(13 de março de 2012)
Há algumas semanas Aldo Costa, um leitor que participa ativamente de nosso blog, postou um comentário muito interessante. Ele comentou:
Prezado Fabrício,
Por que Analista Junguiano não é profissão regulamentada? Nesse sentido, existe diferença entre o Brasil e outros países?
Uma outra dúvida é: quando o psicólogo se autointitula Analista Junguiano, sem ter frequentado um Instituto/Sociedade vinculada à IAAP, aprendendo a teoria de Jung e a sua Psicologia Analítica somente por seus próprios estudos, ele (psicólogo) pode fazer isso?(se autointitular Analista Junguiano, mesmo sem ter frequentado instituições vinculadas à IAAP?).
Esses questionamentos vieram para mim há algumas semanas quando você postou em seu blog um trecho do livro Ser Terapeuta onde citou uma fala do analista junguiano Léon Bonaventure, onde este, ao ser indagado, reponde o que é ser analista junguiano e diz dentre outras informações que: (Ser analista junguiano) “É ter a coragem de viver a individuação”, dizendo categoricamente que para ele, hoje, a formação, os diplomas, “ser membro da Sociedade” nada tem a ver com a identidade de ser analista junguiano.
E, finalizando, o Conselho Federal de Psicologia (ou os CRP´s) autorizam que o psicólogo, no caso acima exposto, permite o psicólogo (sem curso em instituições vinculadas à IAAP) se autointitular Analista Junguiano e divulgar para seus pacientes?
Qual a sua opinião?
Muito obrigado.
Confesso que gostei muito dos questionamentos levantados pelo Aldo, ainda mais, por acreditar que ele deu voz a inúmeras outras pessoas que tem essas mesmas dúvidas. Até porque são questões complexas, que tentarei responde-las da melhor forma possível. Caminhemos um passo de cada vez,
Por que Analista Junguiano não é profissão regulamentada?
No Brasil, nenhuma abordagem psicoterapêutica é considerada profissão regulamentada. Isto é, não há nenhuma lei que cria e regulamenta seja a profissão de “analista junguiano”, “analista bioenergético” ou de psicanalista.
No inicio da década passada, houve uma tentativa de regulamentação da profissão de psicanalista. Na época, as principais entidades de referência da psicanálise, apoiadas pelo Conselho Federal de Psicologia, Conselho Federal de Medicina e pela Associação Brasileira de Psiquiatria, dentre outras, se organizaram contra essa regulamentação, participando de audiências e produzindo documentos expondo os motivos, desde os apontamentos nos textos de Freud até a situação contemporânea da psicanálise, para não se regulamentar a profissão de psicanalista.
Essa oposição pela regulamentação da psicanálise estava pautada sobretudo no critério de formação. Pois, uma regulamentação padronizaria o exercício profissional e delimitaria um currículo e tempo de formação. Num texto sobre essa questão da regulamentação da psicanalise, BALEEIRO apresenta um esboço daquela proposta de regulamentação
O Projeto n.º 3.944 é composto de seis capítulos. Inicialmente, faz algumas considerações, justificando assim a sua necessidade. No geral, trata da regulamentação da seguinte forma:
Cap. I. – define quem é e de quem trata o psicanalista e onde atua – Psicanalista é a profissão e o título é de psicanalista clínico – trata de pacientes portadores de distúrbios psíquicos de natureza inconsciente;
Cap. II – quem forma – as sociedades serão registradas, reconhecidas e vinculadas ao MEC que irá definir: currículo mínimo, matérias complementares, estágio, obrigatoriedade da análise didática;
Cap. III – reconhece as sociedades existentes antes da vigência da lei – no entanto fixa critérios para as próximas e regulamenta as existentes, ligando-as ao MEC;
Cap. IV – quem fiscaliza e registra as entidades – o Conselho Federal e os Estaduais de Medicina.( BALEEIRO, 2002)
A regulamentação da psicanálise significaria, por um lado, a definitiva mercantilização da psicanálise (ainda presente em função de cursos de formação de 2 anos) por outro, essa regulamentação abriria a possibilidade que qualquer instituição que atendesse os critérios do MEC, poderia direcionar a psicanálise de acordo com os próprios interesses, como instituições religiosas. Não há nenhuma duvida de que se a psicanálise fosse regulamentada, esta se tornaria em larga escala posse de instituições religiosas – usando-a para justificar seu próprio sistema. Como já vemos, na chamada psicanálise cristã.
Mas, porque eu insisti tanto em falar da psicanálise? Justamente porque a análise junguiana não possui a representatividade da psicanálise, desta forma, os acontecimentos dessa abordagem serviria como um paradigma para pensar os desdobramentos das demais abordagens que lidam com o inconsciente.
Em nossos dias é comum vermos junguianos adotando o titulo de “psicanalistas junguianos”. Isso nos dá um bom indicativo de que se a psicanálise fosse regulamentada, seriam oferecidos cursos de psicanálise freudiana, psicanálise junguiana dentre outros. É sabido que alguns misturam a psicologia analítica com suas crenças religiosas, havendo essa regulamentação, daria o respaldo oficial para essa mistura. De certa forma, ainda há a possibilidade de um certo controle da comunidade profissional para evitar a mercantilização e o domínio ideológico da abordagem, pois, cabe as instituições e os profissionais delimitarem as diretrizes, selecionar os candidatos que se adeqúem as exigências pessoais e éticas ao exercício da analise.
Deste modo, a regulamentação é algo que é combatido pela comunidade profissional, pois, abriria uma possibilidade de deturpar a análise junguiana, ou qualquer outro tipo de análise.
Nesse sentido, existe diferença entre o Brasil e outros países?
Infelizmente, não tenho informações sobre a regulamentação em outros países, assim, fico devendo esta resposta.
Uma outra dúvida é: quando o psicólogo se autointitula Analista Junguiano, sem ter frequentado um Instituto/Sociedade vinculada à IAAP, aprendendo a teoria de Jung e a sua Psicologia Analítica somente por seus próprios estudos, ele (psicólogo) pode fazer isso?(se autointitular Analista Junguiano, mesmo sem ter frequentado instituições vinculadas à IAAP?).
Essa é uma questão bem polêmica. Veja bem, no Brasil, os cursos de formação de analistas junguianos são cursos livres , isto é, não possuem um caráter oficial, não reconhecidos pelo MEC. Por mais que tenham uma carga horária alta (cerca de 750 h), não possuem um valor efetivo enquanto titulação. O fato de ser em uma instituição respeitada como a SBPA ou a AJB, que são vinculadas a IAAP, nos informa acerca da qualidade do curso, mas, não altera muito a questão da titularidade que, como disse, é de curso livre.
Quero deixar claro que em hipótese alguma quero desmerecer a formação vinculada a SBPA, AJB ou qualquer instituição vinculada a IAAP, cuja qualidade e profundidade são inquestionáveis.
Entretanto, na minha opinião, o que acontece é que de fato, como não há regulamentação, a designação “analista junguiano” se torna uma identidade teórica. Assim, o psicólogo que se identifica com a psicologia analítica ou com a análise junguiana se assuma “analista junguiano”. Do mesmo modo que um psicólogo que estuda psicanálise se apresente como “psicanalista”, não indicando necessáriamente uma formação, mas, uma identidade teórica ou de abordagem.
Esses questionamentos vieram para mim há algumas semanas quando você postou em seu blog um trecho do livro Ser Terapeuta onde citou uma fala do analista junguiano Léon Bonaventure, onde este, ao ser indagado, reponde o que é ser analista junguiano e diz dentre outras informações que: (Ser analista junguiano) “É ter a coragem de viver a individuação”, dizendo categoricamente que para ele, hoje, a formação, os diplomas, “ser membro da Sociedade” nada tem a ver com a identidade de ser analista junguiano.
A afirmação do Dr. Léon Bonaventure deve ser compreendida à luz de sua história. Vale apena recordar que Dr. Léon Bonaventure foi o primeiro analista junguiano reconhecido pela IAAP a vir para o Brasil, em 1967. Ele foi um “ativista junguiano” muito importante, sendo um dos responsáveis pelo projeto da tradução das obras completas. Segundo Arnaldo Motta (2005) nos finais da década de 70, muitos médicos e psiquiatras buscaram do Dr. Bonaventure para realizar análise didática, criando em torno dele um grupo de pessoas interessadas em criar um instituto de formação em psicologia analítica aberto a diversos profissionais, essa proposta de Dr. Bonaventure encontrou resistência do Dr. Carlos Byington, que defendia a restrição da função de analista a psicólogos e médicos.
Após um periodo desgastante, Dr. Léon Bonaventure se afastou do grupo por ele criado. Este grupo, vinculando-se a liderança do Dr. Carlos Byinton deu origem a Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, em 1978. Apesar de seu importante papel, ele não foi convidado para compor ou participar da SBPA que nascia. Outros pioneiros junguianos de importância inquestionável na psicologia analítica brasileira, como Dr. Petho Sandor e a Dra. Nise da Silveira também não fizeram parte da sociedade, por ocasião de sua fundação.
Com essas informações, podemos compreender que fazer parte de uma Sociedade ou Associação, muitas vezes implica num movimento político. E, fazer parte ou não de uma instituição não significa que o individuo não será um bom analista junguiano. Outro exemplo, é Roberto Gambini, analista junguiano formado em Zurique, não é membro da SBPA ou da AJB.
E, finalizando, o Conselho Federal de Psicologia (ou os CRP´s) autorizam que o psicólogo, no caso acima exposto, permite o psicólogo (sem curso em instituições vinculadas à IAAP) se autointitular Analista Junguiano e divulgar para seus pacientes?
Bem Aldo, acredito que essa pergunta já foi contemplada, né? De certa forma, analista junguiano pode ser compreendida como uma identidade teórica. Compreendendo também, que o curso de formação de analista não é exclusivo de instituições vinculados a IAAP.
Você também me pediu minha opinião, ok. Pessoalmente, eu respeito profundamente os analistas vinculados a IAAP, tive vários professores da SBPA. De igual modo, respeito profundamente tanto a SBPA quanto a AJB. Mas, acredito supervalorizamos a psicologia analítica “institucional”. No Brasil, temos vários grupos independentes que estudam e trabalham seriamente divulgando o pensamento junguiano. Devemos dar mais valor a esses movimentos.
Concordo com Dr. Léon Bonaventure, a identidade junguiana não está em certificados ou em carteirinhas de sociedades, mas sim, em viver a individuação. Penso que muitas vezes, a formação não é pensada como um treinamento profissional, mas, como uma autoafirmação profissional. Atendendo a necessidade de fazer parte de algo maior, um grupo.
Roberto Gambini, em seus últimos parágrafos do livro “A Voz e o Tempo”, nos diz,
(…)A psicologia junguiana não poderá jamais ser reduzida a uma técnica de exercício profissional ou de manejo de transferência no setting terapêutico, nem muito menos confinada a um código acadêmico, exatamente por ser um modo de observar, pensar e fazer no qual se fundem objetividade e arte, ciência e poesia, formação e iniciação. A objetividade que praticamos é e deve ser contaminada pela alma, pois sem sua mediação no mundo, tanto interior como exterior, nos é incompreensível. Nunca usaremos aventais brancos nem trabalharemos com instrumentos de precisão, sejam testes ou diagnósticos – assim como nunca seremos neofreudianos.
Digo outra vez: sentimentos de inferioridade profissional podem ser uma defesa que impede o contato com o Self.Nós junguianos temos um complexo de herança – ainda não aprendemos a herdar com serenidade. Alarmamo-nos com a idéia de que a herança possa ocultar um problema paterno, ou que ameace nossa liberdade criativa.
Ninguém é dono de Jung. Mas, podemos coletar as pepitas de ouro que encontramos pelo caminho e nos tornarmos a árvore única que cada um, desde o começo, está fadado a ser. (GAMBINI, 2008, p. 214)
Espero ter respondido as questões. Aldo Costa, muito obrigado por sua contribuição!!!
Referências bibliográficas
BALEEIRO, Maria Clarice. Sobre a regulamentação da psicanálise.Cogito, Salvador, 2002 . Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1519-94792002000100013&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 13 mar. 2012.
GAMBINI, R. A voz e o tempo: reflexões para jovens terapeutas. São Paulo: Ateliê Editorial, 2008.
MOTTA, Arnaldo Alves Psicologia Analítica no Brasil; contribuições para a sua história, São Paulo: PUC, Tese de mestrado, 2005.
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Fabricio Fonseca Moraes (CRP 16/1257)
Psicólogo Clínico de Orientação Junguiana, Especialista em Teoria e Prática Junguiana(UVA/RJ), Especialista em Psicologia Clínica e da Família (Saberes, ES). Membro da International Association for Jungian Studies(IAJS). Formação em Hipnose Ericksoniana(Em curso). Coordenador do “Grupo Aion – Estudos Junguianos” Atua em consultório particular em Vitória desde 2003.
Contato: 27 – 9316-6985. /e-mail: fabriciomoraes@yahoo.com.br/ Twitter:@FabricioMoraes