(28 de maio de 2010)
ATENÇÃO: ESTE POST CONTÉM SPOILERS!!! CASO VOCÊ NÃO TENHA VISTO O FILME, PEDIMOS QUE ASSISTA O FILME ANTES DE LER O POST, POIS REVELAREMOS DETALHES E O FINAL DO FILME!!!
“A Noiva Cadáver” de 2005 foi um dos filmes que mais me impressionaram pela riqueza e genialidade com que é tratado o tema. Os filmes de Tim Burton usam do grotesco e sombrio com uma delicadeza comovente, que não gera rejeição, mas, nos leva a contemplar essa realidade com outros olhos. Neste filme poderíamos trabalhar vários conceitos junguianos, nossa opção é caminhar pelo filme indicando alguns pontos para reflexão, sem reduzir a obra de Tim Burton, a psicologia de Jung.
UM BREVE RESUMO: (apenas para lembrar aos que ja viram o filme, se você não quiser saber detalhes e o final do filme, não leia esse resumo)
Victor van Dort é o filho de um casal de burgueses “emergentes” que sonham em entrar para a nobreza para tanto, acertam seu casamento com os pais de Vitoria, um casal de nobres falidos, que vêem no casamento a chance resolver todos seus problemas financeiros, e voltar a bonança dos velhos tempos
Após algumas dificuldades no ensaio do casamento, onde Victor é um desastre, o pastor afirma que ele tem que se preparar antes de e aprender seus votos, assim, envergonhado ele vai para a floresta próxima da cidade. Lá ele ensaia seus votos, e num momento de empolgação recita-os e coloca o anel no que seria um galho seco, mas, era a mão seca de uma noiva que havia sido abandonada e morrido na floresta.
A Noiva, Emìlly, volta a vida e aceita o pedido de casamento de Victor. Ele tenta fugir, mas ela o segue e o leva para o mundo dos mortos.Victor conhece a história triste de Emilly (enganada por um vigarista, ela fugiu de casa levando as jóias da família, mas foi morta assassinada na floresta, na busca do sonho de se casar).
Victor consegue enganar Emily, e volta para o mundo dos vivos para avisar e pedir ajuda a Vitória, que é tida como louca a dizer que Victor foi obrigado a casar com um cadáver. Surge a história que ele fugiu com outra, e Vitória é forçada a casar com Lorde Barkis( um vigarista recém chegado na cidade, que se passa por nobre e rico para dar o golpe na família de Victoria ).
Nesse ínterim, Emilly descobre que não poderia se casar com Victor pois, os votos são válidos com “até que a morte os separe, e a morte já os separou”. Emilly teria que matar Victor, se quisesse se casar com ele, sem saber que Victor ouvia escondido a conversa, ela afirma que jamais poderia fazer ou pedir isso a ele. Nesse momento, ele voluntariamente se oferece para refazer os votos e beber o “vinho dos tempos”(veneno mortal).
E convoca a todos do mundo dos mortos para irem a superfície e para realizar o casamento.
Voltando ao mundo dos vivos, todos se assustam com a presença dos mortos, Vitoria descobre os planos de lorde Barthes, e segue para a Igreja para onde os mortos se dirigiam.
Durante a cerimônia, Emilly vê Vitoria(ainda vestida de noiva), e impede Victor de beber do vinho dos tempos e concluir seus votos, pois “ela era noiva e teve seus sonhos roubados, ela não poderia fazer o mesmo com outra pessoa”.
Lord Barkis aparece e lembra que ele ja havia casado com Victória, surge a verdade sobre o Lord Barkis, por fim, Barkis morre, e o casamento de Victor e Vitória pode acontecer e Emilly pode então se libertar.
SÍMBOLOS DE TRANSFORMAÇÃO: O Processo de individuação de Victor
A “Noiva Cadáver” nos apresenta uma história com ricos e pequenos detalhes que nos permitem contemplar o processo de transformação (e, porque não individuação) de Victor, que é um jovem talentoso, porém, inseguro e dominado pelos pais, quem lhe impõem um casamento de interesse. A sua incapacidade de assumir vida fez com que fosse ridicularizado e levado ao confronto com o mundo inferior – o que poderíamos dizer com o próprio inconsciente.
A temática da libertação e transformação de Victor já é coloca na cena inicial do filme, onde ele desenha uma borboleta e, em seguida liberta a borboleta que era modelo, que voa traçando o caminho até seus pais.
Apesar de se apaixonar por Vitória no primeiro momento, Victor se vê incapaz de se relacionar com ela, como percebermos na cena do ensaio do casamento. É interessante notarmos, que a insegurança de Victor se manifesta no ensaio, mas, já era um modo como Victor vivia sua vida, que podemos ver na sua relação de submissão aos pais. O desastre no ensaio foi apenas uma expressão, um sintoma, de como levava sua vida. na floresta, em sua fantasia ele acaba por despertar Emilly, a noiva cadaver e sombria, que poderíamos reconhecer nela a Anima.
Emilly assume uma função de psicopompo ou guia da alma. Emilly conduz (mesmo que forçadamente) Victor em sua katábasis , sua descida ao reino inferior, comum em toda saga heróica. O confronto com o mundo inferior, assim, como o casulo da borboleta, marca a transformação do herói. A chegar no mundo inferior, a realidade se transforma.
Devemos notar que Tim Burton faz uma jogo de cores fantástico, pois, o mundo dos vivos é neurótico e sem cor, todos estão apenas buscando benefícios próprios. As músicas são tristes e melancólicas. Já no mundo dos mortos, as músicas são alegres e as cores são vivas. Os mortos estão sempre prontos a recepcionar.
A discrepância entre o mundo dos mortos e dos vivos, nos chama atenção ao empobrecimento da realidade comum a neurose, e como que no inconsciente, reside a possibilidade de mudança e criatividade. A relação com a Anima – não só como figuração do Feminino, mas, do próprio inconsciente ocorre de modo interessante, através da música. sem palavras.
Victor e Emily tocam a mesma música. Estabelecendo um símbolo unificador, delimitando as pazes entre ambos, assim como poderíamos pensar na relação da consciência com o inconsciente. O estabelecimento desse relação é fundamental para o processo de transformação de Victor, pois, logo depois ele descobre que somente se estivesse morto teria de manter o compromisso com Emily, que se afirma incapaz de mata-lo ou pedir para que ele se mate por ela. Victor pela primeira vez no filme, deixa de ser passivo ou covarde, pois assume a Emily, mesmo amando Vitória, mas faria o Sacrifício por ela. E, assumindo isto, ele possibilita o retorno ao mundo dos vivos, que se transforma com a presença dos mortos, Pela primeira vez, o resgate do que estava “no mundo inferior” dá cores a realidade.
No casamento, Lord Barkis aparece e é revelado que ele era o assassino de Emily, e ele ameaça Vitória, Victor luta com Barkis para defender Vitoria e Emily.Essa luta também marcou o acerto de contas com o passado de Emily, um acerto de contas. Ao enfrentar Barkis, um homem cruel e arrogante , Victor deixa de ser rapaz assustado e se torna um homem.
Em consequência das mudança de atitude de Victor, Emily abre mão de seu compromisso, e pode se libertar,abrindo mão de todo sonho de casar e pode enfim, se transformar. Emily se transformar em dezenas de borboletas(que em grego é psykhé) que se elevam rumo ao céu.
É interessante percebermos que a narrativa do filme fala do enfrentamento no hoje, no presente, de acontecimentos passados. Emily pode ser vista como uma excelente metáfora do processo da neurose, onde uma ação ou escolha feita no passado e, que não enfrentamos nossas responsabilidades e consequências e as jogamos embaixo do tapete, enterramos. Se perceber que mais cedo ou mais tarde teremos que dar conta de nossas ações e temos que enfrentar nosso destino. No filme, a insegurança de Victor sede espaço a maturidade quando ele percebe que apesar de amar Vitória (que era o seu ideal) ele deveria fazer o que era necessário, isto é, assumir Emily e pagar o preço por isso. É interessante, que Victor deixa de olhar para o mundinho dele e percebe que a vida é muito mais que ele mesmo, e percebendo isso ele pode se abrir para vida, aceitando a própria morte. A morte simbólica é o processo de trans – formação, isto é, passar de uma forma para outra (assim, como é necessário que a lagarta morra, para dar vida a borboleta).
O transformação de Victor, permite a integração de Emily, a rejeitada (a que era “sempre dama, mas, nunca a noiva”), num plano muito maior, muito maior que o mundo dos mortos. A cena final, onde Victor e Vitória olham o vôo das borboletas para lua, nos fala de um restabelecimento do eixo ego-self, favorecendo ao processo de tornar-se quem se realmente é.
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Fabricio Fonseca Moraes (CRP 16/1257)
Psicólogo Clínico de Orientação Junguiana, Especialista em Teoria e Prática Junguiana(UVA/RJ), Especialista em Psicologia Clínica e da Família (Saberes, ES). Membro da International Association for Jungian Studies(IAJS). Formação em Hipnose Ericksoniana(Em curso). Coordenador do “Grupo Aion – Estudos Junguianos” Atua em consultório particular em Vitória desde 2003.
Contato: 27 – 9316-6985. /e-mail: fabriciomoraes@yahoo.com.br/ Twitter:@FabricioMoraes