Algumas palavras sobre o “Arquétipo do Herói” e o Complexo de poder

05 de novembro 2010

Uma das imagens arquetípicas mais conhecidas é a do herói. Os heróis são personagens fundamentais em todas as mitologias

Entretanto eu gostaria de pensar o herói de uma forma menos “arquetípica”, para pensarmos sua manifestação pessoal, isto é, através do complexo. Digo isso, pois, muitas vezes já reparei que ao falarmos de processo de enfrentamento,  onde se manifesta a dinâmica do herói, nos referimos sempre ao arquétipo e, geralmente, nos esquecemos do complexo envolvido.

Mas, para pensarmos essa dinâmica arquetípica, devemos considerar primeiro alguns aspectos do herói, seguindo a explanação de Joseph Campbell.

O Mito Herói

Etimologicamente,  ήρως (héros) talvez se pudesse aproximar do indo-europeu servä, da raiz ser-, de que provém o avéstico haurvaiti, “ele guarda” e o latim seruäre, “conservar, defender, guardar, velar sobre, ser útil”, donde herói seria o “guardião, o defensor, o que nasceu para servir”.(BRANDÃO, 1987, p.15)

Quando falamos em Herói, falamos de uma personagem mítico que vive no limiar entre o mundo humano e o mundo dos deuses. Por vezes, o herói é defensor do cosmos, protegendo o mundo contra as  forças do caos, fazendo com que o mundo continue existindo, em outros momentos ele é o próprio agente de transformação, derrubando regimes corruptos e decadentes, propiciando a renovação da vida.

Esse “estar entre dois mundos” fez com que o herói fosse visto como sendo ele próprio estivesse entre os deuses e os homens. Entre os gregos, os heróis eram uma categoria a parte, haviam os imortais(que chamamos de deuses), os mortais (humanos) e os heróis, que em sua maioria possuíam uma ascendência divina, ou que haviam conquistado as graças de um deus. Em outras mitologias, como a nórdica, os heróis não eram filhos ou descendentes, mas protegidos ou escolhidos pelos deuses, que lhes capacitavam para uma dada missão.  Essa característica do herói, de ser um escolhido ou descendente divino, é notada na mitologia como o “nascimento milagroso”, isto é, ao nascer a criança-herói sofre a “exposição” , isto é, é exposta aos elementos ou uma grande dificuldade (Édipo foi abandonado no monte Citerão, Hércules venceu duas serpentes, Perseu foi lançado com a mãe ao mar, pelo avô, Moisés foi colocado numa cesta de junco no nilo, Harry Potter, graças ao sacrifício de sua mãe, sobreviveu ao ataque de Voldemort, etc…) de modo, que sua infância já indica os grandes feitos futuros.

A jornada do herói, como é proposta por Joseph Campbell, pode ser resumida em três atos: Partida-Iniciação-Retorno.

A Partida corresponde o inicio da aventura.

O Chamado à Aventurapode por um processo natural, isto é, pode ser consequência da vivência do herói ou o herói se coloca a disposição para realizar o feito, como no conto do circulo arturiano “Sir Gawain e o  Cavaleiro Verde” , quando no ano-novo um cavaleiro verde aparece na corte do Rei Arthur, pedindo/desafiando que um dos cavaleiros presentes lhe dê um golpe de machado no pescoço e que em um ano, fosse na capela Verde, para receber o golpe de volta, Arthur se prontifica, mas, Gawain se prontifica, solicitando que o Rei permitisse que ele assumisse o desafio. Esse é um exemplo, da aceitação natural ao chamado. 

Outra possibilidade é quando o herói é envolvido pela aventura e, quando se dá conta, já está no meio da aventura, esse “cair de pára-quedas” na aventura é muito comum nos contos de fadas. Um exemplo, são as histórias de Simbad, o Marinho, narradas nas “Mil e Uma Noites”, onde, Simbad, já velho e próspero comerciante, narra a um homem pobre e invejoso, como ele se tornou rico e prospero, e que foi o destino e lhe levou as grandes aventuras.

Esse primeiro estágio da jornada mitológica — que denominamos aqui “o chamado da aventura” — significa que o destino convocou o herói e transferiu-lhe o centro de gravidade do seio da sociedade para uma região desconhecida. Essa fatídica região dos tesouros e dos perigos pode ser representada sob várias formas: como uma terra distante, uma floresta, um reino subterrâneo, a parte inferior das ondas, a parte superior do céu, uma ilha secreta, o topo de uma elevada montanha ou um profundo estado onírico. Mas sempre é um lugar habitado por seres estranhamente fluidos e polimorfos, tormentos inimagináveis, façanhas sobre-humanas e delícias impossíveis.(CAMPBELL,2005, p.66)

Campbell aponta que o chamado pode ser recusado, quando o herói se recusa, cai sobre ele passa ter uma existência vazia, se tornando ele mesmo um vilão ou pode ser amaldiçoado pelas divindades, e muitas vezes, ele próprio deve ser salvo por um futuro herói que aceitou o chamado (discutiremos mais a frente a recusa, quando falarmos do complexo de poder).

No inicio da Aventura, há como característica o auxilio sobrenatural,isto é, alguma figura sobrenatural(como animal falante), um deus, ou um ancião ou anciã lhes dão conselhos e/ou instrumentos que lhes permitem seguir em sua empreitada. Após o encontro, com esse sobrenatural, o herói é levado ao limiar.

Chamado por Campbell, como A passagem pelo primeiro limiar, que é justamente quando o herói deixa o mundo conhecido e entra no desconhecido. Ao chegar no limiar, o herói passa pelo primeiro teste, que é enfrentar o guardião do limiar, esse guardião separa os limites do mundo conhecido, de modo, que nenhum homem comum pode atravessar esse limiar, esse guardião poderá tentar seduzir os heróis (como as sereias, a Iara, o boto), ou tentará assustar e enganar o herói levando-o a um destino trágico (como faz o coiote nos mitos indígenas norte americanos, ou o curupira em nosso folclore). Ou mesmo, poderá irá propor um desafio que pode ser o combate físico ou mesmo que herói lhe traga um objeto(quase impossível) de se conseguir.

A passagem pelo primeiro limiar pode assumir a forma de renascimento, na mitologia é representado pelo ventre da baleia,em nossa cultura o mais conhecido é o profeta bíblico Jonas, mas, outros personagens míticos como o herói irlandês, Finn MacCool, o grego Héracles, o herói trapaceiro “Corvo” dos esquimós,  o polinésio Maui, todos passaram pelo ventre da baleia ou do “grande peixe” ou do monstro marinho.

Após a travessia pelo primeiro limar, o herói é exposto as provações que vão inicia-lo num desenvolvimento de ordem superior. Aqui o herói não contará apenas com sua força ou astúcia, mas, estará por inteiro na aventura.

Tendo cruzado o limiar, o herói caminha por uma paisagem onírica povoada por formas curiosamente fluidas e ambíguas, na qual deve sobreviver a uma sucessão de provas. Essa é a fase favorita do mito-aventura. Ela produziu uma literatura mundial plena de testes e provações miraculosos. O herói é auxiliado, de forma encoberta, pelo conselho, pelos amuletos e pelos agentes secretos do auxiliar sobrenatural que havia encontrado antes de penetrar nessa região. Ou, talvez, ele aqui descubra, pela primeira vez, que existe um poder benigno, em toda parte, que o sustenta em sua passagem sobre-humana (CAMPBELL, 2005, 102.)

No caminho das provações o herói deverá enfrentar desafios de todas as ordens, seja os monstruosos ou dos prazeres. Nesse caminho, o herói será levado ao encontro e confronto das forças primordiais: o amor e o poder. Esses dois são representadas pela figura da Deusa(ora mãe, ora amante) e do Deus – Pai.

No geral, o confronto com as forças criadoras (a Deusa-mãe e o Deus-Pai), no caso da Deusa-mãe é herói a encontra como a devoradora, a que aprisiona em seu próprio útero,  vencer esta mãe primordial(caótica) é o primeiro passo para ser realmente homem, e assim, poder encontrar a deusa-rainha.

O encontro com a deusa (que está encarnada em toda mulher) é o teste final do talento de que o herói é dotado para obter a bênção do amor (caridade: amor fati ), que é a própria vida, aproveitada como o invólucro da eternidade.(CAMPBELL,2005,  p.119)

O confronto com o deus (muitas vezes figurado como monstro, o ogro) consiste num encontro e num reconhecimento. Isso pode se dar pela via do confronto direto (o deus como um monstro a ser derrotado) ou pelas tarefas que farão o pai reconhecer o filho-herói. Esse processo, permite ao herói “se tornar um com o pai” ou compreender o pai, que na verdade, é o amadurecimento, a possibilidade de vislumbrar uma dimensão, então, impossível para o mesmo.

O problema do herói que vai ao encontro do pai consiste em abrir sua alma além do terror, num grau que o torne pronto a compreender de que forma as repugnantes e insanas tragédias desse vasto e implacável cosmo são completamente validadas na majestade do Ser. O herói transcende a vida, com sua mancha negra peculiar e, por um momento, ascende a um vislumbre da fonte. Ele contempla a face do pai e compreende. E, assim, os dois entram em sintonia.(CAMPBELL,2005, p 142.)

Após completar sua busca, vencer seus desafios, o herói deve retornar a sua pátria, aqui ele também recebe, no geral, ajuda sobrenatural para realizar sua viagem de retorno ou sua fuga milagrosa.

Devemos ressaltar que apesar haver diferentes tipos de herói, a estrutura da aventura é a mesma.

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O Arquétipo do Herói e a experiência pessoal : Complexo de poder

Após observarmos a estrutura do mito do herói, podemos compreender um pouco mais acerca do arquétipo do herói. Afinal, o mito do herói é uma representação do arquétipo do herói na cultura. Não podemos perder de vista, que os arquétipos são padrões de organização psíquica, culturalmente percebemos essa organização a partir da repetição sistemática dos temas mitológicos (criação, maternidade, morte, enfrentamento de adversidades) que nos permite uma orientação nas diversas situações da vida.

Em nossa experiência pessoal, os arquétipos se configuram como um eixo temático em torno do qual as experiências pessoais serão apreendidas e ordenadas, dando origem aos complexos. Por exemplo, as experiências vinculadas a maternidade (nutrição, acolhimento/proteção) darão origem ao complexo materno.

No caso específico do herói, não há na literatura em português uma referência clara ao complexo oriundo do “arquétipo do herói”, eu particularmente, compreendo que herói é a imagem representacional do arquétipo, por isso, eu prefiro chamar essa configuração pessoal de “complexo de potência” ou “complexo de poder”.

O complexo de poder agrega a si todas as experiências do individuo no tange “enfrentamentos”, mudanças, a capacidade suportar a adversidade, frustrações. Desde cedo somos incentivados (ou não) a enfrentar a realidade externa, o meio. Um individuo que desde cedo sentiu segurança, apoio e estabilidade nas relações parentais, vai construir um repertório de experiências que vão possibilitar uma maior segurança no futuro, isto é, um complexo de potência que vai sustentar o Ego na sua relação frente a vida.

Devemos lembrar, que mesmo os que não tiveram condições de vivenciar em suas famílias experiências positivas, têm outros referenciais que são oferecidos culturalmente (que normalmente, complementam o aprendizado doméstico) que são as narrativas míticas (as mais comuns são histórias da bíblia), contos de fadas (que hoje identificamos também com os “super-heróis” ou personagens de TV e quadrinhos), identificação com pessoas (atletas ou empresários), que mobilizam o individuo a novas possibilidades.

O complexo de poder está intimamente relacionado com o aspecto teleológico da psique, isto é, o complexo de poder não só agrega as experiências de enfrentamento a si, mas, possibilita ao ego um direcionamento futuro, trazendo em si um potencial de ação e mudança, muitas vezes,  impelindo o Ego ao enfrentamento.

Como todo complexo, o de poder não foge aos aspectos históricos individuo, isto é, ele não se configura apenas como um polo criativo. Pois, quando um individuo tem mais experiências de frustração, de abandono e insegurança, sua experiência negativa também vai moldar negativamente este complexo, fazendo com que o individuo se torne por demais ansioso, temeroso, inseguro e evitando as situações de conflito, nessa forma de configuração conhecemos esse complexo pelo nome dado por Adler : complexo de inferioridade. Quando falamos do “complexo de inferioridade” devemos ter atenção, pois, saindo da perspectiva de Adler, a inferioridade em si não gera o complexo, quando nos referimos ao complexo de inferioridade estamos falando da uma face do complexo de poder.

É importante prestarmos atenção ao fato de que os complexos estão interligados, assim, as experiências muitas vezes se somam positivamente ou negativamente. Ninguém tem exclusivamente experiências positivas ou negativas na vida. Quando sofremos muito em nossa vida, a tendências é nos tornarmos defensivos, evitando mais sensações de dor, achamos que não damos conta das experiências ou das situações. Muitas vezes, gerando sentimentos e pensamentos negativos em relação a nós mesmos. No geral, desvalorizando as conquistas que tivemos na vida e assim, podemos não perceber o lado criativo do complexo de poder.

Em psicoterapia é importante observarmos quais são os complexos que estão em relação com o complexo de poder, que fortalecem a perspectiva negativa frente a vida. Uma vez que o individuo perceba essas relações, para assim, se permitir novos movimentos. No geral, o complexo de poder está intimamente ligado a ansiedade, pois, nele reside grande parte da nossa referencia de confiança e segurança.

A ansiedade é uma função de proteção natural, que evita que assumamos riscos desnecessários, entretanto, com o nosso mundo contemporâneo, onde as realidade é fluida, regida pelas incertezas, a nos leva  sempre é sempre questionar “será que dou conta?” e cada passo que damos é sempre um passo rumo as duvidas. A ansiedade exagerada ou o excesso de insegurança expressam nossa dificuldade não só de lidar “com o que vai vir”, mas, também, de lidar com nossa história, com nossas conquistas, perdemos a noção das possibilidades. A ansiedade, como uma sensação de despreparo para a vida, gera uma limitação em nossa percepção de realidade, que se resume se daremos conta ou não.

Quando nos remetemos ao arquétipo do herói, temos uma referencia interessante: o herói nunca da conta de tudo sozinho. Sempre recebe o “auxilio sobrenatural” ou a ajuda de amigos. Por isso, quando compreendemos que os mitos são modelos exemplares (segundo Eliade), que nos orientam em como reagir nas mais diversas situações da vida, nós temos um excelente instrumento de referência para além da experiência individual.

Sofremos com a ansiedade, quando tentamos “ dar conta de tudo sozinhos” cometemos,  o que na mitologia grega seria o “pecado do herói”, isto é, a “hybris”, a desmensura, excesso, ou o orgulho, que não nos permite compreender o nosso real papel e que nos conduz ao fracasso. Indo na Na vida aprendemos o quanto precisamos dos outros, aprendemos que crescer é crescer juntos. É interessante que nos contos de fadas contemporâneos nos dizem justamente isso, quando lemos “O Senhor do Anéis”, “Harry Potter” ou “Percy Jackson”, vemos a importância de compreender que “heroísmo” ou “enfrentamento” não significa que tenha de ser “sozinho”.

Quando associamos o complexo de poder ao arquétipo do herói, podemos compreender não só o que fazemos, mas, sobretudo, o que devemos fazer. Nossa psique visa sempre o desenvolvimento, isto é, o crescimento individual e coletivo. Muitas vezes, nós fazemos escolhas que geram estagnação, paralisando nossa vida. Muitas vezes, quando recusamos o chamado a aventura isto é, recusamos o nosso próprio desenvolvimento (seja pelo medo ou por não termos, naquele momento, melhores opções) podemos gerar o adoecimento.

Com freqüência, na vida real, e com não menos freqüência, nos mitos e contos populares, encontramos o triste caso do chamado que não obtém resposta; pois sempre é possível desviar a atenção para outros interesses. A recusa à convocação converte a aventura em sua contraparte negativa. Aprisionado pelo tédio, pelo trabalho duro ou pela “cultura”, o sujeito perde o poder da ação afirmativa dotada de significado e se transforma numa vítima a ser salva. Seu mundo florescente torna-se um deserto cheio de pedras e sua vida dá uma impressão de falta de sentido — mesmo que, tal como o rei Minos, ele possa, através de um esforço tirânico, construir um renomado império. Qualquer que seja, a casa por ele construída será uma casa da morte; um labirinto de paredes ciclópicas construído para esconder dele o seu Minotauro. Tudo o que ele pode fazer é criar novos problemas para si próprio e aguardar a gradual aproximação de sua desintegração. (CAMPBELL, 2005, p. 66-7 )

O complexo de poder (assim, como sua contrapartida impessoal, o arquétipo do herói) nos impele ao futuro, nos incomoda sempre que estagnamos, ou nos gera ansiedade ou temor – não para nos paralisar, mas, para nos alertar dos perigos para assim criarmos novas estratégias, buscarmos ajuda, criar novos meios.

Referencias Bibliográficas

BRANDÃO, Junito. Dicionário Mítico-Etimológico. Petrópolis: Vozes, 1997, vol. I.

CAMPBELL, Joseph. O herói de mil faces. 10. ed. São Paulo:Cultrix/Pensamento, 2005

 

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Fabricio Fonseca Moraes (CRP 16/1257)

Psicólogo Clínico de Orientação Junguiana, Especialista em Teoria e Prática Junguiana(UVA/RJ), Especialista em Psicologia Clínica e da Família (Saberes, ES). Membro da International Association for Jungian Studies(IAJS). Formação em Hipnose Ericksoniana(Em curso). Coordenador do “Grupo Aion – Estudos Junguianos”  Atua em consultório particular em Vitória desde 2003.

Contato: 27 – 9316-6985. /e-mail: fabriciomoraes@yahoo.com.br/ Twitter:@FabricioMoraes

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Depressão, preconceito e Elias

 

18 de outubro de 2010

(Escrevi esse texto como base para uma palestra apresentada no dia 17/10/10, numa reunião das Mulheres Cristãs em Ação – MCA, da Igreja Batista em Praia do Suá, Vitória,ES. Essa palestra não tem uma finalidade objetivamente teórica ou expositiva da teoria junguiana)

O tema de nossa palestra é “Depressão, preconceito e Elias”. Acredito ser importante para discutirmos nas igrejas, para estarmos atentos a depressão, pois é um tema com o qual nos confrontamos todos os dias. Recentemente foi divulgado pela Organização Mundial de Saúde que em 20 anos, isto é, 2030, a depressão será a doença mais comum no mundo e será a que gerará mais gastos em seu tratamento. Hoje estima-se que cerca de 17% da população sofra de depressão.

Esses dados da OMS servem para nos chamar a atenção para essa doença, muitas vezes silenciosa, que vem ocupando cada vezes mais espaços em nosso dia a dia, acredito que todos nós aqui já tivemos contato próximo com pessoas com depressão em nossa família, vizinhança, trabalho ou na igreja.

Apesar de termos muita informação acerca da depressão, muita gente ainda acha que é a depressão é uma bobeira, é fraqueza moral, é preguiça, ou que a depressão é apenas uma longa tristeza. Entretanto, a depressão é uma doença que exige seriedade pois, não só pelo sofrimento pessoal e perdas sociais causadas pela depressão, mas, pelo fato de estar associada a casos de suicídio e, também, ao abandono de tratamentos médicos, o que pode também agravar outras doenças.

Quando falamos da depressão ou de qualquer doença, três aspectos são fundamentais: sintomas, causas e tratamento. Falando de forma geral da depressão, os principais sintomas são:

– Perda de interesse

– Alterações no Sono (dorme demais ou tem insonia)

– Alterações no apetite (come muito pouco ou come muito)

– Dificuldade de concentração

– Lentificação das atividades físicas e mentais (demora a responder aos estímulos)

– Se sente fracassada, culpada, com pensamentos negativos acerca de si.

– Pessimista,

– Indecisão

– Isolamento

– Inquieta, irritadiço

– Ou Chora à-toa ou não consegue chorar.

Os sintomas podem variar de pessoa para pessoa.

Na depressão há um esvaziamento da vida, cada vez mais a vida vai se tornando sem sentido, cada experiência que a pessoa tem se torna frustrante, ela não consegue ter prazer em nada, não conseguindo ter uma visão ou perspectiva de futuro. Mas, não podemos confundir isso com tristeza, a tristeza dá e passa, tem um motivo, a depressão é um estado persistente, que atravessa os dias e as semanas.

A depressão é uma doença silenciosa, ela vai se construindo lentamente, muitas vezes só nos damos conta quando estamos em meio a uma crise depressiva. Não há uma causa específica, são várias as causas que podem levar a uma pessoa a desenvolver uma depressão, desde uma predisposição genética, perdas profundas (como de um familiar, amigo, ou mesmo emprego), uma vida de pura rotina, muitas vezes sem sentido, apenas repetição; dificuldades para lidar com a frustração, mudanças drásticas na vida, isolamento/solidão, isso sem falar em alterações de ordem fisiológicas como variações hormonais na menopausa. São vários os fatores que podem se somar no processo de depressão.

O ideal para o tratamento da depressão é a conciliação entre a medicação e a psicoterapia. Em alguns casos de depressão leve o medicamento sozinho pode ser eficaz, mas, na maioria das vezes, nos caso de depressão moderada e severa a pessoa apresenta uma melhora, mas, fica dependente da medicação, pois não refletiu acerca das mudanças necessárias em sua vida. Isso porque a medicação gera uma estabilidade no individuo, permitindo que ele tome as decisões necessárias em sua vida. Essas questões e decisões serão identificadas num processo psicoterapêutico. Aqui entra no segundo tópico, que sugeri no tema: O preconceito.

Eu acho importante falar do preconceito porque já ouvi algumas pessoas ligadas a igrejas/lideres religiosos falando sobre a depressão e outros transtornos psicológicos, como sendo exclusivamente de ordem espiritual. Algumas dizem (inclusive pastores) que depressão é falta de Deus, ou é fruto de um pecado não confessado, ou que é ação do diabo ou “do inimigo” na vida da pessoa e por isso ela deprimiu. E, que basta orar e buscar a Deus que a depressão ser curada.

Mas, geralmente as pessoas ficam sofrendo no banco das igrejas, achando que tem algum pecado, achando que Deus não as ouve, achando que é o diabo agindo em suas vidas e não procuram ajuda profissional porque acham e ouvem as pessoas dizerem que a depressão é um problema “espiritual”. É importante entendermos que a depressão não é um problema espiritual, mas, pode causar um problema espiritual. Pois, muitos afastam da igreja e de Deus pelo fato se sentirem tão mal por ouvirem os irmãos dizendo que é “só ter fé “ou que o “seu problema é espiritual”, “é só uma provação” ou que “ é ter fé que o diabo vai se afastar”, nisso, a a ida na igreja em vez de ajudar, acaba deixando a pessoa pior.

Frente a essas idéias, esses preconceitos, podemos perguntar o que a bíblia diria acerca da depressão?Sempre que eu ouço alguém falando que se uma pessoa está deprimida ou é porque tem pouca fé, ou tem que orar mais, ou está em pecado, eu sempre pergunto, você já ouviu falar de Elias?

Elias foi o maior profeta do antigo testamento. No capitulo 19 de I Reis, temos um relato interessante sobre a situação dele. Vejamos o que diz o texto,

3 – Elias teve medo e fugiu para salvar a vida. Em Berseba de Judá ele deixou o seu servo

4 – e entrou no deserto, caminhando um dia. Chegou a um pé de giesta, sentou-se debaixo dele e orou, pedindo a morte. “Já tive o bastante, Senhor. Tira a minha vida; não sou melhor do que os meus antepassados. ”

5 – Depois se deitou debaixo da árvore e dormiu. De repente um anjo tocou nele e disse: “Levante-se e coma”.

6 – Elias olhou ao redor e ali, junto à sua cabeça, havia um pão assado sobre brasas quentes e um jarro de água. Ele comeu, bebeu e deitou-se de novo.

7 – O anjo do Senhor voltou, tocou nele e disse: “Levante-se e coma, pois a sua viagem será muito longa”.

8 – Então ele se levantou, comeu e bebeu. Fortalecido com aquela comida, viajou quarenta dias e quarenta noites, até que chegou a Horebe, o monte de Deus.

9 – Ali entrou numa caverna e passou a noite. E a palavra do Senhor veio a ele: “O que você está fazendo aqui, Elias? ”

10 – Ele respondeu: “Tenho sido muito zeloso pelo Senhor, Deus dos Exércitos. Os israelitas rejeitaram a tua aliança, quebraram os teus altares, e mataram os teus profetas à espada. Sou o único que sobrou, e agora também estão procurando matar-me”.

11 – O Senhor lhe disse: “Saia e fique no monte, na presença do Senhor, pois o Senhor vai passar”. Então veio um vento fortíssimo que separou os montes e esmigalhou as rochas diante do Senhor, mas o Senhor não estava no vento. Depois do vento houve um terremoto, mas o Senhor não estava no terremoto.

12 – Depois do terremoto houve um fogo, mas o Senhor não estava nele. E depois do fogo houve o murmúrio de uma brisa suave.

13 – Quando Elias ouviu, puxou a capa para cobrir o rosto, saiu e ficou à entrada da caverna. E uma voz lhe perguntou: “O que você está fazendo aqui, Elias? ”

14 – Ele respondeu: “Tenho sido muito zeloso pelo Senhor, Deus dos Exércitos. Os israelitas rejeitaram a tua aliança, quebraram os teus altares, e mataram os teus profetas à espada. Sou o único que sobrou, e agora também estão procurando matar-me”.

15 – O Senhor lhe disse: “Volte pelo caminho por onde veio, e vá para o deserto de Damasco. Chegando lá, unja Hazael como rei da Síria.

16 – Unja também Jeú, filho de Ninsi, como rei de Israel, e unja Eliseu, filho de Safate, de Abel-Meolá, para suceder a você como profeta.

17 – Jeú matará todo aquele que escapar da espada de Hazael, e Eliseu matará todo aquele que escapar da espada de Jeú.

18 – No entanto, fiz sobrar sete mil em Israel, todos aqueles cujos joelhos não se inclinaram diante de Baal e todos aqueles cujas bocas não o beijaram”. (BIBLIA, I Reis 19:3-18, 2000),

Para entendermos esse capitulo da vida Elias, devemos lembrar rapidamente o que aconteceu no capitulo anterior, nele, Elias fez um desafio a 450 profetas de Baal, o deus que respondesse o holocausto com fogo, seria o Deus verdadeiro, após meio dia de suplicas os profetas de Baal nada obtiveram, Elias ao orar teve uma resposta imediata, onde fogo caiu do céu. Logo após, o povo que estava ali presente ficou maravilhado e matou os 450 profetas.

Mesmo acontecendo esse milagre, Elias não viu a conversão em massa que provavelmente ele esperava. Muito pelo contrário, a notícia que ele teve foi justamente que a rainha Jezabel queria vê-lo morto. Assim, começa dizendo que

3 – Elias teve medo e fugiu para salvar a vida.

4 – e entrou no deserto, caminhando um dia.

Elias teve medo e fugiu, se isolou, foi para o deserto, isto é, foi para uma região árida, infrutífera, vazia, que certamente refletia o que ele estava se sentindo por dentro. Assim, olhando para esse inicio poderíamos começar a identificar como sintomas de depressão o isolamento, mas, um sintoma não é suficiente para falar depressão, vamos continuar vendo o texto,

Chegou a um pé de giesta, sentou-se debaixo dele e orou, pedindo a morte. “Já tive o bastante, Senhor. Tira a minha vida; não sou melhor do que os meus antepassados. ”

Encontramos outros sintomas aqui, o desejo de morrer e os pensamentos negativos sobre si, como ele diz, que não é melhor que os antepassados. No versículo seguinte temos outro sintoma,

5 – Depois se deitou debaixo da árvore e dormiu

Uma dos sintomas comuns na depressão é a alteração do regime de sono (uns dormem demais, outros sofrem de insônia). É importante notar que o texto continua dizendo que Deus cuidava de Elias, tanto que o anjo veio por duas vezes para alimentá-lo. Elias estava num processo depressivo, mas, Deus não o abandonou, não viu pecado nele, nem o julgou. No versículo 8, temos outro dado

8 – Então ele se levantou, comeu e bebeu. Fortalecido com aquela comida, viajou quarenta dias e quarenta noites, até que chegou a Horebe, o monte de Deus.

O sofrimento Elias continuava, e ele caminhou pelo deserto durante 40 dias e 40 noites, até chegar em Horebe, no Egito. E chegando lá, ele entrou numa caverna, quando Deus fala com ele, e o responde dizendo justamente o que ele percebia da realidade, segundo ele, todo o povo de Israel havia abandonado a Deus, e só restava ele, sozinho.

10 – Ele respondeu: “Tenho sido muito zeloso pelo Senhor, Deus dos Exércitos. Os israelitas rejeitaram a tua aliança, quebraram os teus altares, e mataram os teus profetas à espada. Sou o único que sobrou, e agora também estão procurando matar-me”.

Na fala de Elias percebemos como ele se sentia frustrado como profeta, como ele sentia que havia fracassado um profeta que não conseguiu converter o povo de seus maus caminhos. Deus manda Elias sair da caverna, que ele iria passar, conforme o texto,

11 – O Senhor lhe disse: “Saia e fique no monte, na presença do Senhor, pois o Senhor vai passar”. Então veio um vento fortíssimo que separou os montes e esmigalhou as rochas diante do Senhor, mas o Senhor não estava no vento. Depois do vento houve um terremoto, mas o Senhor não estava no terremoto.

12 – Depois do terremoto houve um fogo, mas o Senhor não estava nele. E depois do fogo houve o murmúrio de uma brisa suave.

Elias conhecia bem a Deus, e não viu sua presença nem na tempestade, nem no terremoto, nem no fogo. Ou seja, as vezes a gente espera coisas grandiosas, milagres enormes, mas, Deus se manifestou na brisa, no suave murmúrio da brisa, e Elias o reconheceu ali.

Por isso, eu insisto em dizer que mesmo segundo a bíblia não tem como afirmar que a depressão é um problema espiritual. A depressão pode causar um problema espiritual, pode causar um afastamento de Deus, mas ela em si não deve ser vista como um problema espiritual.

Elias estava deprimido, mas, mesmo assim sua relação com Deus não mudou. Ele reconhecia a presença e a manifestação a Deus, e por outro lado, o próprio Deus falava com ele. É interessante a gente notar, que Deus mandou ele voltar pelo mesmo caminho e ir até o deserto de Damasco, ou seja, ele teria que viajar pelo deserto (por outros quarenta dias), onde ele caminhando ainda nesse vazio, mas, Deus afirma que mesmo estando com essa depressão ele não estaria sozinho, pois, no caminho dele ele encontraria ajuda.

Nesse ponto encontramos um segundo preconceito tão complicado quanto o primeiro muito complicado, que é o preconceito ao tratamento. Muitas pessoas não procuram tratamento porque alegam que não conhecem algum psicológo cristão ou não há no plano de saúde nenhum psicólogo cristão. E, não percebem que o mais importante é encontrar um bom profissional, mesmo que não seja cristão. Acerca disso, a bíblia nos mostra algumas coisas importantes. Vejamos um ponto importante, no texto.

15 – O Senhor lhe disse: “Volte pelo caminho por onde veio, e vá para o deserto de Damasco. Chegando lá, unja Hazael como rei da Síria.

16 – Unja também Jeú, filho de Ninsi, como rei de Israel, e unja Eliseu, filho de Safate, de Abel-Meolá, para suceder a você como profeta.

17 – Jeú matará todo aquele que escapar da espada de Hazael, e Eliseu matará todo aquele que escapar da espada de Jeú.

Deus mandou Elias ir ungir Hazel, como rei da Síria, que não era do povo de Israel, para ajudar em sua obra, mais adiante vemos que Hazael declarou guerra contra Israel, de forma a combater os inimigos de Elias, segundo a vontade de Deus. Ao longo de toda a bíblia vemos Deus usando pessoas que não eram do povo de Israel para salva-los. Outros exemplos bíblicos, que podemos citar são: Moisés, que Deus usou a filha do Faraó, para protegê-lo de Faraó; Davi que quando perseguido por Saul, ele encontrou abrigo entre filisteus de Gate(I Sm 27), eu seja, Deus usou os inimigos de Israel para dar abrigo a Davi; no período do exílio na Babilônia, Deus usou Ciro, Dario e Artaxerxes reis da Pérsia, para libertar o povo, restabelecer o templo e a reconstruir a cidade de Jerusalém conforme nos narram Esdras e Neemias; outro exemplo, foi o próprio Cristo, quando nasceu, teve de fugir de Herodes e encontrou abrigo no Egito, sendo acolhido numa terra estranha.

Por isso, é importante a gente orientar as pessoas que estão atravessando uma depressão ou qualquer outro transtorno de ordem psicológica a confiar em Deus e procurar um profissional habilitado, isto é, um psiquiatra para ministrar a medicação e um psicólogo para fazer o acompanhamento psicoterapêutico – existem pessoas que fizeram cursos de psicanálise e abrem consultório, eu não indico nem considero confiáveis. Sugiro sempre procurar um psicólogo devidamente registrado no Conselho Regional de Psicologia.

Em nossos dias, é muito importante que as igrejas tenham clareza desses preconceitos que cercam a depressão (também outras doenças de ordem psicológica), pois, esses preconceitos impedem um tratamento adequado, e isso promove o agravamento da doença, podendo realmente se tornar numa doença espiritual – quando a pessoa duvida de Deus, se revolta ou se sente abandonada por Ele. A melhor forma de ajudar essas pessoas é estimulá-las confiar em Deus e procurar um tratamento adequado e profissional. Quando mais dizemos que ela “não tem fé”, “só precisa de Deus” ou que “depressão coisa do inimigo” pioramos o estado de saúde delas, quando deveríamos orientarmos as pessoas a procurarem o tratamento adequado e assim, muitas vezes, contribuímos para que elas se afastem de Deus e das Igrejas.

Referencia bibliográfica

– Bíblia Sagrada Nova Versão Internacional. São Paulo: Soc. Bíblica Internacional, 2000.

 

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Fabricio Fonseca Moraes (CRP 16/1257)

Psicólogo Clínico de Orientação Junguiana, Especialista em Teoria e Prática Junguiana(UVA/RJ), Especialista em Psicologia Clínica e da Família (Saberes, ES). Membro da International Association for Jungian Studies(IAJS). Formação em Hipnose Ericksoniana(Em curso). Coordenador do “Grupo Aion – Estudos Junguianos”  Atua em consultório particular em Vitória desde 2003.

Contato: 27 – 9316-6985. /e-mail: fabriciomoraes@yahoo.com.br/ Twitter:@FabricioMoraes

www.psicologiaanalitica.com

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Um pouco de Tipos Psicológicos

 

(Este texto foi publicado originalmente em 4 partes, nos dias 17, 28 de setembro e 04 e 27 de outubro de 2010)

Pensando a Teoria dos tipos

A teoria dos Tipos psicológicos ocupa um lugar especial na teoria junguiana. A partir dela podemos vislumbrar aspectos importantes concernentes tanto a epistemologia junguiana quanto a clinica junguiana.

De imediato devemos ressaltar que a teoria dos tipos não tem como objetivo “classificar” as pessoas. Muito pelo contrario, ela é um instrumento para compreendermos como os indivíduos se relacionam conscientemente com a realidade. Em entrevista a Dr. Evans, Jung diz

Todo o meu plano tipológico consiste, meramente, numa espécie de orientação. Existe um fator, a introversão; existe outro fator, a extroversão. A classificação de indivíduos nada significa. Trata-se apenas de um instrumento, ou aquilo a que chamo ”psicologia” prática, usada para explicar, por exemplo, o marido a uma esposa ou vice versa. (EVANS, Entrevistas com Jung e as Reações de Ernest Jones, p. 92)

A teoria dos “Tipos Psicológicos” foi publicada em 1921, no livro homônimo, e desde então lançou conceitos (que se tornaram simplesmente termos) comuns a toda população como “introversão” e “extroversão”. Antes de falarmos acerca da descrição dos tipos, é importante considerar um ponto central, que antecede a aplicação prática.

Devemos considerar que a teoria dos tipos psicológicos nos propõe questões acerca da possibilidade do conhecimento. Isto é, podemos dizer as questões que fundamentam a caracterização dos tipos são:

a) É possível conhecer um objeto ou a coisa em si?

b) Como se daria o processo de conhecimento?

Através da Teoria dos “Tipos Psicológicos” Jung responde ou indica que não é possível conhecermos as coisas em si mesmas, nós conhecemos apenas aquilo que se manifesta a nossa percepção – ou o que apreendemos do objeto por nossa percepção. Dessa forma, o processo de conhecer é limitado por nossos sentidos, ao espaço e tempo. O processo de conhecimento seria filtrado por algumas categorias subjetivas, essas categorias seriam as atitudes e funções psicológicas

Nosso modo de ser condiciona nosso modo de ver. Outras pessoas tendo outra psicologia vêem e exprimem outras coisas e de outro modo. Isto o demonstrou logo um dos primeiros discípulos de Freud: Alfred Adler. Ele apresentava o mesmo material empírico de um ponto de vista bem diferente, e sua maneira de ver é, no mínimo, tão convincente quanto a de Freud, porque também Adler representa um tipo de psicologia que encontramos com freqüência. Sei que os seguidores de ambas as escolas me consideram, sem mais, no caminho errado, mas a história e os pensadores imparciais me darão razão. Não posso deixar de criticar as duas escolas por interpretarem as pessoas demasiadamente pelo lado patológico e por seus defeitos. Exemplo convincente disso é a impossibilidade de Freud de entender a vivência religiosa. (JUNG, Freud e a Psicanálise, p.324-5 )

A divergência entre Adler e Freud é um exemplo interessante citado por Jung, pois, um mesmo caso clinico era analisado por duas óticas bem distintas – e ambos indicavam caminhos coerentes para se compreender o caso. Deste modo, Jung compreendia que a percepção de Freud e de Adler eram verdadeiras, pois, eles partiam de ângulos distintos, do mesmo modo que ele próprio, Jung, partia de um ângulo distinto dos demais. Isso não implica em erro ou acerto, isso quer dizer apenas que cada teoria (seja de Jung, Freud ou Adler) compreendia um aspecto parcial da experiência ou do fenômeno psíquico. Do mesmo modo, quando trabalhamos na clinica devemos considerar o que o nosso cliente nos diz como fruto de sua forma de perceber a realidade, isto é, sua realidade. Devemos compreender seu modo de se relacionar com o mundo, para assim intervir de forma clara e eficaz.

A teoria dos tipos se apresenta como um instrumento para compreender a dinâmica da consciência (isto é, do Ego) em relação ao mundo dos objetos. De certa forma, podemos dizer, que a a tipologia psicológica de um individuo é a forma principal de adaptação que ele utiliza.

Quando nos referimos a um tipo psicológico nos deparamos com duas categorias a atitude da libido e a função psicológica.

Atitude da Libido : Extroversão e Introversão

Entende-se por “atitude da libido” o movimento da libido ou da energia psíquica em relação ao objeto.

Dessa forma, a extroversão significa que a tendência primária da libido é se voltar ou direcionar ao objeto, o individuo conscientemente “se lança” em busca de conhecer, compreender ou assimilar o objeto, se sente naturalmente “atraída” pelo objeto . Por outro lado, a atitude compensatória do inconsciente é retirar a libido do objeto. Conforme, o quadro abaixo

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Pessoas do tipo extrovertido são pessoas que naturalmente tendem a ocupar os espaços, são expansivas, se sentem instigadas a interagir com o meio, possuindo uma facilidade um pouco maior para se adaptar a situações externas.

Por outro lado, a introversão significa que a tendência primaria da libido é de regredir frente ao objeto, isto é, ao retornar ao sujeito. É como se o objeto fosse algo ameaçador e o individuo tenta se esquivar, o objeto é algo com o qual se deve ter cautela. As impressões apreendidas do objeto são mais marcantes que o objeto em si.

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Devemos compreender que não existe uma atitude “pura”, isto é, ninguém é introvertido ou extrovertido o tempo todo. São tendências naturais, ou seja, quando falamos que um individuo é extrovertido, isso significa que a maior parte do tempo sua atitude natural é assim, em outros momentos ele pode se portar de forma introvertida – nessas horas as pessoas podem pensar que o extrovertido está triste ou deprimido, mas, ele está apenas “quieto” (isto é, num momento de introversão).

Do mesmo modo, uma pessoa introvertida em determinadas situações pode parecer ansiosa,  “quieta demais”, se sentir desconfortável (mesmo em situações corriqueiras como supermercado cheio),  em outras, com amigos (por exemplo), pode ser falante e expansiva. 

O ideal é compreendermos qual nossa atitude natural para não sermos “dominados” por ela, de modo, a perdermos oportunidades.  É importante equilibrarmos as atitudes para termos uma melhor adaptação a realidade. Pois, não há tipo melhor ou pior que o outro. Temos provérbios e ditos populares que nos alertam para os perigos da radicalização das atitudes:

“Quem não chora, não mama”

Ou

“A curiosidade matou o gato”

Na clínica, é importante o psicoterapeuta  perceber a atitude natural do cliente para acolhe-lo da forma que permita que ele se sinta o mais confortável possível. Por exemplo, um terapeuta introvertido pode parecer “frio”, “distante” ou “indiferente” a um cliente extrovertido.

As funções Psiquicas

Como dissemos no post anterior acerca dos Tipos Psicológicos, a tipologia psicológica proposta por Jung se caracteriza pelo movimento da libido, que pode ser introvertido ou extrovertido, e pelas funções psicológicas que descreveremos nesse post.

Jung compreendia como função psicológica uma “certa forma psíquica de atividade que, em principio, permanece idêntica sob condições diversas” (JUNG, 1991, p.412) Assim, uma função psicológica é um dinamismo comum a todos os indivíduos, que caracteriza o funcionamento da consciência, ou seja, a forma como o individuo se relacionaria ou apreenderia o meio externo.

Em seu trabalho, Jung, identificou 4 funções psicológicas, as quais designou como pensamento, sentimento, sensação(que também encontraremos como percepção) e intuição. Devemos tomar cuidado com os termos utilizados por Jung. A denominação dada a função, significa uma forma de possibilitar a melhor compreensão dessa dinâmica, ou seja, p. ex, quando falarmos de “função pensamento” não estamos definindo ou conceituando o “pensar”, mas, dizendo que essa dinâmica psíquica está mais associada aos processos reflexivos/cognitivos relacionados ao pensamento ou pensar – o individuo se orienta na relação com o meio sobretudo através das categorias cognitivas.

Desse modo, quando vemos “função pensamento” devemos compreender que o pensamento adjetiva essa função, não a conceitua. É a principal característica e, assim,  não devemos confundir “função pensamento” com “ato de pensar” ou com o “pensamento em si”, do mesmo modo que não devemos confundir “função sentimento” com “ato de sentir” ou com um “sentimento em si” como alegria.

As quatro funções são divididas em duas categorias: racionais e irracionais.

As funções racionais seriam as funções relacionadas aos processos de conhecimento, julgamento, avaliação,  interpretação e atribuição de valor a realidade. Nesta categoria estariam as funções pensamento e sentimento.

A função pensamento se caracteriza pela interpretação da realidade, isto é, seu direcionamento está em identificar, analisar, categorizar e definir a realidade/objeto. Esta função tem como principio a distinção racional e logica dos fenômenos.

Por outro lado, a função sentimento se caracteriza pela avaliação ou valoração da realidade, isto é, esta função tem como principio avaliar os elementos de valor, importância e significado do objeto. O afeto produzido na relação do sujeito com o objeto, “torna-se, então, efetivamente, não a expressão de algo, de uma atividade interna a um sujeito, mas uma episteme, um modo legítimo para o conhecimento.” (DAMIÃO, 2003, p. 90)

Essas funções são racionais por partirem do mesmo principio de conhecimento. Mas, seu foco, é bem distinto, fazendo que essas funções sejam opostas.

(…) O que pode acontecer com aquelas funções que ela não utiliza diariamente de modo consciente e, portanto, não desenvolve pelo exercício? Permanecem em situação mais ou menos primitivo-infantil, apenas meio-consciente ou totalmente inconscientes. E constituem, assim, para cada tipo, uma inferioridade característica que é a parte integrante de seu caráter geral. Ênfase unilateral no pensamento vem sempre acompanhada de inferioridade do sentimento; sensação diferenciada perturba a faculdade intuitiva e vice-versa.

Se uma função é diferenciada ou não, é fácil de perceber por sua força, estabilidade, consistência, confiabilidade e ajustamento. Mas sua inferioridade nem sempre é tão fácil de reconhecer e descrever. Um critério bastante seguro é sua falta de autonomia e, portanto, sua dependência das pessoas e das circunstâncias, sua caprichosa suscetibilidade, sua falta de confiabilidade no uso, sua sugestionabilidade e seu caráter nebuloso. Na função inferior, estamos sempre por baixo; não podemos comanda-la, mas somos inclusive suas vitimas (JUNG, 1991,p. 497)

As funções irracionais serias as funções estariam relacionadas com a apreensão da realidade, onde foco não é a interpretação, mas, sim o contexto ou situação objetiva. Estando nessa categoria a sensação e a intuição.

A Sensação se caracteriza pelo reconhecimento da realidade, esta função localiza o individuo de forma precisa na realidade, através de uma consideração precisa do que se apresenta a percepção.

Por outro lado, a intuição é designado por jung, como uma percepção por via inconsciente. O prof. Dr. Maddi Damião Jr, nos dá uma metáfora bem interessante para pensarmos a compreensão da intuição

Poderíamos utilizar de uma metáfora – digo metáfora, pois não pretendo aqui fazer nenhuma comparação entre teorias psicológicas – para a Gestalt Theorie: toda forma é apreendida sempre a partir de um conjunto de relações e estas se organizam segundo um princípio nomeado “relação figura-fundo”, ou seja, quando apreendemos ou percebemos um determinado aspecto da realidade, apreendemos um conjunto de relações significativas, escapando, assim, uma série de outras possíveis. O todo deste conjunto de relações seria aquilo que permite que uma determinada configuração de forma se dê, se constitua; aquilo que não percebemos é o que sustenta a figura, ou seja, na figura, o que vigora com maior intensidade, como uma forma organizada, somente tem sua possibilidade de configuração porque existe um fundo, que o mantém, um conjunto de relações que possuem, para o observador, ou para com a relação do olhar que constitui o campo intencional, uma baixa valência, pouca pregnância. A intuição, ao nos utilizarmos desta metáfora, seria a capacidade de percepção do fundo, em sua totalidade. (DAMIÃO, 2003, p. 91-2 )

Assim, a intuição indica tendências para o futuro, a partir de insights derivados da compreensão da totalidade.

As funções racionais são opostas entre si, assim como as funções irracionais são opostas entre si. Se tomarmos por exemplo, uma pessoa que desenvolveu a função pensamento prioritariamente, as funções irracionais seriam funções auxiliares, e a função sentimento, conforme o esquema.

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É importante compreendermos que as funções racionais e irracionais se complementam. Assim, quando uma função racional (pensamento ou sentimento) se diferencia, como função principal, está é auxiliada por uma função secundaria ou terciaria (de acordo com o grau de desenvolvimento) que sera sensação ou intuição. Por mais que tenhamos uma função principal, ao longo da vida temos que desenvolver as outras funções para termos uma relação mais equilibrada com a realidade.

Assim, quando nos referimos a um tipo psicológico, três elementos são necessários para compreendermos um tipo psicológico :

Atitude da libido : Se é introvertido ou extrovertido.

Função Psicológica Principal: o modo preferencial como se relaciona com a realidade

Função Psicológica Secundaria: que complementa a função principal.

Assim teríamos como as 16  as possibilidades possibilidades de combinação da tipologia psicológica.:

Tipo introvertido pensamento – intuição

Tipo Introvertido pensamento – sensação

Tipo Introvertido sentimento – intuição

Tipo Introvertido sentimento – sensação

Tipo Introvertido sensação – pensamento

Tipo Introvertido sensação – sentimento

Tipo Introvertido intuição – pensamento

Tipo Introvertido intuição – Sentimento

Tipo Extrovertido pensamento – intuição

Tipo Extrovertido pensamento – sensação

Tipo Extrovertido sentimento – intuição

Tipo Extrovertido sentimento – sensação

Tipo Extrovertido sensação – pensamento

Tipo Extrovertido sensação – sentimento

Tipo Extrovertido intuição – pensamento

Tipo Extrovertido intuição – Sentimento

Nos próximos posts, discutiremos os tipos básicos (atitude e função principal).

Apresentarei algumas características gerais dos tipos, mas, em hipótese alguma devemos compreender essas características como rótulos, são apenas elementos comuns a esses indivíduos. Vamos começar pelos quatro tipos extrovertidos.

Tipos Extrovertidos

Os tipos extrovertidos se caracterizam por uma peculiar relação com o mundo externo. São como que atraídos pelos objetos, sua energia flui para o objeto.

Tipo pensamento extrovertido

O tipo pensamento extrovertido ou pensativo extrovertido tem como característica fundamental a necessidade de identificar, classificar e ordenar a realidade que o cerca, busca fatos.  Tomam como referência os padrões coletivos de racionalidade e lógica.O pensamento abstrato, subjetivo não são atraentes a esses indivíduos, uma vez que não lógicos, se tornam entediantes, para eles. Sobre esse tipo, von Franz nos diz que esses tipos

Limpam toda a poeira das velhas bibliotecas e  acabam com os fatores que inibem a ciência e que são causados pela desordem,  pela preguiça ou pela falta de clareza na linguagem. O tipo pensativo extrovertido  estabelece a ordem tomando uma posição definida e dizendo: “Quando digo isto  quero dizer isto”. Eles põem ordem clara nas situações exteriores. Num encontro de negócios, o indivíduo dirá que o certo é ater-se aos fatos básicos e depois decidir  como proceder. Um advogado que precisa ouvir todos os relatórios caóticos das partes é capaz de ver, com sua função superior pensamento, quais são os conflitos reais e quais as falsas alegações, conseguindo então uma solução satisfatória para todos. A ênfase será sempre colocada no objeto e não na idéia. (FRANZ, 2002, p. 61)

O tipo pensamento extrovertido  tendem a ser muito exatos, precisos, racionais. Por estarem muito relacionados com os fatos e ordenação dos mesmos eles tendem a parecer autoritários, secos e pedantes. Sua enfâse na racionalidade e no mundo exterior faz com que tenham dificuldades por serem mal compreendidos nos relacionamentos pessoais.

Eu me recordo de um colega de faculdade, que tinha uma característica fortemente marcada pelo pensamento extrovertido, toda apresentação de trabalhos, ele atravessava a fala dos demais dizendo “O que fulano quer dizer é….” isso era constante, era algo que incomodava a todos, para mim, como introvertido que sou, deixava ele falar, já que ele tinha essa necessidade. Até que um dia, outro de nossos colegas, este com um tipo mais prático, que acredito ser sensação introvertido, virou para ele antes do trabalho e disse “se você interromper dizendo ‘o que ele quer dizer é…’ eu juro pra você que eu te encho de porrada lá mesmo, por que ‘não quero dizer’ e ‘estou dizendo’”. Isso foi suficiente para esse amigo pensamento extrovertido  entender que seu habito era incomodo, por mais que suas intenções fossem as melhores possíveis.

O tipo pensamento extrovertido tem uma certa dificuldade tanto para identificar quanto para lidar  com os afetos, que não conseguem muitas vezes expressar, parecendo assim que são frios e indiferentes. O fundamental é compreendermos que apesar de parecerem frios, distantes, o sentimento ocupa um lugar especial que os mobiliza de forma que eles não se dão conta. Mas, falaremos disso em outro momento quando falarmos acerca da função inferior.

Tipo sentimento extrovertido

O tipo sentimento extrovertido é orientado pela avaliação do valor, mérito, importância dos objetos/pessoas. Isso propicia que ele atribua um sentido ou laço afetivo muito claro com a realidade. Segundo von Franz

O tipo sentimental extrovertido caracteriza-se pelo fato de que a sua principal  adaptação é conduzida por uma adequada avaliação dos objetos exteriores e por uma relação apropriada com eles. Por essa razão, esse tipo fará amizades muito facilmente, terá poucas ilusões sobre as pessoas, mas será capaz de avaliar os seus lados positivos e negativos de maneira adequada. São pessoas bem ajustadas, muito razoáveis, que se envolvem amavelmente com o mundo, conseguem o que querem muito facilmente e também conseguem, de alguma forma, levar todos a lhes darem o que elas querem. Elas suavizam o ambiente tão maravilhosamente que a vida transcorre com muita facilidade. Esse tipo é muito  freqüentemente encontrado entre mulheres que de maneira geral têm uma vida familiar muito feliz, entre muitos amigos. Contudo, se de alguma forma estão dissociados neuroticamente, eles agem de maneira um tanto teatral, um tanto mecânica e calculista. Se se vai a um almoço festivo com um tipo sentimental extrovertido, ele dirá coisas como: “Que lindo dia está hoje”; “Estou feliz por vê-lo de novo”: “Não o via há muito”. E ele realmente quer dizer isso! Com essa atitude o ambiente fica cheio de calor e a festa vai em frente. As pessoas se sentem felizes e entusiasmadas.(FRANZ, 2002, p. 69)

Os tipos sentimento extrovertido são muito gentis e afetuosos e fazem questão de expressar o valor, reconhecimento ou  afeto que tem pelas pessoas, o que faz que se preocupem muito com os relacionamentos e circunstâncias sociais. Geralmente, os tipos introvertidos ficam meio sem saber como lidar com essa expressão afetuosa. Muitas vezes, o tipo sentimento extrovertido é taxado como “histérico” ou “histérica” pelo seu modo de agir, o que é um erro enorme, nem todo tipo sentimento é histérico (categoria patológica). Pois, o reconhecimento afetivo expressado pelo tipo sentimento é uma demonstração de algo constatado, não uma tentativa de sedução.

A capacidade do tipo sentimento em avaliar as pessoas, faz com que, muitas vezes, sejam bem claros em suas relações: quando gostam de alguém são como mães protegendo seus filhotes; quando são indiferentes, o são de forma pura e objetiva; quando odeiam alguém, declaram guerra por muitas “gerações”.

Tipo sensação extrovertida

O tipo sensação se caracteriza por uma relação objetiva e prática com o meio circundante. Sua função principal está relacionada com o reconhecimento do espaço imediatamente colocado ao individuo, assim, possuem uma percepção espacial/situacional peculiar. A relação com afetiva ou interpretativa com o meio é segundaria. Esse contato diferenciado com o meio, faz com que ele tenha não só um senso “quase fotográfico” mas, uma habilidade pratica muito diferenciada. Pessoas com a tipologia sensação tem capacidade de resolução de problemas práticos e objetivos muito diferenciada, isto pois, ele não se perde em abstrações, divagações teóricas, é bom ou não fazer, o que importa realmente para ele é identificar : qual é o problema e qual é sua solução. Segundo von Franz,

tipo perceptivo extrovertido é representado por alguém cujo dom e função especializada é sentir e relacionar-se com os objetos externos de uma forma concreta  e prática. Esses indivíduos observam todas as coisas, cheiram tudo e, ao entrarem  num ambiente, percebem quase que imediatamente quantas pessoas estão presentes.  Além disso, eles notam se a sra. fulano de tal estava lá e o que estava vestindo. (…) O tipo perceptivo extrovertido é um mestre em perceber detalhes(FRANZ, 2002, p. 39)

Esse tipo se entedia facilmente com assuntos relacionados a abstratos, contudo, sua percepção diferenciada lhe permite um senso estético muito particular. 

A praticidade e objetividade do tipo sensação faz com que ele pareça não se importar com os outros. Mas, não devemos nos ater as aparências. Pois, os suas ações e como ele as executa demonstram a consideração e o afeto que muitas vezes não percebemos de imediato.

Tipo intuição extrovertida

O tipo intuição extrovertido possui uma observação muito peculiar, cujo foco não está na realidade objetiva, mas, na possibilidade inerente a realidade que se apresenta. O tipo intuitivo está sempre aberto para as possibilidades futuras, para as tendências. Isso não quer dizer que ele “adivinhe” as coisas, mas, que ele está atendo para a configuração da realidade – não seus detalhes; assim, ele tem como um “flash” ou um “insight” das possibilidades objetivas.

Para funcionar, a intuição precisa olhar as coisas de longe ou de modo vago, a fim de captar um certo pressentimento vindo do inconsciente, semicerrar os olhos e não olhar os fatos muito de perto. Se se olhar com muita precisão para as coisas, o foco serão os fatos e o pressentimento não surgirá. É por isso que os intuitivos tendem a ser imprecisos e vagos. A desvantagem de ter a intuição como função principal é que o tipo intuitivo semeia, mas raramente colhe. Assim, por exemplo, se alguém inicia um negócio, surgem geralmente dificuldades iniciais, as coisas não funcionam bem  imediatamente, é preciso esperar um certo tempo para que se torne lucrativo. (FRANZ, 2002, 51-2)

Por estarem mais relacionados com as possibilidades futuras, sua capacidade de se relacionar com o mundo objetivo tende a gerar situações de constrangimento ou parecer que ele é uma pessoa muito desatenta ou desleixada. Tenho um bom amigo com essas características  intuitivas bem acentuadas, ele era capaz de ir para a universidade de carro e simplesmente voltar de ônibus para casa (e somente se recordar que foi de carro, perto de casa) – fato que se repetiu algumas vezes; situações que acabam se tornando folclóricas. A relação com o espaço é algo bem interessante do tipo intuitivo, eu tive o prazer de ter aula com uma professora intuição extrovertida, era como se ela captasse os anseios da turma, fazendo da aula um show, por outro lado, quando ela passava, era como se um furacão passasse, pois, ela derrubava tudo, esbarrava em tudo, teve uma cena engraçada, pois o data show não funcionava, depois de algum tempo tentando resolver a situação,  eu notei o problema – a tomada não estava ligada.  Um detalhe objetivo e pratico, mas, para o intuitivo não é muito atrativo.

Poderíamos dizer, que enquanto o tipo sensação desloca-se no espaço objetivo, o tipo intuitivo extrovertido desloca-se no tempo. São criativos, visionários, mas, não se atém ao aspecto prático da realidade, muitas vezes não se dão conta do próprio corpo.

Tipos introvertidos

Os tipos introvertidos se caracterizam por evitar meio externo, isto é, a energia recua diante dos objetos, como se, o individuo se sentisse ameaçado pelo meio. De forma geral, a impressão ou representação que têm dos objetos lhes são mais importantes do que os objetos em si. Falar dos tipos introvertidos é mais complicado, pois, no geral, eles se voltam para seu mundo interior se expondo pouco, leva mais tempo para identificar a função de um tipo introvertido

Tipo pensamento introvertido

O tipo pensamento introvertido se caracteriza por valorizar sobre tudo as ideias. Os fatos são sempre menos importantes que as ideias, estão sempre buscando os conceitos e os fundamentos das ideias. Marie-Louise que também pertencia a essa categoria, nos descreve bem esse tipo,

Pertence ao tipo pensativo introvertido alguém que diria que não se parte dos fatos, mas, primeiramente, se esclarecem as ideias. O seu desejo de ordenar a vida se exterioriza pela ideia de que, se alguém começar errado, jamais chegará a lugar algum. Primeiro é necessário conhecer as ideias a serem seguidas e de onde elas vêm; é preciso eliminar a estupidez, cavando nas profundidades do pensamento. Toda a filosofia está preocupada com os processos lógicos da mente humana, com a construção de idéias. Esse é o domínio em que o pensamento introvertido mais atua. Na ciência, são essas pessoas que permanentemente estão tentando evitar que os seus colegas se percam em experimentos e que, de vez em quando, tentam voltar aos conceitos básicos e perguntam o que de fato estamos fazendo mentalmente. (Franz, 2002,p)

O tipo pensamento visa a logica das ideias e dos conceitos. Muitas vezes, no meio de uma discussão é o que se volta para os “princípios fundamentais”, questiona se os dois estão “falando do mesmo assunto”, dá muito valor as palavras, não pela forma estética, mas, pela idéia que elas representam.  Geralmente produzem “teorias” sobre tudo, muitas vezes ignorando os fatos concretos.

Tipo sentimento introvertido

O tipo sentimento introvertido caracteriza-se por seu julgamento diferenciado de pessoas e valores. Contudo, não há uma expressão formal desses julgamentos. Seu caráter introvertido faz parecer ser apáticas, um pouco mornas, distantes. Em suas relações, as pessoas não conseguem perceber o quanto significam para pessoas dessa tipologia. Essas pessoas são percebidas como corretas, éticas, bem quistas, fiéis, mas, muitas vezes deslocam-se pela vida sem deixar grandes impressões. Quando se permitem se destacar na vida, elas são pessoas admiradas, respeitadas pela forma quase que impecável de de lidar com outros, mas, são sempre vistas como enigmáticas.

Sobre esse tipo, von Franz nos fala,

É um tipo muito difícil de ser entendido. Jung, nos Psychological Types, afirma que a expressão “as águas paradas correm no fundo” se aplica a esse tipo. Pessoas desse tipo têm uma escala altamente diferenciada de valores, mas não os expressam exteriormente; são afetadas por eles no íntimo. É freqüente achar-se o tipo sentimental introvertido nos bastidores de acontecimentos importantes e valiosos, como se o seu sentimento introvertido lhes tivesse dito “o importante está aqui”. Com uma espécie de lealdade silenciosa e sem nenhuma explicação, eles surgem em lugares onde valiosos e importantes fatos interiores, constelações arquetípicas, são encontrados. Exercem também uma secreta influência positiva à sua volta, estabelecendo padrões. Os outros os observam e, embora não digam nada porque são muito introvertidos para se expressarem muito, eles estabelecem padrões. Assim, por exemplo, o tipo sentimental introvertido muito freqüentemente forma a base ética de um grupo: Sem irritar os outros com a pregação de preceitos morais ou éticos, ele próprio tem padrões éticos tão corretos que emanam secretamente uma influência positiva sobre aqueles que estão à sua volta; as pessoas têm de se comportar corretamente porque o tipo sentimental introvertido possui a espécie correta de padrão de valores, o que, sugestivamente, sempre força as pessoas a serem decentes se eles estão presentes. O seu sentimento introvertido diferenciado sente interiormente qual o fator de real importância. (FRANZ, 2002, p.75-6)

Tipo sensação introvertida

O tipo sensação introvertido se caracteriza por uma relação diferenciada com o meio, ele e impactado pelo meio. É como se o meio o invadisse os sons, odores, cores, formas. Mas, esse tipo fica como que impassível, não transborda ou expressa claramente essa relação com o meio. Esse tipo, é tão enigmático e quase insondável quanto o sentimento introvertido. Sobre esse tipo, von Franz nos diz

Há muitos anos, no Psychological Club, tivemos uma reunião na qual os membros, em lugar de apenas citarem o livro de Jung sobre os tipos, foram instados a descreverem os seus tipos com as suas próprias palavras. Eles deviam descrever a sua experiência da própria função superior. Nunca esquecerei o depoimento dado pela Sra. Jung. Somente após tê-la ouvido é que senti haver entendido o tipo perceptivo introvertido. Fazendo a descrição de si mesma, ela disse que o tipo perceptivo introvertido era como uma chapa fotográfica, altamente sensível. Esse tipo, quando alguém entra numa sala, percebe o modo como a pessoa entra, o cabelo, a expressão do rosto, as roupas e a maneira de caminhar. Tudo isso dá uma impressão muito precisa do tipo perceptivo introvertido; cada detalhe é absorvido. A impressão vem do objeto para o sujeito; é como se uma pedra caísse em águas profundas — a impressão cai mais fundo, mais fundo, e afunda. Por fora, esse tipo mostra-se totalmente estúpido. Ele apenas se senta e olha, e não se sabe o que está
acontecendo dentro dele. Fica parecido com um pedaço de madeira, sem nenhuma reação — a não ser que reaja através de uma das funções auxiliares: pensamento ou sentimento. Porém, interiormente, a impressão está sendo absorvida.

O tipo perceptivo introvertido, portanto, dá a impressão de ser muito lento, o que não é verdade. O que acontece é que a reação interna, que é rápida, caminha por baixo, e a reação externa se exterioriza de maneira atrasada. Assim é o jeito dessas pessoas; se lhes contamos uma piada pela manhã, provavelmente só irão rir à meia noite. Esse tipo muitas vezes é mal interpretado e mal entendido pelos outros, porque não se compreende o que acontece com ele. Se conseguir expressar as suas impressões fotográficas artisticamente, eles poderão reproduzi-las através de pinturas ou por escrito. Tenho uma forte suspeita de que Thomas Mann era um tipo perceptivo introvertido. Ele descreve todos os detalhes de uma cena e nas suas descrições expressa plenamente a atmosfera de um ambiente ou de uma personalidade. Essa é uma espécie de sensibilidade que absorve os menores matizes e os mais íntimos detalhes. (Franz, 2002, p.46-7)

Para mim falar do tipo sensação introvertido me remete a várias lembranças, pois, minha esposa é sensação introvertido. E assim, eu pude aprender melhor essas peculiaridades. Eu me recordo de dois momentos onde o traço sensação se colocou muito presente. Num desses momentos foi quando fizemos especialização juntos, em algumas aulas foi no intervalo quando ela me falava de como estava irritada com as murmurinhos de conversas paralelas que a atrapalhavam prestar atenção (isto porque, sua atenção é guiada pela função principal, que prioritariamente mapeia o meio, como um radar)– depois, que ela me chamou atenção para isso, que no retorno do intervalo, eu percebi que realmente havia alguns alunos que não paravam de falar no fundo. Eu não havia percebido nada. Isso porque sou tipo pensamento com função auxiliar intuição. Com os anos de convívio, eu me apercebi do quanto minha percepção com o meio era(ou é) deficiente.

Outra cena que me deixou me chamou a atenção para essas características do tipo sensação, foi durante uma aula de terapia de casal, onde fomos convidados a um exercício onde um deveria “imitar” o outro, em suas ações, falas, trejeitos etc… quando ela começou a me imitar, foi absurdamente estranho, foi como me olhar no espelho. Ninguém conseguia segurar a gargalhada, pois, ela reproduziu com exatidão meu jeito de sentar, falar, vícios de linguagem, enfim, era meu espelho. Não tivemos muito tempo para preparar nada, era improviso, mas, ela me reproduzia em detalhes que nem eu mesmo percebia. Nem preciso dizer o fiasco que foi a imitação, eu reles e  tipo pensamento – intuição introvertido, me vi incapaz desse tipo de reprodução da realidade.

Tipo intuição introvertida

A função intuição introvertida possui como característica uma capacidade de apreensão da realidade intimamente relacionada com tendências futuras. Sua característica introvertida faz com que sua intuição se volte para um campo subjetivo que muitas vezes identificamos como “espiritual”. São pessoas que passam pela vida sem se apegar ao concreto, percebendo a tendências como “vontade divina”.  O tipo intuitivo é encontrado frequentemente em pessoas que vivem de modo excêntrico, que aderem a uma realidade simbólica que se distancia da realidade prática e concreta dos fatos. Os “sinais” são mais importantes que os fatos. Seu caráter introvertido, faz com que não tenhamos clareza dos significados atribuídos inconscientemente aos fenômenos, fatos e pessoas.

Segundo von Franz,

O tipo intuitivo introvertido tem a mesma capacidade do intuitivo extrovertido no sentido de pressentir o futuro, fazendo as conjeturas ou as premonições certas sobre as possibilidades futuras, ainda não vistas, de uma situação. Contudo, a sua intuição é voltada para dentro e ele é primariamente o tipo do profeta religioso, o tipo do vidente. Num nível primitivo, ele é o xamã que sabe o que os deuses, os espectros e os espíritos ancestrais estão planejando e que transmite as suas mensagens à tribo. Na linguagem psicológica, poderíamos dizer que ele conhece os lentos processos que ocorrem no inconsciente coletivo, as mudanças arquetípicas, e que os comunica à sociedade.(…)(FRANZ, 2002, 54-55)

O intuitivo introvertido freqüentemente é tão inconsciente no que diz respeito a fatos externos que os seus relatos têm de ser tratados com o maior cuidado. Assim, embora não minta conscientemente, ele pode contar as mais espantosas mentiras simplesmente porque não percebe o que está bem à sua frente. Muitas vezes desconfio dos relatos sobre fantasmas, por exemplo, ou parapsicológicos, por essa razão. Os intuitivos introvertidos se interessam muito por esses campos, mas por causa da sua fraqueza em observar os fatos e da sua falta de concentração nas situações externas podem contar os maiores disparates e jurar que são verdadeiros. Eles passam por um número absolutamente espantoso de fatos externos e não os
assimilam.(Ibid, p.56-7)

O tipo intuição introvertido são pessoas tem um contato com o mundo dos arquétipos (muitas vezes, expressos na religiosidade), isso possibilita que eles tenham abertura ao mistério da vida, sendo promotores de reavivamentos espirituais em suas comunidades.

Neste post apresentamos de forma breve uma compreensão básica dos tipos psicológicos, devemos considerar falamos sobretudo da função principal, quando lidamos na realidade associar elementos da função principal e da função segundaria para percebermos é a tendência geral de relação desse individuo.

outubro 27, 2010 4:09 pm por Fabricio | Editar

Ao longo desses posts acerca dos tipos psicológicos discutimos acerca do papel da tipologia junguiana para um perspectiva epistemológica; acerca das atitudes (introversão e extroversão) e das funções psicológicas (pensamento, sensação, sentimento e intuição).  Nesse post, nosso foco será função inferior.

Jung chamou de “função inferior” a função psíquica menos desenvolvida, isto é, a que ao longo do desenvolvimento foi menos utilizada, por ser oposta a função principal. Devido a isto, a função inferior ocupa um espaço menor na consciência, na maioria das vezes, a atitude e funcionamento do Ego ignora a função inferior, deixando-a num estado quase bruto ou primitivo, ficando assim muito mais próxima do inconsciente.

“Nossa esfera consciente é como uma sala com quatro portas, e a quarta porta será aquela através da qual entrarão a sombra, o animus, a anima e a personificação do Si-mesmo. Não entrarão com tanta freqüência pelas outras portas, o que é, de certa maneira, evidente, porque a função inferior está tão próxima do inconsciente, e permanece tão selvagem e inferior, que ela é naturalmente o ponto fraco da consciência através do qual as figuras do inconsciente podem forçar a penetração. Na consciência ela é vivenciada como um ponto fraco, como aquela coisa desagradável que nunca nos deixa em paz, mas que sempre causa problemas, porque todas as vezes que sentimos que adquirimos certo equilíbrio ou ponto de vista interior, alguma coisa dentro ou fora de nós acontece, que nos desequilibra novamente, e isso sempre se á através da quarta porta, a que não conseguimos fechar. Podemos manter fechadas as três portas do aposento interno, mas, na quarta porta a chave não funciona, e ali, quando menos esperamos, o inesperado mais uma vez se manifesta.  Graças a Deus, podemos dizer, caso contrário todo o processo da vida se petrificaria e estagnaria em um tipo errado de consciência. Ela é a ferida da personalidade  consciente que nunca fecha, mas através dela o inconsciente pode entrar, expandir a consciência e produzir nova experiência”. (FRANZ,1999, 136-7)

Desse modo, devemos compreender que a função inferior é considerada um  risco para o individuo na medida em que não a controlamos, já que em grande parte estamos inconscientes dela. Por outro lado, é justamente o nosso ponto fraco que se torna nossa possibilidade de desenvolvimento, pois, ao lidarmos com a função inferior, estamos nos abrindo movimento do inconsciente em nós mesmos.

Von Franz nos chama atenção para o fato que é através da quarta função ou função inferior, que o inconsciente penetra no mundo da consciência. Isso significa uma tendência das figurações do inconsciente(sombra, self, anima e animus) se associar a função inferior, assumindo assim o aspecto desta ultima. Isso se torna claro quando o inconsciente se projeta, seja pela sombra ou pela anima/us, pois, no caso da sombra a pessoa sobre a qual se recai a projeção, será julgada não só pelos atributos da sombra(lembrando que a tendência natural é que a sombra se projete em pessoas do mesmo sexo), mas, pelo preconceito consciente. Por ex., um tipo pensamento introvertido, terá uma forte tendência a julgar uma pessoa sentimento extrovertido como uma pessoa superficial, desprovido raciocínio, imatura, dado a “ataques emotivos”, ou cheio de “estrelismos”, isso devido a incapacidade de compreender o funcionamento do tipo oposto, por outro lado, quando falamos da anima ou do animusassociada a função inferior, podemos compreender alguns casais “incomuns” que se foram aparentemente opostos, mas, que se completam.

É importante a gente entender, que nesses casos, apesar desses relacionamentos permitir um relacionamento com a anima/função inferior, eles são “desejáveis”, pois, se pautam numa inconsciência, na projeção do inconsciente. Mais cedo ou mais tarde esta projeção deve ser assimilada, ou seja, deve ser incorporada, pois é necessária ao desenvolvimento do Si-mesmo. Quando ela está projetada, o individuo muitas vezes não se confronta com esses aspectos em si mesmos, se tornando de certo modo dependente dessa outra pessoa.

Compreender a dinâmica da função inferior não significa “controla-la” mas, sim respeita-la. Isto é, quando compreendermos nossa função inferior e a dos outros poderemos ser mais tolerantes com os outros e ficarmos atentos as nossas projeções. Nos possibilita o exercício de humildade de reconhecermos que em nós há aspectos que não somos hábeis e que nos incomodamos com pessoas que têm desenvolvida a nossa função inferior, justamente, por ser nosso calcanhar de Aquiles.

Assim, devemos fazer uma breve descrição da função inferior:

Função inferior dos tipos Racionais

Pensamento Extrovertido Inferior (do tipo sentimento introvertido). A função pensamento se caracteriza por avaliar e identificar os objetos e situações.  O pensamento extrovertido inferior do tipo sentimento introvertido, tende a ligado com a variedade dos fatos que acontecem no mundo exterior. Apesar do tipo sentimento introvertido ser “silencioso”, “quieto” ou “na dele” tende a apresentar uma série de interesses diversificados. Pelo pensamento não ser bem desenvolvido, a tendência é ter uma certa dificuldade a lidar com essa variedade de opções, isto é, tendo uma certa dificuldade para estabelecer prioridades, por outro lado, o pensamento extrovertido, pode se caracterizar ao que von Franz chamava de “monomania”, isto é, eles apresentem ou possuem poucas idéias básicas (como premissas) e com as quais são capazes de produzir um grande volume de material.

Pensamento Introvertido Inferior (do tipo sentimento extrovertido) –  O pensamento introvertido inferior se manifesta muitas vezes através de pensamentos que invadem a consciência do tipo sentimento extrovertido. Esses pensamentos tendem a ser negativos/depreciativos geralmente relacionados a si mesmos, achando-se incapazes, errados, incompetentes. Muitas vezes, esse tipo tende a evitar ficar sozinho, para não ser tomado ou invadido pelos pensamentos inferiores.

Sentimento Introvertido Inferior (do tipo pensamento extrovertido) – O tipo sentimento introvertido possui uma manifestação muito discreta, no geral, aparece como uma fidelidade (quase devocional), apesar desse tipo não expressar seus sentimentos, quando ele avalia algo como justo ou bom, essa avaliação o guia de modo quase infantil. Na maioria das vezes, o individuo não se dá conta.  Quando ama, esse individuo ama de forma profunda e verdadeira, mas, o mais provável é que a pessoa amada perceba esse amor, pois, esse amor não encontra vias de expressão.

Sentimento extrovertido Inferior (do tipo pensamento introvertido) –  “O sentimento extrovertido, sua função compensatória, atormentará os casos extremos desse tipo [pensamento introvertido] com reações emocionais bizarras e inadequadas, e com avaliações errôneas e ingênuas  em relação as pessoas. Podem ser egoístas sentimentais que ignoram de modo desumano os sentimentos daqueles próximos a eles, em nome do amor pela humanidade ou a serviço de uma grande idéia” (WHITMONT, 1995, p.135)

O tipo pensamento introvertido é tomado por ondas de emoções que o levam a reações inadequadas ou excessivas ou infantis. Por ser extrovertida, sempre será direcionada a uma situação ou objeto externo, geralmente tem dificuldades para avalia-los. 

Função inferior dos tipos irracionais

Intuição Introvertida Inferior (do tipo sensação extrovertido) – “esse tipo está cheio de intuições negativas sobre si próprio e normalmente projeta sobre os outros. Ele vivencia então as intuições projetadas sob a forma de vagos ciúmes, ansiedades e medos, superstições e pressentimentos.  (WHITMONT, 1995, p. 135)

Assim, a intuição introvertida inferior se caracteriza por intuições negativas e muitas vezes equivocadas. Por outro lado, quando se manifesta de uma forma produtiva, podemos notar nesses indivíduos sensação extrovertidos, no geral tão pragmáticos, um interesse incomum por assuntos como o sobrenatural, histórias de fantasmas, ficção e seitas esotéricas. Quando guiados pela função inferior, são convincentes acerca desses assuntos. Quando retornam, a função principal, eles riem e fazem como se não fosse importante, se atendo a realidade objetiva. No geral, o mundo arquetípico penetra em sua realidade através dessas crenças religiosas, esotéricas ou superstições, as quais ele não pode ignorar.

Intuição extrovertida inferior (do tipo sensação introvertido) – A intuição extrovertida inferior do tipo sensação está direcionada para a relação objetiva com o mundo exterior. Isso significa, que os acontecimentos relacionados ao mundo exterior dispararão essa intuição.  Por ser inferior, essa intuição tende a ser negativa e, quando o individuo é muito inconsciente desse caráter, pode se tornar  pessimista em relação a realidade exterior. Criando muitas vezes expectativas que fogem um pouco a realidade.

Sensação Introvertida Inferior (do tipo Intuição Extrovertido) – a sensação introvertida inferior do tipo intuição extrovertida, se caracteriza por uma dificuldade na auto-percepção. Isto é, não conseguem perceber as sensações do próprio corpo, como se estivessem desconectados. A tendência é não se atentar para os cuidados básicos do corpo ou em perceber seus limites corporais, seja com alimentação, cansaço. A sensação inferior implica uma dificuldade de perceber e se relacionar tanto com os movimentos do inconsciente quanto com  a relação com o corpo.

Sensação  extrovertida Inferior ( do tipo Intuição introvertido) –  A sensação inferior se caracteriza por uma relação inadequada com o campo relacional próximo, imediato, podendo ser interior ou exterior. No caso da sensação extrovertida, há uma tendência há um contato inadequado com a realidade o individuo não percebe o que está próximo, derrubando as coisas, no geral, o individuo é visto como distraído, desatento, pois sua relação objetiva é pouco desenvolvida.

Algumas Considerações Finais

É importante termos atenção para alguns aspectos básicos que podem comprometer a aplicação dos tipos psicológicos na pratica do dia a dia :

1-Não existe “tipo puro”, por isso, quando descrevemos a tipologia nos referimos a uma tendência prioritária. Mesmo um individuo muito “unilateral”, possui uma função auxiliar que complementa sua atitude. Ou seja, é tão importante saber qual é a função secundária quanto a função principal. Pois, são dois aspectos complementares : como o individuo avalia ou julga a realidade (função racional)  e como ele percebe a realidade(função irracional).

2 – Quando a função terciaria é pouco desenvolvida ela pode possuir as mesmas características da função inferior. Assim, não podemos ter uma visão rígida acerca da tipologia, não é uma classificação, mas, uma compreensão dinâmica do funcionamento da consciência.

3 – A tipologia pode “mudar” na medida em que o individuo se empenhe em desenvolver da função secundária e terciária. O individuo poderá ter uma capacidade mais ampliada de lidar com a realidade.

4  – A função inferior está sempre fora do domínio do Ego e da consciência. O que podemos fazer é justamente dar espaço para experimentarmos o inconsciente através da função inferior (para não sermos tomados de assalto por ela), por exemplo, um tipo pensamento pode dar espaço a função inferior através  de filmes (comédias românticas, dramas),ou um tipo intuição através de trabalhos manuais (como argila), a tipo sensação se permitir o contato com o sagrado das religiões,  são possibilidades de dar espaço a função inferior, pois, no geral, a tendência é a negação dessa função.

5 – Percebemos a função principal de uma pessoa é importante para não atacarmos a sua função inferior. Pois, é o ponto fraco de uma pessoa, onde ele se defenderá  com unhas e dentes. A forma mais prática (e mais adequada) quando percebemos uma excessiva unilateralidade da função principal é usar as funções auxiliares(secundárias ou terciarias), pois, no geral, possibilitam um reavaliação de uma dada situação sem que o individuo se sinta tão inseguro.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS,

FRANZ, Marie-Louise von, Psicoterapia. .São Paulo: Paulus, 1999.

WHITMONT, Edward C. A busca do símbolo. Cultrix; São Paulo, 1995

SILVEIRA, Nise. Jung Vida e Obra. 19.ed., São Paulo: Editora Paz e Terra S.A., 2003.

JUNG, C.G. Tipos Psicológicos Petrópolis, RJ: Vozes, 1991

SHARP, D. Léxico junguiano. São Paulo: Cultrix, 1997.

JUNG, C.G. Freud e a Psicanálise. Petrópolis: Vozes, 1989.

EVANS,R.Entrevistas com Jung e as Reações de Ernest Jones.Rio de janeiro:eldorado,1973.

JUNG, C.G. Tipos Psicológicos. Petrópolis: Vozes, 1991.

FRANZ, Marie-Louise von, A Função Inferior, in  FRANZ, Marie-Louise von et HILLMAN, James. A Tipologia de Jung . 3ª ed.São Paulo: Cultrix, 2002.

DAMIÃO, Maddi, Jr. A Psicologia da Matemática e a Matemática da Psicologia. Tese (Doutorado em Psicologia) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, 2003.

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Fabricio Fonseca Moraes (CRP 16/1257)

Psicólogo Clínico de Orientação Junguiana, Especialista em Teoria e Prática Junguiana(UVA/RJ), Especialista em Psicologia Clínica e da Família (Saberes, ES). Membro da International Association for Jungian Studies(IAJS). Formação em Hipnose Ericksoniana(Em curso). Coordenador do “Grupo Aion – Estudos Junguianos”  Atua em consultório particular em Vitória desde 2003.

Contato: 27 – 9316-6985. /e-mail: fabriciomoraes@yahoo.com.br/ Twitter:@FabricioMoraes

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Algumas palavras sobre símbolos e função transcendente

 

11 de setembro de 2010

O símbolo é o conceito que melhor representa a compreensão da psicologia junguiana acerca da psique. Etimologicamente, símbolo vem da palavra grega symbolon, do verbo symballein que seria lançar com, arremessar ao mesmo tempo, também sendo usado para exprimir um acordo ou uma senha que possibilitaria o reconhecimento de iguais que se separaram.

A função psíquica do símbolo é semelhante à expressa historicamente na cultura: reconhecer e unir. Os símbolos “[…] são tentativas naturais de lançar uma ponte sobre o abismo muitas vezes profundo entre os opostos, e de equilibrar as diferenças que manifestam” (JUNG, 2000, p. 259). Assim o símbolo é como uma ponte que aproxima o inconsciente e a consciência. E, como uma ponte, o símbolo possui uma face que é apreendida pela consciência e outra que é inconsciente, dessa forma o símbolo nunca é totalmente apreendido pela razão, isto é, pela consciência.

Assim, por possuírem um aspecto inconsciente os símbolos possibilitam o trânsito da energia psíquica entre a consciência e o inconsciente, além de possibilitar a transformação da energia de uma forma de manifestação para a outra, disponibilizando energia para a atuação da vontade consciente.

Os símbolos expressam uma totalidade psíquica que é simultaneamente pessoal, cultural e arquetípica. Isso confere ao símbolo uma riqueza de significados que não permitem sua delimitação. Quando se tenta demarcar o sentido do símbolo, este torna-se um sinal.

Um sinal sempre aponta para uma idéia consciente […] Um sinal é sempre menos do que a coisa que quer significar, e um símbolo é sempre mais do que podemos entender a primeira vista. Por isso não nos detemos diante de um sinal, mas vamos até o objetivo para o qual aponta; no caso do símbolo, porém, nós paramos porque ele promete sempre mais do que revela (JUNG, 2000, p.215).

Os símbolos coletivos são expressos por meio da cultura unindo a consciência coletiva ao inconsciente coletivo. Esses símbolos expressam o espírito da época (zeitgeist), nos possibilitando compreender a dinâmica das massas e das nações. Por outro lado, os símbolos pessoais nos falam da dinâmica do indivíduo, mesmo que esse símbolo tenha uma moldura marcadamente cultural.

Quando um símbolo se manifesta à consciência, abre a possibilidade de uma mudança da atitude desta, por exemplo, um indivíduo que sonha que sofreu acidente de carro e ao acordar repensa a forma como conduz sua vida, ou minimamente, passa a dirigir com mais cautela, por ter a imagem do acidente em sua mente. O conteúdo simbólico do sonho possibilitou uma mudança nesse indivíduo.

Os símbolos, como os sonhos, são produtos da natureza, mas eles não aparecem só nos sonhos; podem s urgir em qualquer forma de manifestação psíquica: existem pensamentos, sentimentos, ações e situações simbólicos, e muitas vezes parece que não só o inconsciente mas também objetos inanimados se arranjam de acordo com os modelos simbólicos (JUNG, 2000 , p. 214).

Os símbolos podem surgir no contexto de um conflito neurótico, se opondo à atitude da consciência. Não que o símbolo seja patológico ou mesmo patogênico, mas sim a atitude da consciência. Para haver mudança é necessário que haja um símbolo constelado. Dessa forma, a psicoterapia só é eficaz se possibilitar a relação simbólica do indivíduo com consigo mesmo. Em outras palavras, é necessário que a psicoterapia seja simbólica para o cliente, de modo que favoreça seu processo de individuação.

Neste contexto, é que podemos falar da função transcendente.

Jung define a função transcendente, assim, como a “união de conteúdos conscientes e inconscientes”, “a reconciliação” dos pares de opostos e a partir desta reconciliação uma nova coisa é sempre criada , uma nova coisa é realizada. Este processo não lida somente com “conteúdos” mas como se depreende é a interação e integração em um todo, múltiplo e dinâmico, do inconsciente com o consciente. Isto é a função transcendente, que “nasce da união dos opostos”.

O símbolo como se verá desfaz a dicotomia entre externo e interno, pois este passa a ser uma “incarnação”(sic) do psiquismo como uma totalidade não fragmentada, ou seja, o símbolo reúne em sua constituição todas as possibilidades de compreensão e reúne os opostos em uma unidade não fragmentada. (DAMIÃO, 2003, p.42)

Dessa forma, falar em símbolo é necessariamente falar em função transcendente, pois símbolo e função transcendente exprimem a mesma dinâmica, em proporções diferentes. O símbolo está diretamente relacionado a uma dinâmica energética basal – necessária para a manutenção do psiquismo, já a função transcendente está relacionada ao processo de desenvolvimento do psiquismo, que exige uma ação da consciência.

(…)A “confrontação do eu com o inconsciente” é um processo de estabelecimento de uma atitude e não apenas de entendimento, pois o Ego torna-se a partir de então fruto deste “confronto”.

Quando se consegue formular o conteúdo inconsciente e entender o sentido da formulação, surge a questão de saber como o Ego se comporta diante desta situação. Tem, assim, início a confrontação entre o Ego e o inconsciente. Esta é a segunda e a mais importante etapa do procedimento, isto é, a aproximação dos opostos, da qual resulta o aparecimento de um terceiro elemento que é a “… a função transcendente que é o resultado da união dos opostos”, ou seja, o próprio símbolo. (DAMIÃO, 2003, p. 52)

A função transcendente é um símbolo que marca o confronto e a união de opostos, seu objetivo não é a transformação de energia, mas a unidade psíquica, ou seja, a função transcendente é um símbolo unificador, que intimamente relacionado com o processo de individuação.

Referencias

JUNG, Carl Gustav, A Natureza da Psique. Petrópolis: Vozes, 5. Ed. 2000.

DAMIÃO, Maddi, Jr. A Psicologia da Matemática e a Matemática da Psicologia. Tese (Doutorado em Psicologia) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, 2003.

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Fabricio Fonseca Moraes (CRP 16/1257)

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Algumas palavras sobre o “Self” ou “Si-Mesmo”*

 

31 de agosto de 2010

O arquétipo do Self ou Si-mesmo é o principal arquétipo. O Self é descrito na psicologia junguiana como o arquétipo da totalidade e o centro regulador da psique. Segundo, Jung o Self “ […]não é apenas o ponto central, mas também a circunferência que engloba tanto a consciência como o inconsciente. Ele é o centro dessa totalidade, do mesmo modo que o eu é centro da consciência” (JUNG, 1994,p. 51)

O Self compreende em si a possibilidade das possibilidades humanas. Jung discutiu o Self e sua função na vida adulta, como um divisor de águas entre a primeira e a segunda metade da vida, no processo de individuação. Outros autores junguianos discutiram o Self no inicio da vida, como Michael Fordham e Erich Neumann. Neste trabalho, iremos propor um dialogo entre a compreensão de Fordham e Neumann. Pois, segundo Samuels,

é possível dizer que cada teoria é metade de um todo. Em uma visão conjunta, os modelos de Fordham e Neumann permitem que falemos de uma abordagem “junguiana” do desenvolvimento inicial com importantes diferenças de opinião(…). (SAMUELS, 1989, p.193)

Segundo Fordham, compreende que desde o inicio a criança nasce com o potencial arquetípico do Self, contudo o processo de desenvolvimento de ocorre por um processo de que ele chamou dedeintegração e reintegração.

O modelo de Fordham descreve como o Si-mesmo “de-integra-se” ou dividi-se espontaneamente em partes. Cada parte ativa ou é ativada pelo contato com o meio ambiente e posteriormente reintegra a experiência por meio do sono, da reflexão ou de outras formas de digestão mental a fim de se desenvolver e crescer. Em termos mais concretos, uma parte do Si-mesmo do bebê é energizada de dentro para lidar com uma situação externa, talvez porque esteja com fome (ele chora) ou porque o cuidador apareceu em seu campo (a mãe sorri e fala com o bebê). Este tipo de intercâmbio, que nos primeiros dias ocorre com maior freqüência entre o bebê e sua mãe ou outros cuidadores, é imbuído de uma variedade de experiências qualitativas – por exemplo, pode haver uma boa refeição, com uma mãe disposta e atenciosa, ou uma refeição perturbada, ou uma refeição na qual a mãe esteja emocionalmente ausente. A qualidade da experiência é reintegrada no Si-mesmo, com resultantes modificações na estrutura e repertório do Si-mesmo, levando assim ao desenvolvimento do Ego, já que o Ego é o “de-integrado” mais importante do Si-mesmo. (SOLOMON, 2002, p. 139-40)

De acordo com o modelo de Fordham, a partir dos estímulos que a criança vai receber, vão sendo constelados os equivalentes psíquicos/arquetípicos de recepção e reação, que vão configurar a Psique pessoal.

A evocação dos arquétipos e a correlativa liberação de desenvolvimentos psíquicos latentes não são processos apenas intrapsíquicos; eles ocorrem num campo arquetípico que abrange o dentro e o fora, e que inclui sempre, e pressupõe, um estímulo exterior- um fator proveniente do mundo. (NEUMANN, 1995, p.68)

A relação entre o mundo exterior e interior vai constelar os arquétipos necessários naquele momento. Segundo von Franz,

Cada arquétipo é um sistema energético relativamente fechado, a veia energética pela qual correm todos os aspectos do inconsciente coletivo. (…) Um arquétipo é um impulso psíquico específico que produz seus efeitos como um único raio de irradiação e, ao mesmo tempo, um campo magnético expandindo-se em todas as direções. Então, a energia psíquica de um “sistema” particular de um arquétipo está em relação com todos os arquétipos. (FRANZ, 1990, p11)

O movimento de deintegração e reintegração, ocorre durante toda a vida, sendo regido pelo Self, que “incita a este movimento para diante, e, se necessário, o realiza com força inexorável”.(NEUMANN, 2000, p.228).

Este movimento do Self, de ordenar e buscar a integração ou o desenvolvimento da Psique é chamado de processo de individuação. Jung se dedicou ao estudo do processo de individuação na meia idade onde ele pode ser percebido de forma mais clara, contudo, deve-se notar que na primeira infância este processo já se manifesta através da formação e estabelecimento do Ego. Entretanto, apesar da dinâmica e do processo de “centroversão” – como Neumann denominou – apresentar semelhanças na primeira infância e na vida adulta, não devemos considerar este como um “processo de individuação”, mas como o “processo integração do Ego”.

Ao longo da vida, o Self atua como um princípio homeostático ou regulador da Psique, no longo processo de desenvolvimento psíquico – que não se estanca com a maturidade, mas pode se desenvolver até o fim da vida.

Neumann nos chama a atenção para um ponto importante da participação do Self ao longo da vida, segundo ele

é muito útil entender uma das leis fundamentais da psique: o Self sempre se “disfarça” ou se “veste” como o arquétipo da fase para qual o progresso deve avançar. Ao mesmo tempo, o arquétipo dominante anteriormente é constelado de tal modo que seu lado “negativo” aparece. (ibid, p. 229)

Desse modo, cada constelação arquetípica e a necessidade de sua assimilação faz parte da dinâmica do Self, que se atualiza na vida individual. Assim, a neurose é um dinamismo psíquico que visa uma mudança de atitude do Ego, isto é, é uma expressão do processo de equilibração. Em outras palavras, a neurose é uma dinâmica que reflete o Self, uma vez que visa o reequilíbrio da dinâmica psíquica.

O Self é o ponto de partida do desenvolvimento do psiquismo e para onde esse desenvolvimento se dirige. No inicio o Self se apresenta como a possibilidade das possibilidades do desenvolvimento bio-psíquico humano, posteriormente, ele se manifesta como a concretização das possibilidades daquele indivíduo histórico.

* O texto deste post, foi retirado de minha monografia da especialização em “Teoria e Prática Junguiana”, denominada “ O lugar da Persona”. É um trecho do capitulo onde apresento a teoria junguiana, aqui eu fiz pequenas adaptações. Esta monografia foi orientada pela Prof. Dra. Elisabeth C.C.Mello.

Referências Bibliográficas

FRANZ, Marie-Louise von, A Interpretação dos Contos de Fada, São Paulo: Ed. Paulus , 1990.

JUNG, Carl Gustav. Psicologia e Alquimia. Petrópolis: Vozes, 3. ed. 1994.

NEUMANN, Erich História da Origem da Consciência, São Paulo: Cultrix Editora, 1995.

_______________, O Medo do Feminino – E outros ensaios sobre a psicologia feminina, São Paulo: Paulus, 2000.

SAMUELS, Andrew, Jung e os Pós-junguianos, Rio de Janeiro: Imago Ed., 1989.

SOLOMON, Herter McFarland,, A Escola Desenvolvimentista, inYOUNG-Eisendrath, Polly, DAWSON, Terence, Manual Cambrigde Para Estudos Junguianos, Porto Alegre: Artmed Editora, 2002

 

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Fabricio Fonseca Moraes (CRP 16/1257)

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