com o conteúdo, extrair dele sua temática e afeto e compreender o que foi sintonizado entre ele e o paciente podendo assim compreender o que está ativo no paciente e a natureza de sua transferência. A partir dessa compreensão acerca do paciente, uma interpretação ou intervenção se tornam simbólicas e podem integrar os conteúdos do paciente projetados e percebidos a partir do inconsciente do analista.
2 – A Contratransferência Ilusória também chamada de CT neurótica, ocorre quando o terapeuta se identifica com os conteúdos e pode agir a partir desses conteúdos (como infantilizar o paciente, tomado pelo complexo materno) ou agir defensivamente ignorando os conteúdos ou mesmo justificando como sendo dos pacientes. Nessas situações, o terapeuta perde a conexão com o paciente.
“Ocorre quando o analista não examina suas reações ao paciente, mas percebe que algo se alojou em si mesmo, proveniente da interação com o paciente. Se ele continuar a não prestar atenção a isso, como Fordham percebeu, ele pode se comportar como se não tivesse ouvindo o que o paciente está dizendo, (…), que pode levar a fazer comentários intuitivos que parecem “brilhantes”. mas são realmente exemplos do material projetante do analista que ele ainda não digeriu na relação com paciente.” (ASTOR, J. Michael Fordham, 115)
A CT ilusória pode ser um momento (ou momentos do processo terapêutico) ou inviabilizar o processo dependendo do conteúdo. Segundo Fordham as principais características dessa modalidade é
“seguintes características: (1) houve uma ativação inconsciente, ou melhor, vagamente consciente, de uma situação passada que substituiu completamente minha relação com o paciente; (2) durante esse tempo nenhuma análise do paciente foi possível.” (Fordham, M, 1974, p.139
3 – A Contratransferência delirante é um caso particular de contratransferência que envolve especialmente casos mais graves como psicose e transtornos graves. Nessa situação o analista introjeta objetos do delírio do paciente, identificando-se com os mesmos. Nesse processo pode romper com a realidade, sejam com elementos delirantes, paranóicos, ideação suicida, em alguns aspectos essa identificação pode ser como “folie à deux”.
É claro, no entanto, que ele[Jung] tem certeza de que o paciente pode ter efeitos muito drásticos sobre o analista e que isso pode induzir a manifestação patológica nele, particularmente quando pacientes esquizofrênicos e limítrofes estão sendo tratados: pode se instaurar no médico com uma paranóia induzida pelo paciente, com uma paranóia induzida, e médicos e enfermeieras podem sofrer “ataques psicóticos curtos” induzidos por pacientes sob seus cuidados. Fordham, 1974, p.242
A transferência delirante tende a mobilizar os aspectos pré-simbólicos, psicóides para os quais o ego pode não tem referência, é sempre importante que o analista tenha uma vida pessoal viva, sólida para a qual ele retorne. assim como o suporte de supervisão para elaborar essas T/CT (especialmente no inicio de carreir), em todo caso os sintomas tendem se desfazer com a suspensão do tratamento.
4 – A contratransferência arquetípica está associada a transferência arquetípica, ou seja, está associada a conteúdos do Self que se deintegram e através da relação transferencial são reintegrados, ou seja, padrões arquetípicos que são atualizados e necessários à individuação. A potencia dos conteúdos arquetípicos podem “fascinar” o analista – fazendo com que se identifique com a numinosidade arquetípica.
É importante notar que a CT arquetípica fala de conteúdos impessoais com os quais o analista precisa ter atenção e, como diz Warren Steinberg (1992), e um certo censo humor acerca de si mesmo, para de distanciar rir e elaborar a numinosidade de forma saudável, sem perder a pessoalidade e humanidade.
Ao prestar atenção na CT presentamos mais atenção ao paciente, notamos a complexidade da relação e podemos nos sentir parte do processo. Isso exige autoconhecimento, amor, paciencia, humildade e disponibilidade do terapeuta para se perceber, revisitar em seus conteúdos e sofrimentos pessoais – que ressoam com o sofrimento do paciente. Através da relação transferencial podemos visualizar além dos conteúdos transferidos mas também as defesas, resistências e dinâmicas que precisam ser humanizadas para serem elaboradas pelo ego.
Não podemos deixar de considerar que a contratransferência está intimamente relacionada com a dinâmica/temática do arquétipo do curador-ferido, que foi comentado em outros textos aqui no blog, segue os links:
http://psicologiaanalitica.com/pensando-alguns-aspectos-do-curador-ferido/
http://psicologiaanalitica.com/algumas-palavras-sobre-o-curador-ferido/
Caso tenha ficado com dúvidas, entre em contato!
Referências Bibliográfica:
Astor, J. Michael Fordham: Innovations in Analytical Psychology. London: Routledge, 1995
CARTER, L. Contratransferência e intersubjetividade in Stein, M. Psicanálise Junguiana Petrópolis: Vozes 2019
Fordham, M R. Gordon, J. Hubback and K. Lambert (eds), Technique in Jungian Analysis. London: Heinemann, 1974.
STEINBERG,W. Aspectos Clínicos da Terapia Junguiana, São Paulo: Cultrix, 1992.
——————————————————–
Fabricio Fonseca Moraes (CRP 16/1257)
Psicólogo Clínico de Orientação Junguiana, Especialista em Teoria e Prática Junguiana(UVA/RJ), Especialista em Psicologia Clínica e da Família (Saberes, ES). Pós-graduando em Acupuntura Clássica Chinesa (IBEPA/FAISP). Formação em Hipnose Ericksoniana(Em curso). Coordenador do “Grupo Aion – Estudos Junguianos” Atua em consultório particular em Vitória desde 2003.
Contato: 27 – 9316-6985. /e-mail: fabriciomoraes@yahoo.com.br/ Twitter:@FabricioMoraes
Nesse mês de dezembro a editora Vozes fez um lançamento super interessante no campo do desenvolvimento: A psique adolescente: Perspectivas junguianas e winnicottianas de Richard Frankel.
Publicado orginalmente em 1998, a Psique Adolescente traz um dialogo entre a psicologia analítica e a psicanálise Winnicottiana – esse dialogo já era realizado com a amizade de Michael Fordham com Donald W. Winnicott.
Poucos são os livros junguianos de referência que abordam a adolescência, Frankel fez uma ampla pesquisa envolvendo teoria, desenvolvimento e psicoterapia.
O livro está disponível nas principais livrarias!
O Valor sugerido no site da Editora vozes é 90 reais
Segue abaixo o indice!
Lista de figuras, 9
Prefacio, 11
Agradecimentos, 15
Lista de abreviacoes, 17
Introducao, 19
Parte I – Perspectivas teoricas da adolescencia, 33
1 Abordagens psicanaliticas, 35
2 Psicologia analitica do desenvolvimento, 67
Parte II – Adolescencia, iniciacao e o processo de morrer, 87
3 O arquetipo da iniciacao, 89
4 Imagens de vida e morte na adolescencia, 107
5 O despertar corporal, idealista e ideacional, 137
Parte III – Jung e a adolescencia: uma nova sintese, 161
6 As tarefas de individuacao da adolescencia, 163
7 Persona e sombra na adolescencia, 191
8 O desenvolvimento da consciencia, 228
Parte IV – Psicoterapia com adolescentes: mudando o
paradigma, 251
9 A contratransferencia no tratamento da adolescencia, 256
10 Proibicao e inibicao: consideracoes clinicas, 287
11 Proibicao e inibicao: dimensoes culturais, 303
Epilogo, 319
Notas, 325
Referencias, 329
Indice remissivo, 337
Nota: Como temos edições das Obras Completas de Jung que não coincidem na paginação, vou utilizar como referência os parágrafos.
A relação de transferência e contratransferência (T/CT) é de vital importância para a prática da clínica. Apesar disso, na literatura junguiana não vemos tanto enfoque que esse tema mereceria, isso se deve a posição ambivalente que Jung tinha em relação a T/CT. Nesse texto eu gostaria de abordar tanto a visão do Jung acerca da transferência quanto as contribuições de Michael Fordham. Na segunda parte, vamos discutir um pouco sobre a contratransferência e na terceira sobre o campo transferencial .
As afirmações de Jung acerca da transferência mudaram de acordo com a evolução da teoria, as concepções iam do aspecto fundamental da transferência até considerá-la um estorvo. Nessa evolução eu vou destacar três momentos:
1916 – No texto “A função transcendente” Jung apresenta uma noção extremamente importante, onde aponta na transferência um aspecto prospectivo e sintético da transferência indicando a relação com o desenvolvimento psíquico.
“Por isto, na prática é o médico adequadamente treinado que faz de função transcendente para o paciente, isto é, ajuda o paciente a unir a consciência e o inconsciente e, assim, chegar a uma nova atitude. Nesta função do médico está uma das muitas significações importantes da transferência: por meio dela o paciente se agarra à pessoa que parece lhe prometer uma renovação da atitude; com a transferência, ele procura esta mudança que lhe é vital, embora não tome consciência disto.” (Jung, 2000, pr. 145)
1935 – Nas conferências de Tavistock, chamadas de “Fundamentos da Psicologia analítica” Jung emitiu uma das opiniões mais contundentes contrarias a transferência.
“transferência é sempre um estorvo, jamais uma vantagem. Cura-se apesar da transferência e não por causa dela” (…) Não há necessidade de transferência, como também não a há de projeção. Logicamente ela aparece independentemente disso. As pessoas sempre têm projeções, mas nunca a espécie que é esperada. Já leram Freud sobre esse aspecto, ou já estiveram com outros analistas. E foi-lhes enfiado na cabeça que deverão ter transferência, ou jamais serão curadas. É a maior das asneiras dizer uma coisa dessas. A cura não depende nem da ausência, nem da existência dela. (…) Se ela não existir, tanto melhor; o material surgirá da mesma forma.” Jung, 2000a, pr.349;351)
Alguns autores compreendem esta afirmação contextualizando com o momento das conferências, onde Jung teria um direcionamento e a plateia queria ouvir sobre a transferência, que o desagradou. De qualquer modo, este posicionamento gerou uma percepção negativa acerca da transferência, especialmente por que as conferências de Tavistock são consideradas textos introdutórios mais relevantes à psicologia analítica.
1945 – Já na obra “Psicologia da Transferência”, Jung abordou o tema de uma forma ampla discutindo os fundamentos arquetípicos da transferência a partir da gravuras do rosarium philosophorum. Nesse trabalho Jung afirma
“Apesar de eu ter, inicialmente, atribuído uma importância suprema a transferência, como FREUD, tive de reconhecer, à medida que minhas experiências se multiplicavam, que até esta importância é relativa. A transferência pode ser comparada àqueles medicamentos que para uns são remédio e, para outros puro veneno. A sua ocorrência significa em certos casos uma mudança para melhor, em outros, um entrave, um peso, ou coisa pior, e num terceiro caso, finalmente, pode ser relativamente irrelevante. Entretanto, é quase sempre um fenômeno crítico, que brilha nas mais diversas cores, e a sua ocorrência é tão significativa quanto sua não ocorrência.” (Jung, 1999 prologo – p. 35)
Nesse aspecto a visão do Jung se torna bem mais moderada, reconhecendo perspectivas distintas em relação à transferência. Essa “importância relativa” dada a transferência reverberou influenciando a forma de pensar clássica da psicologia analítica – também chamada de Escola de Zurique. Roberto Gambini, analista formado em Zurique, em seu livro “A voz e o Tempo” comenta acerca da transferência dizendo
A transferência é o desafio supremo da análise. Não existe receita. Às vezes ela é uma carga pesadíssima, ás vezes não pesa nada, em alguns casos atrapalha, em outros ajuda. Seja como for, em toda terapia o analista está carregando para o paciente algum aspecto que este não consegue integrar e que talvez ainda nem esteja manifesto. Então é inevitável que um faça algo pelo outro, represente algo para o outro. Não se trata evidentemente de dar conselhos ou resolver problemas práticos do paciente, tarefa esta mais adequada a uma terapia ocupacional. Na esfera psíquica, alguém precisa cuidar do que ainda não nasceu e essa tarefa é do analista. Depois que veio à luz, começa-se cuidadosamente entregar o bebê para a mãe. O trabalho mais importante é na realidade aquele feito com o feto, quando só o terapeuta tem condições de enxergar e valorizar aquilo que ainda não tem cara nem nome. Portanto, aceito sentimento como dependência, gratidão, amor, cobrança, raiva, desejo de exclusividade e de atenção especial, por considerá-los como inevitáveis nessa fase de gestação. O grande teste para um analista é a hora que ele constata que consegue suportar o peso e a responsabilidade da transferência. Às vezes uma questão transferencial, como vimos, é apontada por um sonho – então aborda-se diretamente o assunto. Caso contrario, o estilo junguiano, pelo menos segundo a Escola de Zurique, é ir vivendo o processo sem falar exaustivamente dele. Deixa-se acontecer, observa-se. Se o paciente for terapeuta, este igualmente pode se abrir com toda coragem e sinceridade. Não esmiuçamos a transferência, ficamos com a ferida doce. ( GAMBINI, 2008 ,p.110-111)
Apesar do valor “relativo” que Jung atribuía à transferência, ele fez contribuições importantes para a compreensão da transferência. Warren Steinberg, comenta essas contribuições no livro “Aspectos Clínicos da Terapia Junguiana” destacando cinco aspectos:
– Objetivo da transferência: Para Jung a transferência teria um objetivo relacionado com ao processo de individuação. Por meio da transferência, os complexos, as dinâmicas (de apego e objetais) viriam à cena possibilitando a transformação do ego. A elaboração da transferência conduziria ao amadurecimento, a uma nova possibilidade de relação com o inconsciente. Assim, o conteúdo objetivo, infantil e histórico do complexo vivido na transferência se abre para a concepção subjetiva, atual e prospectiva que concerne à individuação.
– Compensação: Steinberg aponta que “a transferência, assim como neurose, é uma tentativa de autocurar-se, o sistema psíquico lutando por equilíbrio” (STEINBERG, 1992, p.13). A transferência pode compensar uma atitude unilateral do ego, resistências e defesas que se encontram fixadas ao longo da história do individuo – possibilitando uma perspectiva e espaço para a integração dos conteúdos que foram excluídos e negados pela dinâmica do ego.
– Empatia: O paciente internaliza a figura do analista, muitas vezes, com as pontuações e características – as vezes, reproduzindo trejeitos, expressões e vícios de linguagem – essa identidade visaria o desenvolvimento de uma atitude própria, uma atitude analítica correlata a observada no analista. De outro modo, essa internalização expressaria a ativação do “analista interior” (presente na dinâmica do curador-ferido).
Relacionamento: O relacionamento analítico seria um relacionamento pessoal num enquadre impessoal, protegido e capacitador. Isso porque o individuo neurótico tem dificuldade de estabelecer relacionamentos saudáveis. Na medida que o analista sustente a relação, maneje a transferência, o paciente poderia sair do padrão criado pelos relacionamentos familiares/infantis.
Transferência arquetípica: Jung notou que em alguns casos a retiradas projeções e a elaboração da transferência infantil não liberava energia para a consciência/ego para adaptações exteriores, antes essa energia regredia ao inconsciente ativando formas arquetípicas, que eram transferidas para o analista. Jung compreendeu que esse processo envolvia uma adaptação mais profunda isto é, o processo de individuação.
As contribuições de Jung se tornaram diluídas na compreensão da relação terapêutica, na presença do analista, não focando no conteúdo ou na compreensão da transferência em si ou valorizando a interpretação.
Michael Fordham foi sem a menor dúvida um dos maiores pensadores junguianos, poucos se igualam em profundidade, amplitude e criatividade. A transferência/contratransferência – no cerne da técnica junguiana – ocupou um lugar especial na construção teórica de Fordham.
Em seu trabalho seminal “Notes on the transference” de 1957, Fordham indica o distanciamento da obra de Jung da temática da transferência (especialmente por este enfatizar a personalidade do terapeuta/analista), neste trabalho ele inicia uma sistematização acerca da transferência que vai reverberar e fundamentar muitas concepções e técnicas da psicologia analítica.
Fordham compreendia que transferência, e consequentemente sua análise, seria importante para transformação da personalidade pois a energia que era destinada a neurose gradativamente seria destinada ao analista por meio da transferência – o que possibilitaria a transformação e saída da neurose. Fordham apontou a necessidade de discriminarmos três tipos de transferência: Dependente; delirante e a arquetípica.
A transferência Dependente ou neurótica se caracteriza pela repetição de padrões infantis ou de padrões neuróticos. Nesta modalidade o conteúdo histórico dos complexos (em especial os parentais) são projetados sobre o analista de modo serem revividos e integrados. Nesses casos a “análise/interpretação redutiva” se torna essencial para integrar os complexos, dinâmicas arquetípicas essenciais para a autonomia e amadurecimento do individuo.
A transferência delirante ou psicótica há o rompimento da realidade com o analista, onde o mesmo é envolvido no delírio do paciente, a indistinção da realidade do analista impede que a realidade externa ou as intervenções/interpretações tenham espaço. A transferência delirante pode se manifestar em interpretações/julgamentos que o paciente atribui ao analista assim como pela intensidade afetiva direcionada ao analista – esta mobilizada por elementos pré-simbólicos ou psicóides ainda incessíveis ou não elaboráveis ao ego.
A transferência arquetípica é noção bem peculiar na abordagem junguiana. Como dito acima, em alguns casos após elaborada a transferência infantil a energia ativa camadas mais profundas. A transferência arquetípica possui um energia diferenciada, imagens grandiosas, que não se referem a experiência pessoal,
“a transferência arquetípica tem duas características que a pessoal não possui: as projeções são mais claramente partes do Self que precisam ser integradas. eles também são progressivos e contêm material através do qual a individuação pode ocorrer. O reconhecimento dessas características é concebido como importante porque a interpretação analítica não pode ser aplicada: as entidades primárias foram alcançadas.” FORDHAM,1986, p. 84.
Nessa perspectiva, a transferência arquetípica possibilita que deintegrados sejam vivenciados e reintegrados possibilitando o processo de individuação.
Jung compreendeu que transferência não seria um processo unilateral, sua manifestação também produziria uma reação do analista – a contratransferência. Essa relação T/CT entre analista e paciente estariam para além do campo consciente, numa relação que envolve a consciência e o inconsciente. A partir das imagens do Rosarium philosoforum ele apresentou um modelo próprio para compreender o a dinâmica da transferência.
No próximo post, apresentaremos a contratransferência onde poderemos discutir de fato o campo transferencial.
Referências bibliográficas:
Fordham, M. New Developments in Analytical Psychology, London: Routledge and Kegan Paul, 1957.
Fordham, M, Jungian Psychotherapy, Maresfield: London, 1986.
GAMBINI, R. A voz e o tempo: reflexões para jovens terapeutas. São Paulo: Ateliê Editorial, 2008.
JUNG, C.G. Vida Simbólica Vol. I, Petrópolis: Vozes, 2000.
JUNG, C.G. Natureza da Psique, Vozes:Petrópolis, 2000a.
JUNG, C.G.Ab-reação, análise de sonhos, transferência, Vozes: Petrópolis, 4 ed. 1999b
STEINBERG,W. Aspectos Clínicos da Terapia Junguiana, São Paulo: Cultrix, 1992.
——————————————————–
Fabricio Fonseca Moraes (CRP 16/1257)
Psicólogo Clínico de Orientação Junguiana, Especialista em Teoria e Prática Junguiana(UVA/RJ), Especialista em Psicologia Clínica e da Família (Saberes, ES). Pós-graduando em Acupuntura Clássica Chinesa (IBEPA/FAISP). Formação em Hipnose Ericksoniana(Em curso). Coordenador do “Grupo Aion – Estudos Junguianos” Atua em consultório particular em Vitória desde 2003.
Contato: 27 – 9316-6985. /e-mail: fabriciomoraes@yahoo.com.br/ Twitter:@FabricioMoraes
Nessas três postagens “Perspectivas Junguianas acerca do Ego” procurei comentar sobre a formação do ego, sobre características do Ego como funções e defesas. Para nesta terceira e última, gostaria de comentar alguns aspectos sobre psicopatologia relacionada ao Ego. Nesse sentido é importante considerar que meu olhar está intimamente associado com a concepção desenvolvimentista da psicologia junguiana.
Creio ser um pouco irônico pensar nessa proposta falar de “psicopatologia” e “ego” visto q são duas temáticas amplamente ignoradas no cenário junguiano. Um raros trabalhos que comentam conciliam estas temáticas o “Jung e os Pós-Junguianos”(1989) de Andrew Samuels, que, sendo uma obra crítica, discussão geral sobre o ego nas diferentes perspectivas junguianas. Samuels, traz uma visão da psicopatologia associada ao ego na escola clássica, ele diz
Devemos agora voltar a nossa atenção às afirmações de Jung a respeito da patologia da ego-consciência.
A primeira possibilidade é de que o ego não emerja satisfatoriamente de sua unidade e identidade originais com o self; haverá portanto pouca discriminação ou pouca ego-consciência, e a personalidade será governada pelos complexos autônomos em competição.
A segunda possibilidade é de que o individuo permita a seu self, ou sua personalidade total, se tornar limitado pela identificação com o ego – que com isso se torna inflacionado. O individuo se comportará como se não houvesse nada além do ego e do ego-consciência dentro de si. O inconsciente e os complexos protestarão por serem negados dessa forma, e se desenvolverá uma tensão entre o ego e o self muito maior que o grau saudável, e com consequências destrutivas.
A terceira possibilidade é a de que o ego possa se identificar com uma atitude externa extrema, abandonando a posição mediadora e rompendo com o restante do aspecto de possibilidades. Para fazê-lo, o ego irá “selecionar” a partir de dados emocionais, de modo que elementos que não se adaptem ao padrão consciente sejam negados ou eliminados.
A quarta possibilidade é que o complexo do ego seja incapaz de se relacionar, de modo fértil e imaginativo, com os outros complexos de maneira que possam ocorrer a personalização e a diferenciação dos complexos que Jung julga vital para o crescimento. O individuo não consegue deixar que surjam imagens da fantasia ou não consegue se relacionar com elas caso surjam.
A quinta possibilidade é a que o ego venha a ser subjugado e arrebatado por um conteúdo interno.
A sétima, e ultima , a possibilidade da psicopatologia do ego tem a ver com a função inferior (…). A função inferior pode estar pouco integrada e disponível que as intenções da consciência ficam totalmente sem sentido.
(SAMUELS, 1989, p. 86)
A descrição da visão clássica de Samuels é extremamente útil, poderia dizer que possibilidades que essas possibilidades compreendem ego em relação a Self, em relação/mediação aos conteúdos internos (complexos) e externos (papéis e funções coletivas), capacidade de elaborar os símbolos e estar em relação com o inconsciente. Essa visão abarca a grande maioria dos quadros que vemos no dia a dia, contudo, meu sentimento é que o ego é visto de modo passivo, como se esses quadros e outros não dependessem diretamente dele. Gostaria de ampliar um pouco essa lista do Samuels, acrescentando outros aspectos tomando o ego como centro do debate.
No post Perspectivas Junguianas acerca do Ego – Parte 1 apontamos uma concepção desenvolvimentista acerca da evolução do ego. Na escola clássica, há uma suposição de um ego preformado, que deveria se diferenciar do Self. Como vimos, para Fordham, o ego se desenvolve a partir das experiências do Self com o ambiente – o que envolve relações objetais e de apego. Nesse sentido, a primeira situação não envolveria o ego em si, mas um transtorno no desenvolvimento. Essa discussão acerca do desenvolvimento do Ego ganha contornos a partir da prática clinica com pacientes do Transtorno do espectro autista, segundo Fordham,
o núcleo essencial do autismo representa uma forma distorcida a integração primária da infância, e que autismo idiopático é um estado desordenado de integração, devido ao seu persistência até o fracasso do Self em deintegrar (Fordham, 1976, p.88 – Tradução nossa)(1)
Assim, o Self primário continuaria integrado de modo que os deintegrados – base para a atualização e desenvolvimento da representações do Self – que dão origem aos núcleos do ego ou não se deintegram (permanecem integrado) ou não são reintegrados adequadamente como experiências pessoais. Desse modo, aspectos arquetípicos do desenvolvimento, como a possibilidade de relações de apego e com os objetos, poderiam ficar comprometidas em graus variados.
Os símbolos constituem um aspecto vital da vida psíquica. Jung apontou que os mesmos possibilitariam a circulação da energia entre a consciência e o inconsciente assim como nutrir o ego, possibilitando estabilidade da consciência. Antes de comentar diretamente sobre a psicopatologia associada a capacidade de elaborar os símbolos, precisamos fazer uma digressão para pensar a relação do ego com os símbolos.
A capacidade do ego em elaborar símbolos ou de lidar simbolicamente com a realidade depende qualidade das relações que o individuo teve em seu processo formativo, isto é, da segurança e estabilidade das relações que ego pode estabelecer com a realidade interior e exterior. Os símbolos integram diferentes campos da experiência(psiquico-fisico; consciente-inconscinte; interno-externo), por serem o fruto da atividade integradora que Jung nomeou de “função transcendente”. Deste modo, não são criados pelo ego, inclusive compreende-se que os primeiros símbolos são anteriores a fase de formação plena do ego, se desenvolvendo junto com a capacidade de percepção e relação com os objetos.
É importante considerar que os símbolos são as primeiras representações que configuram o psiquismo integrando os conteúdos interiores/inconscientes com conteúdos exteriores, dando forma a realidade propriamente psíquica a experiência individual e consciente. Os primeiros símbolos compreendidos como símbolos do Self, que podem ser estendidos a objetos específicos, possibilitando, trazendo segurança e sustentação aos processos integrativos do Self – especialmente do próprio Ego. Para Fordham os “objetos transacionais” descritos por Winnicott eram os símbolos do Self.
Ao longo de toda a vida o processo de formação, elaboração dos símbolos se desenvolve num espaço seguro. Incialmente esse espaço é físico, é o ambiente – normalmente personificado pela mãe ou figura materna – gradativamente o espaço segura torna-se psíquico, simbólico ou potencial – como Winnicott nomeou. Na infância, o espaço potencial/simbólico se torna perceptível pela capacidade imaginativa e de autenticidade da criança expressas no brincar. Na vida adulta, se manifestará nas formas de lidar com a arte, religião e os diversos campos da cultura – que possibilitam a integração dos conteúdos internos que conduzem ao processo de individuação.
Nesse aspecto, devemos considerar como pontos fundamentais os processos defensivos tanto do Self (descritos por Kalsched no seu livro “O mundo interior do trauma”) e do ego.
As defesas do Self se manifestam presentes em situações onde há um colapso dos processos defensivos do ego – onde é incapaz de “metabolizar” a situação dor/sofrimento (que pode ser por violências; ausência de afeto/segurança ou ambivalência) ou onde a ameaça continuidade da vida se torna iminente. Quando ocorre na infância, a experiência traumática pode ocasionar a interrupção da atividade imaginativa, rompendo com os vínculos (internos e externos) no trauma precoce, quando ocorre na vida adulta no geral, temos quadros de transtorno de estresse pós-traumático. As defesas do Self protegeriam o individuo de uma cisão psicótica, contudo, às custas criatividade, autenticidade e possibilidade imaginativa.
As defesas do Ego visam a manutenção e a continuidade das funções do ego (como comentado no post anterior). Diferente das defesas do self, as defesas do ego amadurecem, se diversificam de modo a termos várias possibilidades como são descritas na psicanálise.
Essa digressão foi necessária para poder pensar quadros graves que estão intimamente relacionados com o desenvolvimento do ego. Podemos pensar duas possibilidades: a primeira a experiência vivida na infância(ou seja como é apreendida pelo individuo) é de tal modo sofrida/aversiva com predominância de objetos negativos, sensação de desamparo/medo/insegurança que a relação com a realidade interior e exterior se tornam insuportáveis fazendo que as defesas atuem de forma rígida impedindo a exploração da realidade, elaboração simbólica e amadurecimento do ego. Nessa situação, o ego se mantém imaturo, reativo, ansioso, muitas vezes dissociado das experiências internas e externas, impedido de estabelecimento vínculos.
A outra possibilidade, de modo similar primeira, ocorre quando o ego se desenvolve com a predominância de objetos negativos/de insatisfação/desprazer, fazendo que essas experiências sejam incorporadas a identidade do ego – em outras palavras o ego se identifica com aquilo que gera dor/insatisfação, com o que deveria ser evitado, de modo a coesão do ego se torna instável, muitas vezes o próprio ego se torna objeto das defesas, comprometendo o autoconceito, a autoimagem e muitas vezes gerando os mais diversos ataques ao corpo.
Nessas duas situações podemos entrever os quadros de transtornos de personalidade e neuroses graves. Em ambos os casos há um predomínio de atividade defensiva que prejudicando tanto a formação quanto elaboração simbólica. Isso porque a função dos símbolos é integrar, unir – as defesas visam evitar que as experiência de sofrimento sejam revividas ou relembradas atacando o processo de formação simbólica. Por isso, muitas vezes pacientes com esses quadros são muito concretos, objetivos, muitas vezes é percebia a atuação e a passagem ao ato na analise.
É importante considerar que a labilidade emocional está relacionada com os afetos que não possuem contorno simbólico, não se apresentam à consciência de forma que o ego possa reconhecelos e integra-los. Muitas vezes, emergem em seu aspecto arquetípico/psicóide/pré-psíquico que não se traduz em pensamento ou imagem, apenas como sensações – geralmente de angustia e desespero.
No trabalho com esses pacientes, com frequência é necessário simbolizar junto com o paciente. Schwartz-Salant no livro “A personalidade limítrofe”, cabe ao analista de “posse” da comunicação produzida na contratransferência transformar esses elementos psicóides, pré-simbólicos do paciente com sua “visão imaginal” em símbolos com os quais o paciente pode lidar, dando contorno, continência a esses conteúdos muitas vezes invisíveis da psique do paciente – o terapeuta seria, temporariamente, a função transcendente para o paciente. Naturalmente, técnicas expressivas e sandplay também são de grande valia na transformação de elementos pré-simbólicos em símbolos.
A relação saudável do ego com os conteúdos internos e externos tem como ponto central a diferenciação, ou seja, é fundamental que o ego tenha força e coesão para se perceber sujeito, distinguindo o que é seu e o que não é. A dificuldade de diferenciação entre o mundo interno e externo abrange a quase todos os casos que encontramos, visto que esta diferenciação é o ponto chave para o processo de individuação. De certo modo, ao longo da vida estamos quase sempre identificados quer com uma função social, quer com um padrão de um complexo. A manutenção desse estado de identificação está relacionada tanto ao ambiente muitas vezes limitador quanto a falta de recursos do ego para assumir novos desafios e mudanças.
Nessa perspectiva notamos a presença das defesas que visam prover segurança e estabilidade ao ego, distorcendo a compreensão da realidade. Assim, os padrões evitativos de relacionamento, a identificação com padrões dos complexos ou mesmo com os padrões da coletividade servem como estratégias defensivas, mantendo o ego imaturo, sem repertório, restrito numa ilusão de segurança – mesmo que às custas de muito sofrimento.
Ao longo da vida o ego amadurece continuamente, não há uma meta “específica”, apenas um caminho. A dificuldade de viver as transformações, o risco de mudança, ativam as defesas que muitas vezes paralisam o ego impendindo-0 de viver o processo de individuação. Grande parte das psicopatologias associadas a esse quadro defensivo estagnam a vida, tirando fluidez, deixando uma “vazio seguro”.
A análise das defesas, projeções, fantasias do paciente são muito úteis para compreender essa dinâmica defensiva do ego – pois, muitas vezes, a produção onírica, o trabalho com os símbolos são bem limitados.
Esses três textos são provocações para pensarmos mais acerca do ego. Muitas vezes comento que o ego é “figurante de luxo” está sempre presente nos textos, mas com pouca atuação.
Notas:
(1) the essential core of autism represents in distorted form the primary integrate of infancy, and that idiopathic autism is a disordered state of integration, owing its persistence to failure of the self to deintigrate.
Referências bibliográficas
FORDHAM, MICHAEL, The Self and Autism, London: Heinemann Medical [for] the Society of Analytical Psychology, 1976.
SAMUELS,Andrew. Jung e os Pós-junguianos, Rio de Janeiro: Imago, 1989.
SCHWARTZ-SALANT, N. A personalidade limítrofe: visão e cura.São Paulo: Cultrix: 1992.
——————————————————–
Fabricio Fonseca Moraes (CRP 16/1257)
Psicólogo Clínico de Orientação Junguiana, Especialista em Teoria e Prática Junguiana(UVA/RJ), Especialista em Psicologia Clínica e da Família (Saberes, ES). Membro da International Association for Jungian Studies(IAJS). Formação em Hipnose Ericksoniana(Em curso). Coordenador do “Grupo Aion – Estudos Junguianos” Atua em consultório particular em Vitória desde 2003.
Contato: 27 – 9316-6985. /e-mail: fabriciomoraes@yahoo.com.br/ Twitter:@FabricioMoraes