Função Psicológica da Religião

(11 de julho de 2010)

Este post é uma complementação dos posts “Psicologia Analítica e Religião” e “Psicologia Analítica Cristã?”. No primeiro apresentei alguns aspectos acerca de como a psicologia analítica se compreende a religião – fazendo algumas diferenciações entre função religiosa, religião e confissão religiosa. No post “Psicologia Analítica Cristã? ” discuti a relação entre a psicologia(de forma geral) e cristianismo(o que podemos expandir para religião de forma geral), pensando no cuidado que devemos ter para não fazermos misturas que podem prejudicar tanto uma quanto a outra. Contudo, não foi discutido de forma específica a compreensão junguiana da função psicológica da religião.

Quando perguntamos “qual a função psicológica da religião?” a resposta mais correta (sob o prisma junguiano)seria: “Para quem?” ou “ Em que contexto?”, isso porque a religião é um fenômeno de complexo, e não há uma resposta simples que valha para todos os contextos.  Assim,devemos separar o aspecto arquetípico da religião do aspecto pessoal(subjetivo) da religião.

Ao qualificar a religião como arquetípica estamos afirmando que há na psique uma tendência natural a produzir símbolos e a atribuir/reconhecer neles um sentido numinoso. A religião e a arte surgem do mesmo “solo arquetípico”, a diferença esta no fato da arte emergir do espanto do homem frente a natureza e possibilidade transforma-la, imprimindo-lhe significado, dando sentido a vida. A religião, por outro lado, emerge do espanto do homem frente frente as forças incompreensíveis da natureza e frente a morte. a religião é a possibilidade do homem lidar com essas potências invisíveis, atribuindo significado/sentido, especialmente no que diz respeito a morte, se configurando como a possibilidade do homem se afirmar frente o desconhecido, superando o mistério da morte. Através da religião o homem encontra um sentido que o torna capaz de viver e enfrentar a morte Toda religião prepara o individuo para a vida, na medida em que o prepara para morte.

Na vida do “homo religiosus” a religião atravessa os vários campos de sua psique, assim, como o poeta Khalil Gibran, fala em seu belíssimo livro “O Profeta” nos diz,

Então UM VELHO sacerdote disse: “Fala-nos da Religião.” E ele disse:
“Tenho eu falado de outra coisa hoje?
Não é a religião todas as nossas ações e reflexões?
E tudo o que não é ação nem reflexão, mas aquele espanto e aquela surpresa sempre brotando na alma, mesmo quando as mãos talham a pedra ou manejam o tear?
Quem pode separar sua fé de suas ações, ou sua crença de seus afazeres?
Quem pode espalhar suas horas perante si, dizendo: “Esta é para Deus, e essa é para mim; esta é para minha alma, e essa é para meu corpo?

(…)

Vossa vida cotidiana é vosso templo e vossa religião.

Todas as vezes que penetrais nela, levai convosco todo vosso ser” (GIBRAN, 1976, p. 75-6)

Joseph Campbell(2002) nos dá uma boa perspectiva da amplitude da função da religião quando ao discutir a função dos mitos (lembrando que segundo Campbell, “mitologia é como chamamos a religião dos outros”), segundo ele, são quatro as funções básicas da mitologia/religião:

1 – Função Mística ou Metafísica

2 – Função Cosmológica

3 – Função Social

4- Função Pedagógica

A função mística ou metafísica corresponde a abertura ao desconhecido, ao mistério da vida e da morte. Através da religiões o homem amplia sua percepção do mundo, integrando a sua vivência uma realidade que está para além dos percepção sensorial – um mundo eterno, espiritual; libertando a psique humana do condicionamento do tempo e espaço.  Isso é importante, pois, essa função também se reflete como uma  abertura ao inconsciente, a criatividade e imaginação. Que são elementos importantes para o equilíbrio dinâmico da psique.

A segunda, a função cosmológica da religião oferece ao homem uma perspectiva sobre o universo e situa o no mesmo. Essa função geralmente foi mal compreendida afirmando que as mitologias e religiões eram uma proto-ciência, uma tentativa de explicar o mundo. As narrativas sobre a origem do universo, dos deuses, dos homens, de como surgiram os instrumentos, etc…não tinham o objetivo de uma explicação “científica”, mas, sim atribuir sentido e significado ao universo que circunda o homem, colocando-o nessa teia da vida. :Se na primeira função indica que há algo para além da percepção, nessa segunda função o homem toma parte desse mundo sobrenatural, percebendo qual é o seu lugar na existência.

A função social da religião se relaciona com o grupo social. Toda religião vai indicar certas regras de convívio social, geralmente, justificando e reforçando os conceitos morais e organizacionais de um grupo, visando a sobrevivência do mesmo, a religião se constitui um elemento de identidade, dando coesão ao grupo

A quarta, é função pedagógica. A religião se apresenta como pedagógica na medida que orienta as ações e comportamentos dos indivíduos em cada etapa da vida. As narrativas religiosas oferecem ao individuo referencias para se organizar frente ao mundo e as dificuldades, para fazer suas escolhas e tomar suas decisões. Em cada etapa da vida, o individuo é cercado por referências (narrativas/mitos) que o prepara para a vida e para morte. As quatro funções são interligadas, pois, uma leva a outra, oferecendo um solo relativamente firme sobre o qual o individuo pode se organizar e viver.Essas quatro funções nos auxiliam a perceber como a  religião pode atuar psique.

A religião é uma importante fonte de símbolos que possibilita que o homem tenha um contato diferenciado com sua realidade interior. Os símbolos religiosos foram elaborados/refinados pela consciência coletiva/cultura, de modo a possibilitar que a consciência tenha contato com a esfera dos arquétipos  sem que isso ofereça risco à integridade da consciência. Através dos símbolos, a energia psíquica inconsciente contribuem para a estruturação do Ego, dando energia e condições para enfrentar as dificuldades do dia a dia.

Por meio do símbolo, o mundo dos arquétipos penetra, através do homem criador, na esfera da cultura e da consciência. O mundo das profundezas fecunda, transforma e amplia, dando à vida do coletivo e do individuo o fundo único que torna a existência plena de sentido. O significado da religião e da arte é positivo e sintético, não penas para as culturas primitivas, também para nossa cultura e para nossa consciência superacentuadas, justamente porque elas oferecem um canal de saída para conteúdos e componentes emocionais cuja supressão foi demasiado rigorosa. Tanto em relação ao detalhe, como também em relação ao todo, o mundo patriarcal da cultura, com a sua primazia da consciência, forma apenas um segmento. As forças positivas do inconsciente coletivo que foram excluídas lutam, no homem criador, por se manifestarem e, através dele fluem para a comunidade. São em parte forças “antigas”, excluídas pela ultradiferenciação do mundo cultural e, em parte, forças novas, nunca presentes antes, destinadas a dar forma à face do futuro.(NEUMANN, 1995,p.269)

Apesar da concepção junguiana compreender que função psíquica da religião é naturalmente positiva, não se nega ou se ignora o fato de que a religião possa ser utilizada por grupos ou lideres religiosos de forma “inadequada”, em alguns casos corroborando com o pensamento de Marx, de que a religião seria o opio do povo. Ou mesmo, o individuo pode ser esmagado pelos dogmas da instituição religiosa (não tendo a vivência saudável da religião), se vendo mergulhado num oceano de culpa, assim, vivendo a religião como uma busca incansável por expiação, se constituído como uma neurose obsessiva, como Freud  sugeria.

Por esse motivo eu apontei acima, que para pensar a função da religião devemos conhecer o primeiro contexto para visualizarmos sua função. A religião não é positiva ou negativa, ela pode funcionar ou atuar de modo positivo ou negativo, dependendo de como for vivida ou manipulada. A religião pode ser veiculo de saúde (como vemos pessoas que realmente superam doenças, drogas, luto etc,), mas, por outro lado,  também pode veiculo de manutenção dos mais diversos preconceitos e estimulando muitas vezes o ódio e a violência. Como disse, tudo depende o uso que é feito da religião.

Nós falamos da religião num prisma coletivo,no campo individual, devemos ter atenção para observar como o individuo se relaciona com a religião. Apesar dessas funções citadas acima atuarem sobre o individuo, o individuo pode se valer da religião de forma patológica – perpetuando culpas ou preconceitos. Acredito que o psicólogo deva condenar e combater abertamente todo e qualquer preconceito ou injustiças cometidas contra qualquer ser humano promovidos por religiões, grupos, seitas ou instituições. Entretanto, quando se trata do individuo, devemos ter cuidado para não atacarmos o individuo perdendo de vista a os fatores que o levaram a essa atitude patológica ( seja o preconceito ou o fanatismo), como diz o ditado “não devemos jogar o bebê fora junto com água do banho”. Se a religião for um fator constitucional fundamental para aquele individuo, devemos leva-lo a questionar aquela atitude ou sua crença patológica, não julgando todo o sistema religioso, para  não promover uma “amputação psíquica”. Mas, isso necessitaria que o psicólogo possuísse um certo conhecimento do sistema religioso do cliente. Jung tinha uma opinião interessante(e controversa) a esse respeito, segundo o mesmo,

Minha posição neste assunto é a seguinte: Enquanto um paciente é deveras membro de uma Igreja, deve levar isto a sério. Deveria ser real e sinceramente um membro daquela Igreja e não ir ao médico para resolver seus conflitos quando acredita poder fazer isso com Deus. Quando, por exemplo, um membro do Grupo Oxford me procura para tratamento, eu lhe digo: “Você pertence ao Grupo Oxford; enquanto for membro dele, resolva seus assuntos com o Grupo. Não posso fazer nada melhor do que Jesus”.

Gostaria de contar-lhes um caso desses. Um alcoólico histérico fora curado pelo movimento desse Grupo, e este o usou como uma espécie de caso-modelo. Mandaram-no viajar por toda a Europa, onde dava seu testemunho e dizia ter procedido mal, mas ter sido curado por esse movimento. Depois de haver contado vinte ou cinqüenta vezes sua história, ficou cheio e recomeçou a beber. A sensação espiritual simplesmente desapareceu. O que fazer com ele? Agora dizem que se trata de um caso patológico e que ele precisa de um médico. No primeiro estágio foi curado por Jesus, no segundo, só por um médico! Tive que recusar o tratamento desse caso. Mandei-o de volta a essas pessoas e lhes disse: “Se vocês acreditam que Jesus curou este homem da primeira vez, ele o fará pela segunda vez. E se ele não o puder, vocês não estão supondo que eu possa fazê-lo melhor do que Jesus, não é?” Mas é exatamente o que pensam: quando uma pessoa é patológica, então Jesus não ajuda, só o médico pode ajudar.

Enquanto alguém acredita no movimento do Grupo Oxford, deve permanecer ali; e enquanto uma pessoa é da Igreja Católica, deve estar na Igreja Católica para o melhor e para o pior, e deveria ser curada através dos meios dela. E saibam os senhores que eu vi que as pessoas podem ser curadas por esses meios – é um fato. A absolvição e a sagrada comunhão podem curá-los, mesmo em casos bem sérios. Se a experiência da sagrada comunhão for real, se o rito e o dogma expressarem plenamente a situação psicológica do indivíduo, ele pode ser curado. Mas se o rito e o dogma não expressarem plenamente a situação psicológica do indivíduo, ele não pode ser curado. (Jung, 1997, p.271-2)

Jung defendia que a religião não só era uma expressão da psique, como parte do mecanismo de autoregulação psíquica. No caso citado acima, a recusa de Jung foi justamente para evitar uma “amputação” da crença daquela pessoa. A recaída ocorreu em função da política que foi feita utilizando a experiência daquele individuo. Podemos acreditar que o atendimento foi negado pelo fato da busca por atendimento ter partido do grupo, o que poderia ferir e enfraquecer a experiência simbólica daquele individuo, que poderia ser terapêutica para ele.

Isso não quer dizer não devamos atender um paciente religioso, mas, que devemos estudar e conhecer as várias dinâmicas religiosas, Jung considerava fundamental o estudo de mitologia e religião comparadas no preparo de novos analistas. O estudo das idéias religiosas é importante para compreender o cliente em seu próprio contexto simbólico, de modo a compreender o individuo em sua totalidade, respeitando suas crenças e, quando necessário, fazer apontamentos para promover uma reflexão acerca de suas crenças, sem que isso signifique uma violência contra o individuo e suas crenças. Nesse contexto, o ideal seria que quando o paciente estivesse com uma crise de cunho religioso/espiritual (com dúvidas próprias a sua relação com o divino) que o profissional conhecesse dos sistemas religiosos e denominações possuísse contato com bons ministros religiosos (como bons padres ou pastores) que pudessem tirar as dúvidas campo espiritual. Afinal, não é função do psicólogo dizer o que é ou que não é pecado; ou tirar dúvidas acerca de questões “fé”.  Muitas vezes, nós psicólogos, questionamos os ministros religiosos por tratar tudo como “espiritual”, mas, muitas vezes, não percebemos que fazemos o reducionismo oposto, tratando tudo como psicológico.

Por outro lado, para tanto,  o psicoterapeuta deve ter clareza de suas próprias crenças para não se deixar levar por elas, pois, todo e qualquer proselitismo ou tentativa de conversão/evangelismo/catequese durante o processo terapêutico é SEMPRE prejudicial ao mesmo. Isso não só fere o código de ética profissional do psicólogo, como é uma clara violência contra o individuo. E não se trataria de uma conversão autêntica, mas, de um convencimento, uma sedução baixa feita por meio do abuso da relação terapêutica.

Concluindo, a religião tem como função psicológica básica, fornecer símbolos (imagens, narrativas e ritos) que intermediem a relação da consciência com o inconsciente, oferecendo um sistema de referência que promove a segurança e estabilidade do Ego. Essa função já oferece um aspecto terapêutico natural à religião, que pode servir como coadjuvante no processo terapêutico, desde que o terapeuta seja responsável e ético, para respeitar a matriz religiosa de seu cliente.

Referências bibliográficas

GIBRAN, G.K. O Profeta, ACIGI:Rio de Janeiro, 1976

CAMPBELL, Isto é Tu, Landy: São Paulo,SP, 2004

NEUMANN, E. História da Origem da Consciência, SP, Cultrix, 1995

JUNG, C.G. A Vida Simbólica – Vol I, 2 ed Petrópolis, RJ: Vozes, 2000

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Fabricio Fonseca Moraes (CRP 16/1257)

Psicólogo Clínico de Orientação Junguiana, Especialista em Teoria e Prática Junguiana(UVA/RJ), Especialista em Psicologia Clínica e da Família (Saberes, ES). Membro da International Association for Jungian Studies(IAJS). Formação em Hipnose Ericksoniana(Em curso). Coordenador do “Grupo Aion – Estudos Junguianos”  Atua em consultório particular em Vitória desde 2003.

Contato: 27 – 9316-6985. /e-mail: fabriciomoraes@yahoo.com.br/ Twitter:@FabricioMoraes

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Sobre o conceito de Sombra

 

(28 de junho de 2010 )

A sombra é um dos conceitos fundamentais da psicologia analítica, contudo, é um conceito complexo, arredio. Em virtude de sua complexidade, conceituar ou definir a sombra não é uma atividade fácil. Sempre que vou falar ou escrever acerca de algum conceito junguiano eu me recordo de uma advertência que von Franz nos da no livro “ A sombra e o mal nos contos de fadas”, ela conta

“Jung criticava seus alunos quando estes se apegavam aos seus conceitos de maneira literal, fazendo deles um sistema, e quando o citavam sem saber exata-mente do que falavam. Numa discussão acabou por dizer: “Isto não tem sentido, a sombra é simplesmente todo o inconsciente”. Acrescentou que tínhamos esquecido como essas coisas haviam sido descobertas e vividas pelo indivíduo e que sempre é preciso pensar na condição atual do paciente.” (Franz,1985,p. 11)

Jung compreendia os conceitos de forma dinâmica, por isso, para compreende-los é fundamental contextualiza-los (tano num texto que lemos, quanto na realidade do paciente que se coloca a nossa frente) para evitar quaisquer reduções. 

No que toca a sombra podemos encontra-la, na literatura junguiana, com diferentes significações como p ex.:  inconsciente pessoal(complexos); Características individuais do Ego não desenvolvidas; Arquétipo.Para compreendermos as nuances da sombra é importante termos sempre em mente que ela corresponde, a priori, a tudo que não está sob a direção ou no foco da consciência. Assim,  a sombra quando indiferenciada compreende todos os conteúdos inconscientes.

A Sombra possui um aspecto pessoal e outro coletivo. No âmbito pessoal, a sombra se refere especialmente,  a conteúdos pessoais que foram retirados/suprimidos da consciência por terem sido considerados inadequados socialmente ou potencialmente prejudiciais ao Ego. Muitas vezes, eram conteúdos importantes para o indivíduo, aos quais tiveram de abrir mão – como por exemplo, uma habilidade que o individuo não pode desenvolver(por questões econômicas, sociais etc…).

Dessa forma, a Sombra se refere ao inconsciente pessoal e aos complexos quando estes passam a confrontar a atitude do Ego e da consciência. Entretanto, não podemos dizer apenas que a sombra pessoal ou coletiva é negativa. Devemos considerar qual o ponto de vista que adotamos e, no geral, é o ponto de vista da Persona. 

Ao tornar-se consciente a Sombra é integrada ao eu, o que faz com que se opere uma aproximação à totalidade. A totalidade não é a perfeição, mas sim ser completo.

Pela assimilação da Sombra , o homem como que assume seu corpo, o que traz para o foco da consciência toda a sua esfera animal dos instintos, bem como a Psique primitiva ou arcaica, que assim não se deixam mais reprimir por meio de ficções e ilusões. E é justamente isso que faz do homem o problema difícil que ele é.(JUNG, 1999, p.106)

Para pensarmos essa fala de Jung, devemos pensar melhor a relação da Persona com a Sombra.

Na esfera arquetípica, a Persona está relacionada com a imagem idealizada de adaptação e adequação cultural. Deste modo, a Persona arquetípica vai indicar o ideal de “homem perfeito”, contudo, sem a totalidade da experiência humana. Assim, a Persona vai refletir toda a “luz” da cultura e da razão coletiva. Ela se torna veículo da cultura, da consciência e razão, vai estar associada à moral e aos mais altos valores culturais. Em culturas que valorizam a introspecção ou a busca espiritual, a Persona arquetípica tende a se vincular ao “Santo” que abandona sua individualidade pelos valores e bens comuns. Em sociedades guerreiras seria o herói que se sacrifica (como sacrifício da individualidade) em prol do grupo. Os modelos que regem e justificam uma dada uma cultura estão intimamente relacionados com a Persona, uma vez que esta é representa o “pacto social”, um ícone da cultura.

Por outro lado, a Sombra arquetípica é como um buraco negro que atrai tudo para a esfera dos instintos, visando a satisfação dos mesmos. Nesse aspecto, a Sombra é a radicalização do que somos enquanto espécie, de todos nossos instintos – em seus aspectos mais arcaicos. A natureza da Sombra é contrária e refratária a cultura, deste modo, as representações culturais da Sombra vão indicar algo perigoso, nocivo e que deve ser evitado. Esta incompatibilidade se deve ao fato da cultura se desenvolver a partir de um “sacrifício” da esfera instintual, isto é, da Sombra arquetípica. Podemos observar nos mitos de criação, onde os heróis ou deuses civilizadores matam monstros para ordenar o universo (como no caso de Marduk que mata sua avó, Tiamat e do combate de Zeus e Tifon, filho de Gaia e Tártaro), ou vencem os deuses primordiais (como no caso da guerra entre os deuses olímpicos e os titãs) ou a perda do paraíso eterno (no caso do mito judaico cristão).

A Sombra representa o mal, a destrutividade ou negatividade quando observada pela ótica da cultura e da Persona. A Sombra arquetípica é o veículo e meio de manifestação dos instintos e a Persona arquetípica é veículo da cultura.

Na esfera pessoal, a Persona representa o pacto social. É um complexo que forma a partir de elementos coletivos associados a fatores individuais, mas com predominância dos elementos coletivos. Através da Persona o indivíduo se torna um ser social. Atua como uma referência coletiva para o Ego, isto é, um ideal de Ego que serve orientação para o Ego, mas, que aprisiona e impede o desenvolvimento do individuo, isto é, o processo de individuação.

A Sombra pessoal, corresponde a historia do individuo organizada no inconsciente pessoal por meio dos complexos. Na Sombra, os complexos atuam como são testemunhas da história do individuo e fornecem ao Ego os elementos de históricos de identidade. A Sombra vai remeter o indivíduo às suas próprias experiências, ignorando as necessidades coletivas.

No processo de individuação, a integração da Sombra implica reconhecimento de nossa história (que muitas vezes rejeitamos) e de nossos desejos mais instintivos. Isso implica num grande esforço moral. Pois, reconhecer e integrar a sombra implica em chegar ao ponto médio entre nossa matriz instintiva e o anseio cultural (Espiritual). 

Por isso, que as figuras arquetípicas da sombra são associadas ao Mal. Como Lúcifer, os monstros e demônios. Por isso muito das religiões pautadas numa dicotomia da vida ou num maniqueísmo , tende a preterir tudo o que é identificado com a Sombra arquetípica, isto é, o Mal. Assim, os desejos  humanos, isto é, “ da carne” se tornam sempre sujos e pecaminosos.

É importante entendermos que a Sombra deve ser integrada. Isso significa ter uma certa clareza dos desejos(de traços obscuros ou condenáveis de nossa história), sem nega-los ou repudia-los, para tanto deve-se abrir mão de um pouco do “moral” ou moralismo que permeia nossa consciência. Isso é um grande desafio, pois, o poder que emana da Sombra, se coloca o Ego num desafio moral, para não sucumbir “ao lado negro da força”.

A integração da Sombra, como parte fundamental da individuação, implica em equilibrar o que somos (tanto de modo instintivo quanto histórico), com os anseios da cultura que constitui.

Referencias:

FRANZ, M-L. v, A sombra e o mal nos contos de fadas, Ed. Paulinas :São Paulo, 1985.

JUNG, C.G., Ab-reação, análise de sonhos, transferência, Vozes: Petrópolis, 4 ed. 1999

 

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Fabricio Fonseca Moraes (CRP 16/1257)

Psicólogo Clínico de Orientação Junguiana, Especialista em Teoria e Prática Junguiana(UVA/RJ), Especialista em Psicologia Clínica e da Família (Saberes, ES). Membro da International Association for Jungian Studies(IAJS). Formação em Hipnose Ericksoniana(Em curso). Coordenador do “Grupo Aion – Estudos Junguianos”  Atua em consultório particular em Vitória desde 2003.

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“Mulan e Processo de Individuação feminino : comentários ao filme

 

(21 de junho de 2010)

ATENÇÃO : ESTE POST CONTÉM SPOILERS. CASO VOCÊ NÃO TENHA VISTO O FILME SUGERIMOS QUE ASSISTA O FILME ANTES, POIS SERÁ COMENTADO DETALHES DO FILME, ASSIM COMO SEU FINAL.

Em 1998, a Disney Pictures lançou a animação “Mulan” que foi indicada ao Oscar de melhor animação. Este filme é inspirado num poema chinês do séc. V chamado “Balada de Mulan”. O filme é muito delicado e impressionante, sua narrativa nos permite pensar o processo de individuação feminino.

Antes de comentarmos, convém fazermos uma pequeno apanhado da história de Mulan.

“A Balada de Mulan”

Um suspiro e outro suspiro,
Mulan tece de fronte à porta.
Não se ouve o som da lançadeira,
Não se ouvem os suspiros da filha.
Perguntam o que está no seu coração,
Perguntam o que está no seu pensamento,
“Não há nada em meu coração,
Não há nada em minha mente.
Noite passada eu vi os anúncios para o recrutamento,
O Khan está convocando muitas tropas,
A lista do exército está escrita em doze rolos,
Em todos eles aparece o nome do meu pai.

Meu pai não tem nenhum filho crescido,
Mulan não tem nenhum irmão mais velho.
(Então) eu irei comprar uma sela e um cavalo,
E servirei o exército no lugar de meu pai.”
No mercado leste ela comprou um cavalo de porte,
No mercado oeste ela comprou uma boa sela,
No mercado sul ela comprou um bom freio,
No mercado norte ela comprou um longo chicote.

Ao amanhecer ela deixou seu pai e sua mãe,
Ao anoitecer ela chegou ao acampamento nos bancos do rio Amarelo.
Ela já não ouve mais o chamado de seu pai e sua mãe,
Ela ouve apenas o rumor da corrente do rio Amarelo.
Ao amanhecer ela deixa o rio Amarelo,
Ao anoitecer ela chega à montanha Hei.
Ela já não ouve o chamado de seu pai e sua mãe,
Ela ouve apenas o relinchar dos cavalos nômades do monte Yen.

Ela avançou dez mil milhas por causa da guerra,
Ela passou voando por desfiladeiros e montanhas
As rajadas do vento norte traziam o rufar do metal,
As luzes frias brilhavam nas armaduras de ferro.
Generais pereceram numa centena de batalhas,
Soldados enrijecidos retornaram após dez anos.

Ao retornar ela vê o imperador,
Ele estava sentado numa sala suntuosa.
O imperador concedeu promoções em doze categorias,
E premiou centenas de milhares.
O Khan perguntou o que ela desejava.
“Mulan não tem interesse em postos oficiais.
Eu desejo apenas uma montaria veloz
Que me leve de volta ao lar.”

Quando o pai e a mãe ouvem que a filha está voltando
Dirigem-se para fora dos muros da casa, apoiando-se um no outro.
Quando a irmã mais velha ouve que a irmã mais nova está voltando
arruma a maquiagem e coloca-se defronte à porta.
Quando o irmão mais novo ouve que a irmã mais nova está voltando
afia sua faca e prepara o leitão e o cordeiro.

“Eu abro a porta do quarto leste,
E sento-me na minha cama na sala oeste,
Eu tiro minha armadura de guerra
E visto meus trajes de antigamente.”
Defronte ao espelho ela penteia seus cabelos de nuvem,
Segurando o espelho, ela enfeita-se com flores
Ela abre a porta e se apresenta diante dos seus companheiros
Eles ficam todos surpresos e perplexos.
Pois viajaram juntos por doze anos
E não sabiam que Mulan era uma menina

“As patas do coelho pulam mais,
Os olhos da coelha são mais estreitos,
Mas dois coelhos correndo lado a lado junto ao chão, não se pode distinguir
E assim quem poderia dizer se eu era um rapaz ou uma garota?”

Fonte: http://www.disney2d.xpg.com.br/

Um Berve Resumo:

Este resumo é para ajudar a quem viu o filme a relembrar de algumas cenas importantes, caso você não tenha visto o filme, sugerimos que você assista o filme antes, pois falaremos de detalhes do filmes e o final.

O  filme começa com a noticia de que os hunos haviam cruzado a grande Muralha da China. Frente a essa ameaça o imperador ordena o recrutamento.

Ignorando a ameaça que se aproxima, Mulan se prepara para encontrar a casamenteira para fazer um bom casamento e honrar sua família. 

O Encontro com a Casamenteira não corre muito bem.
A casamenteira dá sua sentença final a Mulan: “Você é uma desgraça! Pode até parecer com uma noiva, mas, nunca trará a sua família honra!!!”

Após o desastroso encontro com a casamenteira, Mulan, vai ao templo dos antepassados e canta

“Olhe bem, a perfeita esposa jamais vou ser
Ou perfeita filha
Eu talvez tenha que me transformar
Vejo que sendo só eu mesma nao vou poder
Ver a paz reinar no meu lar…
Quem é que esta aqui?
Junto a mim, em meu ser?
É a minha imagem, eu não sei dizer
Como vou desvendar quem sou eu
Vou tentar
Quando a imagem de quem sou
Vai se revelar
Quando a imagem de quem sou
Vai se revelar”

Chega a notícia do recrutamento a vila de Mulan, e que um homem de cada família deveria representá-la. Mulan  não tem irmãos, seus pai, velho e doente(com problema na perna),aceita a convocação se coloca a serviço do imperador. 

Mulan inconformada pela convocação do pai e após, discutir com ele, ela mesma toma uma decisão: iria no lugar do pai. Mulan rouba a convocação, a espada e armadura  do pai, corta os cabelos para parecer com um homem e foge para servir o imperador no lugar do pai. O problema é maior, caso descubram que Mulan, uma mulher,  foi para o exército imperial teria como pena a morte. Temendo que o pior aconteça, os familiares de Mulan, rezam para que os ancestrais a protejam.

Os ancestrais despertam e discutem com ajudar a salvar a família Fa (o clã de Mulan) da desonra que acabaria com a família.
O Grande Ancestral decide chamar o principal guardião da família, o grande dragão de pedra, para desperta-lo foi designado Mushu, um antigo protetor que foi rebaixado, sendo apenas um serviçal. Mushu ao tentar despertar o grande dragão de pedra, o despedaça. Acaba tendo a idéia dele mesmo ir ajudar Mulan, para poder ser aceito de volta.

Mulan cria a identidade de Ping, para se alistar no exército. Onde ja chega criando confusões por apesar se parecer com um homem, ela não conhece as peculiaridades do universo masculino. 
Como Ping tem muitos problemas nos treinamentos e com o Capitão Li Shang. Que ao ver as tentativas, resolve manda-la embora. Ping (Mulan) vê que a única forma de honrar sua família é vencer o desafio proposto por Li Shang, e que nenhum dos recrutas conseguiu vencer, para permanecer no exército.
A partir dessa conquista, Ping se torna um dos soldados mais disciplinados, se integrando aos colegas, que nem imaginam que é uma mulher.

Após uma armação do Mushu, o capitão Li Shan segue com os recrutas para se integrar as forças comandadas por seu pai, o General Li. Ao chegar lá, eles descobrem que o exército foi arrasados pelos hunos de Shan Yu.
Liderados por Li Shan, o exército segue em direção a cidade imperial. No meio do caminho são atacados por Shan Yu. Ping (Mulan) consegue provocar uma avalanche que soterra os hunos, o que faz com que vencessem a batalha.
Ping(Mulan) salva o Li Shang , mas, é ferido. Quando acorda, a farsa é descoberta Mulan é expulsa do exército. Por ter salvado a vida de Li Shan na montanha, este o poupa sua vida.

Mulan e Mushu conversam se lamentando sobre os acontecimentos, pela primeira vez são sinceros consigo mesmos e com os outros. E quanto seus objetivos eram egoísticos, Mushu queria agradar os ancestrais para ter honra, e ser reverenciado – independente do que poderia acontecer com Mulan. Ela confessa, que no final, seu objetivo não era bem seu pai ela diz “ Talvez meu pai não tenha sido o motivo, talvez eu só quisesse provar que posso fazer coisas certas, para poder olhar no espelho e ver alguém que valesse a pena. Esse foi meu mal” Mulan e Mushu resolvem voltar juntos para casa e, sem mentiras, enfrentar as consequências por seus atos.
Quando se preparavam para ir embora, descobrem que os Hunos não morreram. Eles decidem ir a cidade imperial, avisar a Li Shang, que estava sendo homenageado pela vitória sobre os hunos . Mulan avisa a Li Shang e a seus antigos companheiros que os hunos já estão na cidade imperial.

Na cidade ninguém dá ouvidos a Mulan, por ser mulher. Os Hunos sequestram o imperador e o levam para dentro do palácio.
Mulan oferece ajuda e idéia aos ex-companheiros, que imediatamente a seguem – Li Shang vai a contra gosto.
Mulan sugere que os soldados se vistam de mulher, para poder se aproximar o suficiente dos hunos, sem que seja dado o alarme. Assim, como vestidos como mulheres eles derrotam os hunos abrindo caminho para Li Shang salvar o imperador.
Mulan se revela a Shan Yu (que a reconheceu da batalha da montanha), com a ajuda de Mushu, Mulan derrota, enfim, Shan Yu.

O imperador enumera todos erros de Mulan, mas, reconhece que apesar de tudo ela salvou sua vida e  toda a China, e seguindo o exemplo do Imperador, todos se curvam reverenciando Mulan e seus feitos.
O imperador lhe oferece de presente seu medalhão (selo imperial) para sua familia e todos soubessem o que fez por ele. E lhe oferece a espada de Shan Yu, para todos soubessem o que ela fez pela China. O imperador oferece o posto de conselheira para ela, mas, ela prefere voltar para casa.
Mulan retorna para casa.

Mulan se reencontra com o Pai, fazendo as pazes. Pouco depois, chega Li Shang que foi atrás dela.
Do templo, os ancestrais observam, e reconhecem a ajuda de Mushu e permitem que ele se torne guardião novamente.

Mulan e Processo de Individuação feminino

A psicologia analítica compreende que os mitos(religiões), histórias(literatura), contos de fadas e filmes(mais próximos de nossa realidade), podem ser compreendidos (em alguns casos) como metáforas de nossa dinâmica psíquica, isso explicaria porque ficamos tão impressionados, fascinados por alguns filmes ou porque nos identificamos (coletivamente) com alguns personagens ou situações.

Em nosso caso, o filme “Mulan” nos oferece uma narrativa interessante para pensarmos a dinâmica do processo de individuação sob a ótica feminina. Devemos compreender que o processo de individuação para Jung

significa tornar-se um ser único, na medida em que por “individualidade” entendermos nossa singularidade mais íntima, última e incomparável, significando também que nos tornamos o nosso próprio si-mesmo. Podemos pois traduzir “individuação” como “tornar-se si-mesmo” (Verselbstung) (JUNG, 2008, 60)

Assim, a busca por si mesmo ou a busca para se descobrir quem si é, é o que mais caracteriza as narrativas (metáforas) do processo de individuação.

A história de Mulan começa quando ela se depara um momento crucial da vida, no limiar que marca uma mudança de etapa da vida, que é casamento(ou melhor, a preparação do casamento), onde ela fracassa. Em nossa realidade, esse mudança poderia ser um término relacionamento, uma reprovação no vestibular ou concurso, a perda de uma familiar próximo ou momentos em que sua importância marcam um “antes e depois” em nossa vida.

Frente ao fracasso do encontro com a casamenteira e a sentença dela “Você é uma desgraça! Pode até parecer com uma noiva, mas, nunca trará a sua família honra!!!”, Mulan se depara com outro conflito que a convocação do pai doente para a guerra, ao qual Mulan reage impulsiva, abraçando o problema do pai, como se fosse o problema de sua vida. É importante notarmos, que Mulan vai para guerra, ela foge para a guerra. na calada da noite, ela foge casa, foge de seu fracasso. Que não é simplesmente uma fracasso pessoal, é um fracasso frente a sua família e cultura. Numa cultura onde a perfeição é um alvo, Mulan reconhece sua limitação quando canta “a perfeita esposa jamais vou ser Ou perfeita filha”. Quando surge  a guerra, surge a possibilidade de fugir também de todos seus problemas. E, muitas vezes, é o que acontece em nossas vidas, frente a uma grande crise fugimos para outros problemas… ou nos enfiamos no trabalho, ou vivemos para os filhos, ou paramos nossa vida para simplesmente nos lamentar por não conseguirmos ir adiante.

Ao fugir para guerra, Mulan foge de si mesma, se torna Ping. Ela se camufla, se passa pelo que ela não é, tendo uma convivência inadequada com os outros. Mas, os conflitos de Mulan não estavam apenas num plano social, cultural ou consciente, mas, no plano “espiritual” e inconsciente – que no filme é bem representado por Mushu.

Mushu é uma expressão do animus, isto é, do arquétipo que personifica o inconsciente, favorecendo o desenvolvimento do Self, por complementar a atitude da consciência. Mushu é um dragãozinho que era um guardião, mas que foi rebaixado por algum motivo do não revelado. Devemos notar, que sua postura é de manipulação, ou seja, de enganar Mulan para atingir seus objetivos (que era reaver seu posto e ter o reconhecimento dos ancestrais). Mushu é uma manifestação primitiva do animus, pouco diferenciado – isso, pode ser percebido, por sua forma animal (teriomórfica), seu tamanho e atitude. Ele é a expressão da relação de Mulan consigo mesma (e com sua cultura circundante).   Nós podemos observar que a relação de Mulan com seu pai, a quem tenta proteger, indo para guerra. A identificação com o pai, faz com que ela seja uma “filha do pai”, que não desenvolve sua sensualidade nem sua identidade feminina. (Podemos até lembrar, que na Mitologia Grega, Atena foi uma deusa nascida apenas do Pai (Zeus), que jurou ser virgem, e se tronou uma deusa da guerra).  A confissão de Mulan – de que não seria nem esposa nem filha perfeita – expressam justamente essa dificuldade de relação com o masculino, no caso com o Animus. Mushu, quando aparece a Mulan, passa a guia-a dando idéias e conduzindo-a em situações difíceis.

É interessante lembrar que uma das diferenças entre a Anima e o Animus, é justamente que o homem deve conquistar a Anima, ao passo que a Mulher deve resistir as investidas do Animus. A esse respeito, Esther Harding(proeminente analista junguiana da primeira geração) relata uma de suas conversas com Jung.

Disse que um homem adotar uma atitude feminina, enquanto uma mulher deve combater seu animus, uma atitude feminina. (…) O Dr. Jung passou então a falar da força da feminilidade, como é maior do que qualquer [imitação da] adaptação masculina, e como uma mulher que é mulher da cabeça aos pés pode permitir-se a ser masculina, tal como um homem que está seguro de sua masculinidade pode permitir-se a ser terno e paciente como uma mulher (…)`(Maguire et Hull, 1982, 42-3)

A adaptação ou imitação da masculina de Mulan surtiu efeitos, ela conseguiu se colocar lado a lado com os homens, mas, ela perdeu algo mais importante, que foi a possibilidade de estar com Li Shang. A questão maior está em perder a possibilidade de viver uma relação verdadeira. Até que suas ações a revelam. Isso acontece em nossa realidade quando explode a neurose, quando uma vida “feliz” e “adaptada” de repente, vira um deserto de depressão ou um caos de medo e ansiedade, a neurose é uma revelação, mesmo que não tenhamos clareza dela.

O ponto de mudança está no enfrentamento, na verdade consigo mesmo, como podemos perceber quando Mulan e Mushu reconhecem um ao outro suas verdadeiras intenções. E voltam, ao ponto onde a aventura começou: a ameaça dos hunos.  A partir desse ponto, Mushu não mais domina Mulan, mas, eles trabalham juntos. Apesar das dificuldades de ser mulher, e ninguém ouvidos a ela. Ele insiste, e quando os hunos sequestram o imperador, sua firmeza faz com que seus companheiros de armas, a sigam e adotem um plano inusitado, que era vestir-se de mulher para enganar os hunos. É interessante observar, que seu plano foi justamente o inverso que ela havia adotado. ao se encontrar com sua feminilidade, Mulan pode também mostrar que não há mal algum nisso.

E, assim, se revelando em sua realidade de mulher, e com a ajuda Mushu, Mulan pode por fim a Shan Yu – a personificação de seu animus sombrio. Após, sua aventura, ser honrada pelo imperador, reconhecida por todos, ela reconhece a si-mesma, como sendo a filha de Fa Zhou. A quem retorna, não mais intempestiva, mas, serena. Sua relação com seu pai, muda, na medida que Li Shang, vai a seu encontro, e abre a possibilidade dela fazer um bom casamento.

É importante pensar, que o casamento é símbolo da união. Neste caso, da união do inconsciente e da consciência, do processo de transformação de um animus  primitivo(Mushu) para um animus superior, adequado, que é o próprio Li Shang. – que desde o inicio da trajetória como Ping.

O filme nos ajuda a perceber que o processo de individuação é um processo, primeiramente, de sinceridade consigo mesmo. É um olhar para trás, para saber de onde vim, minhas motivações, mas, é também um voltar-se para o futuro, “o que devo fazer“ Esses enfrentamentos delimitam o quem somos, nossos limites e saber o sentido de nossos atos. Jung frisava que individuação não  significava “perfeição” mas, “totalidade”. Ou seja, ter uma vida plena, mas, para isso devemos conhecer (ou reconhecer) quem somos – mesmo naqueles aspectos sombrios que não queremos ser – refletindo também sobre qual o caminho que estamos tomando e se esse caminho não está nos levando para longe de nós mesmos.

No filme, para Mulan chegar a si mesma, ela teve de enfrentar seu complexo paterno, redimensionar sua persona (o que ela queria que os outros vissem), enfrentar a sombra (as consequências de seus atos e escolhas) para enfim desenvolver o potencial de ser quem ela sempre foi, mas, que ela nunca se permitiu ver.

Referencias,

Jung,  O Eu e o Inconsciente, Vozes: Petrópolis, 21 ed. 2008.

HULL, RFC, MAGUIRE, W. C.G.Jung: Entrevistas e Encontros, São Paulo : Cultrix, 1982

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Fabricio Fonseca Moraes (CRP 16/1257)

Psicólogo Clínico de Orientação Junguiana, Especialista em Teoria e Prática Junguiana(UVA/RJ), Especialista em Psicologia Clínica e da Família (Saberes, ES). Membro da International Association for Jungian Studies(IAJS). Formação em Hipnose Ericksoniana(Em curso). Coordenador do “Grupo Aion – Estudos Junguianos”  Atua em consultório particular em Vitória desde 2003.

Contato: 27 – 9316-6985. /e-mail: fabriciomoraes@yahoo.com.br/ Twitter:@FabricioMoraes

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Psicologia Analítica Cristã?

(08 de junho de 2010)

(foi realizada uma breve revisão em 09/12/2011)

Recentemente, eu estava vendo o mecanismo de estatística do WordPress e ao ver a lista de termos procurados (e que trouxeram visitantes ao Blog) um dos termos me chamou a atenção, e era este “Psicologia Analítica Cristã”.

Eu estudo psicologia analítica de Jung há pouco mais de 10 anos, mas, antes de conhecer Jung, eu já me interessava por tópicos relacionados à psicologia e religião (ou da religião), em especial leituras de Mircea Eliade, importante historiador das religiões, esses estudos favoreceram minha aproximação ao pensamento junguiano, que era frequentemente citado, algum tempo depois, estudando “Psicologia da Personalidade III”, com a Prof. Dra. Kathy Marcondes, pude enfim começar a conhecer a Psicologia Analítica. A interface com a religião sempre me chamou atenção. Apesar de ter me afastado da temática durante alguns anos, a prática clínica sempre nos leva a nos confrontar com fenômenos associados à função religiosa e religiosidade/religião de nossos clientes.

Como interessado pelo estudo da religião, a ideia de uma “psicologia analítica cristã” me causou certa preocupação. Antes de falar de forma específica de religião, devemos considerar alguns pontos…: Em primeiro lugar, quando falamos de uma “psicologia cristã” (ampliando para toda e qualquer abordagem)  estamos também abrindo a possibilidade para pensarmos uma “psicologia neo-pagã”, uma “psicologia budista” ou “psicologia muçulmana” gerando toda sorte misturas entre religião e psicologia que tem como principal consequência  a descaracterização de ambas.

Pessoalmente, acredito que considerar a psicologia e a religião como opostas, inimigas ou mesmo “concorrentes” não só é um erro como é uma concepção ultrapassada.

O fundamental é percebermos que a psicologia lida com fenômenos de ordem natural, a religião com o que é sobrenatural, com o divino. Isso pode parecer óbvio, mas, mas, quando unimos psicologia e religião não nos apercebemos disso. Ao pensarmos uma “psicologia religiosa” não estamos ampliando a percepção para ao divino, mas, estamos submetendo a psicologia à teologia, isto é, a uma dada compreensão doutrinária acerca do divino. O que implicaria não em pensar uma “psicologia cristã”, mas, “psicologia cristã batista”, “psicologia cristã adventista”, “psicologia cristã católica”, psicologia cristã presbiteriana” etc.… Perde-se de vista, que o fundamento ultimo da cristandade é a experiência individual com Cristo, isto é, Deus.

Por outro lado, pensar uma “religião psicologizada” isto é, trazendo elementos da psicologia as práticas religiosas, ou mesmo, que utiliza dos argumentos psicológicos para fundamentar algumas de suas doutrinas. É de causar espanto quantos lideres religioso buscam na ciência (em especial na psicologia e psicanálise) elementos para  melhorar sua “prática”, como se a religião em si não fosse suficiente dentro de seu próprio contexto.

A tentativa de muitos em fazer ou buscar uma psicologia cristã ou uma ciência cristã, me chama atenção, pois, a “teoria (teologia) cristã” muitas vezes se torna mais importante (se sobrepondo) a vivência ou experiência espiritual cristã.

Eu me recordo de Tertuliano, um dos grandes apologistas dos primeiros séculos da cristandade, que utilizava amplamente sua formação filosófica  e jurídica na defesa do cristianismo, não obstante, propunha o questionamento aos cristãos “Quid ergo Athenis et Hierosolymis? Quid academiæ et ecclesiæ?” (“Que têm em comum Atenas e Jerusalém? Ou, a Academia e a Igreja?”), como uma preocupação com a invasão da filosofia na cristandade. Esse questionamento, serve de base para se compreender o célebre “Credo Quia Absurdum Est”(Creio porque é absurdo),  na verdade  Tertuliano nunca pronunciou essa sentença, mas, em seu De Carne Christi, lançou fundamentos para essa frase, segundo ele “O Filho de Deus nasceu: não há vergonha, porque é vergonhoso.E o Filho de Deus morreu: é totalmente credível, porque não é sólido. E, enterrado, ressuscitou: é certo, porque impossível.” Essas afirmações implicam na independência da religião no que tange as lógica e a racionalidade. A essência da religião não está em seu aspecto racional, mas, no irracional, que Rudolf Otto denominou de numinoso – que poderíamos também chamar de “aspecto sobrenatural” – ou mais precisamente, da experiência numinosa que não se dobra a argumentação científica.

Por isso, é necessário tomar cuidado com essas misturas. Seria como misturar água com o vinho. Eles se misturam, mas, nunca num ponto de mantermos as qualidades de ambos, sempre perderemos as melhores características. O “vinho aguado” perderá seu sabor, a “água com vinho” será turva, perderá a clareza. Assim, eu vejo uma “psicologia religiosa”(ou psicologia cristã) perde sua efetividade e amplitude de ação, restringida pelo olhar teológico, a “religião psicologizada” se atém ao humano, se afastando do divino.

Desde o momento em que eu li no wordpress “psicologia analítica cristã” me veio à mente as palavras de Ernst Gombrich, em sua História da Arte, ele começa seu livro dizendo: “UMA COISA QUE realmente não existe é aquilo a que se dá o nome de Arte. Existem somente artistas.”  Em minha opinião, “UMA COISA QUE realmente não existe é aquilo que se dá o nome “Psicologia Cristã”. Existem somente ‘psicólogos que são cristãos’”. Isso significa dizer, que a na experiência pessoal de cada um pode conciliar a profissão de psicólogo com a sua fé.  A questão é como equilibra-las, como “dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”, para que não haja perdas nem de um lado nem de outro.

Psicologia Analítica e o Cristianismo

Não se pode negar que o Cristianismo desempenhou um papel determinante para a C.G.Jung, filho, sobrinho e neto de pastores, ele cresceu respirando discussões bíblicas e teológicas. Em suas memórias, ele relata como essa vivência era delicada para ele e para sua família – basta lembrar que seu pai, o advertiu que ele poderia seguir qualquer profissão menos a de teólogo (pastor).

Mas, não devemos reduzir as influencias do cristianismo à experiência pessoal de Jung, o cristianismo faz parte da construção de quem somos ocidente. James Hillman, em entrevista a Laura Pozzo, nos oferece um ponto de reflexão interessante:

J.H. (…)Veja, por que foi necessário para Jung – ou Nietzsche ou Kierkegaard – passar toda uma vida trabalhando com o cristianismo, ou para Freud inventar novos mitos como hordas primordiais ou aquela criança gorducha e polimorfa da sexualidade e as três Pessoas Invisíveis da psique: Ego, Id e Superego? eles estavam tentando encontrar saídas para a sobrecarga cristã. Vai nos tomar pelo menos dez horas de papo só pra começar a falar dessa grande questão que é o efeito de dois mil anos de cristianismo nos casos individuais que encontramos em psicologia. Nem você nem eu podemos fazer nada, somos cristãos.

L.P. Nós não somos cristãos praticantes…

J.H. Sim, somos, porque somos cristãos comportamentais, nós nos comportamos como cristãos – sofremos de modo cristão, julgamos de modo cristão, nos encaramos de uma maneira cristã. Temos que enxergar isto, ou permaneceremos inconscientes, e isto significa que nossa inconsciência é fundamentalmente o cristianismo. A psicoterapia não pode modificar nada, ninguém em lugar algum até que ela encare esta inconsciência cristã, e foi por isso que Freud teve de atacar a religião e Jung teve de tentar modificar o cristianismo. Até Lacan disse que se a religião triunfar, e ele acredita que triunfará, será o fim da psicanálise. (HILLMAN, 1989, p.85-86)

Na fala de Hillman, só faltou ele comentar que não só agimos de modo cristão, mas, também criticamos o cristianismo de modo tipicamente cristão, se olharmos a forma como das várias denominações se criticam mutuamente em discussões doutrinárias e teológicas. Hillman toca no ponto fundamental :  o problema da inconsciência do cristianismo.

Um dos grandes problemas que a psicologia analítica traz é a necessidade como conciliar ou integrar os opostos. Na medida que somos inconscientes do cristianismo em nós, nos tornamos indiferenciados, vivemos apenas o peso da cristandade (da culpa, do pecado, angustia do afastamento de Deus) sem a possibilidade de redenção. Não vivemos o mito que nos constitui. No meio acadêmico e científico a inconsciência do cristianismo (ou da religião) produz em alguns uma sombra “fanática”, dogmática cuja crença na efetividade das teorias (isso me refiro especialmente na psicologia)  produz uma atitude que só posso chamar de “religiosa”.

A psicologia analítica surgiu no contexto marcado pelo cristianismo (não podemos esquecer que a Suíça, em especial, Zurique, foi por muito tempo uma cidadela da reforma protestante), o dialogo com a religião (não só a cristã) é uma forma de não cair na armadilha da negação, da inconsciência e unilateralidade (que são três elementos que frequentemente constituem uma atitude neurótica). A psicologia analítica não defende o cristianismo ou qualquer religião, justamente porque não se ocupa do “sobrenatural” ou de “verdades divinas”, mas, apenas dos fenômenos compreendidos na esfera natural e relacionados com a psique humana. Deus e a Religião são compreendidos pela teoria como realidade psíquica, isso não significa um posicionamento teísta ou ateísta, mas, que até aonde a psicologia pode chegar, ideia de Deus e as ideias religiosas produzem efeitos sobre a psique do individuo. As discussões sobre Deus e sua existência e afins ficam a cargo da teologia.

Se a psicologia analítica não está compromissada com o cristianismo, o mesmo não podemos dizer dos profissionais junguianos em sua individualidade. Cada um vivencia sua religiosidade da forma lhe for mais adequada. Frente ao cliente, ele deve ter plena consciência de sua relação com sua própria matriz religiosa, para ter clareza de seus limites e, assim, respeitar o cliente em sua vivência religiosa, sem impor sua própria perspectiva religiosa ao cliente.

Assim, insisto, a Psicologia Analítica em si é religiosamente neutra. Ela estuda e compreende a religião como sendo algo positivo no desenvolvimento humano. Não nega a religião, permitindo que cada profissional tenha a perspectiva que lhe for própria. Isto é, a psicologia analítica não “induz” ninguém a religião, mas, respeita vivência religiosa do profissional, assim como do cliente.

Referencias Bibliográficas

Hillman, J. Pozzo, L. Entre  Vistas: Sumus Editorial: São Paulo, 1999

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Fabricio Fonseca Moraes (CRP 16/1257)

Psicólogo Clínico de Orientação Junguiana, Especialista em Teoria e Prática Junguiana(UVA/RJ), Especialista em Psicologia Clínica e da Família (Saberes, ES). Membro da International Association for Jungian Studies(IAJS). Formação em Hipnose Ericksoniana(Em curso). Coordenador do “Grupo Aion – Estudos Junguianos”  Atua em consultório particular em Vitória desde 2003.

Contato: 27 – 9316-6985. /e-mail: fabriciomoraes@yahoo.com.br/ Twitter:@FabricioMoraes

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“Sobre a terapia e os arquétipos. Via de regra podem ser percebidos pelos sonhos ou há outra “manifestação” clínica?” Resposta a Martônio Sales

 

(4 de junho de 2010)

Há algum tempo recebi um e-mail de um estudante de psicologia do Ceará(UFC) – Martônio Sales – dentre outras perguntas ele me questionou “sobre a terapia e os arquétipos. Via de regra podem ser percebidos pelos sonhos ou há outra “manifestação” clínica?”. Acho que será interessante discutir essa questão, de forma ampla. Antes, porém, gostaria de agradecer ao Martônio Sales pelo e-mail e espero estar esclarecendo um pouco mais essa questão.

Em outro post sobre os arquétipos e representações arquetípicas eu comentei um pouco sobre minha compreensão acerca dos arquétipos. Para começarmos a pensar essa relação de terapia e arquétipos, podemos, retornar um pouco a compreensão acerca dos arquétipos .

a) Arquétipos

Os arquétipos são padrões basais de organização psíquica, assim, antes de adjetiva-los com suas funções seja como “materno”,  “paterno”, “puer”, “poder” etc..,  devemos compreender que eles são os padrões  que possibilitam que o psiquismo se organize de modo semelhante a todos os seres humanos. Jung relacionou os arquétipos ao processo de evolução filogenética(lembrando que os arquétipos são instintos diferenciados), deste modo são anteriores a linguagem e a cultura, na verdade os eles são a possibilidade de apreensão de sinais e a elaboração desses em símbolos, necessários a organização da consciência(da linguagem e cultura).

Ao longo de nossa história coletiva esses padrões de organização se constelaram em referências culturais especialmente nas mitologias(ou religiões) que organizavam os seres humanos em relação a sua realidade(relação com o meio ambiente), em seu grupo (dando leis e normas de ação) e consigo mesmo (identidade e  papel social).  Os mitos são narrativas que expressam esses padrões arquetípicos. Por isso, podemos dizer, que os mitos (e a cultura) são parte da psique, correspondem a um campo impessoal, o conceito que nos permite nos aproximarmos mais dessa idéia é a de “consciência coletiva” de Durkheim.

Na esfera pessoal, os arquétipos atraem e as representações das  experiências individuais, que se organizam em torno de cada arquétipo correspondente, p. ex., as experiências de nutrição e cuidado – próprias da relação materna – vão ser organizadas em torno desse padrão arquetípico, dando origem ao complexo materno. Todo complexo se constitui a partir de um arquétipo.

b)  Representações Arquetípicas individuais(ou naturais)

As representações arquetípicas individuais  são símbolos que emergem do inconsciente. Esses símbolos podem se manifestar através dos sonhos, da sincronicidade, intuição, sintomas neuróticos ou de somatizações. Todas essas formas de manifestação visam a integração entre a consciência e o inconsciente, superando uma possível atitude neurótica da consciência. (estando o individuo ou não em terapia/análise)

c) Arquétipos na clínica

Antes de pensarmos os arquétipos na clínica, devemos lembrar que um dos maiores riscos que o psicólogo junguiano corre é de cair no “reducionismo arquetípico”, isto é, querer ver arquétipos em tudo ou querer “mitificar tudo” associando todas as produções do cliente com a mitologia. Não podemos perder de vista que o cliente e sua individualidade é o da psicoterapia/analise, os arquétipos são instâncias fundamentais da psique e nos ajudam a compreender a dinâmica que está ativa no individuo, Isto é, a a história pessoal.

Quando falamos de “arquétipos na clínica” estamos pressupondo que um dado individuo está envolvido por uma dada dinâmica arquetípica,isto é, tende a perceber e reagir à realidade de uma forma típica, determinada pelo arquétipo. Por exemplo, um individuo com complexo materno negativo, (preso a dinâmica do arquétipo da grande mãe) tende a se portar como filho frente as situações gerais – o que pode significar insegurança, medo e dependência de alguém que cuide e nutra. Em outras palavras, o Ego passa a se organizar a partir da representação individual desse arquétipo, que é o complexo. 

Como a atitude do ego (engolfada pelo complexo) se torna inadequada/unilateral, o inconsciente, que atua de modo complementar à consciência, produz formações quem tentaram corrigir essa identificação do Ego com esse complexo. Assim, os sonhos, sintomas, pensamentos, somatizações visam corrigir essa relação inadequada do Ego com o complexo, tendem a se manifestar em sua forma impessoal que nós podemos reconhecer através das analogias com as mitologias, que fornecerem ao terapeuta possíveis direções para que ele possa verificar melhor a história pessoal do cliente. A manifestação impessoal (arquetípica) é necessária para evitar que os mecanismos de defesa do Ego sejam ativados, que poderia significar a repressão e o aumento da separação entre a consciência e o inconsciente.

Assim sendo, toda manifestação do inconsciente envolve os arquétipos de forma mais ou menos clara (ou típica). O fundamental é não nos atermos a uma “busca cega” por arquétipos e perdermos o foco que deve ser nosso cliente.

 

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Fabricio Fonseca Moraes (CRP 16/1257)

Psicólogo Clínico de Orientação Junguiana, Especialista em Teoria e Prática Junguiana(UVA/RJ), Especialista em Psicologia Clínica e da Família (Saberes, ES). Membro da International Association for Jungian Studies(IAJS). Formação em Hipnose Ericksoniana(Em curso). Coordenador do “Grupo Aion – Estudos Junguianos”  Atua em consultório particular em Vitória desde 2003.

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