Entre Vivos e Mortos : Comentários sobre “A Noiva Cadáver” de Tim Burton

 

(28 de maio de 2010)

ATENÇÃO: ESTE POST CONTÉM SPOILERS!!! CASO VOCÊ NÃO TENHA VISTO O FILME, PEDIMOS QUE ASSISTA O FILME ANTES DE LER O POST, POIS REVELAREMOS DETALHES E O FINAL DO FILME!!!

“A Noiva Cadáver” de 2005 foi um dos filmes que mais me impressionaram pela riqueza e genialidade com que é tratado o tema. Os filmes de Tim Burton usam do grotesco e sombrio com uma delicadeza comovente, que não gera rejeição, mas, nos leva a contemplar essa realidade com outros olhos.  Neste filme poderíamos trabalhar vários conceitos junguianos, nossa opção é caminhar pelo filme indicando alguns pontos para reflexão, sem reduzir a obra de Tim Burton, a psicologia de Jung.

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UM BREVE RESUMO: (apenas para lembrar aos que ja viram o filme, se você não quiser saber detalhes e o final do filme, não leia esse resumo)

Victor van Dort é o filho de um casal de burgueses “emergentes” que sonham em entrar para a nobreza para tanto, acertam seu casamento com os pais de Vitoria, um casal de nobres falidos, que vêem no casamento a chance resolver todos seus problemas financeiros, e voltar a bonança dos velhos tempos 

Após algumas dificuldades no ensaio do casamento, onde Victor é um desastre, o pastor afirma que ele tem que se preparar antes de e aprender seus votos, assim, envergonhado ele vai para a floresta próxima da cidade. Lá ele ensaia seus votos, e num momento de empolgação recita-os e coloca o anel no que seria um galho seco, mas, era a mão seca de uma noiva que havia sido abandonada e morrido na floresta.

A Noiva, Emìlly, volta a vida e aceita o pedido de casamento de Victor. Ele tenta fugir, mas ela o segue e o leva para o mundo dos mortos.Victor conhece a história triste de Emilly (enganada por um vigarista, ela fugiu de casa levando as jóias da família, mas foi morta assassinada na floresta, na busca do sonho de se casar).

Victor consegue enganar Emily, e volta para o mundo dos vivos para avisar e pedir ajuda a Vitória, que é tida como louca a dizer que Victor foi obrigado a casar com um cadáver. Surge a história que ele fugiu com outra, e Vitória é forçada a casar com Lorde Barkis( um vigarista recém chegado na cidade, que se passa por nobre e rico para dar o golpe na família de Victoria ).

Nesse ínterim, Emilly descobre que não poderia se casar com Victor pois, os votos são válidos com “até que a morte os separe, e a morte já os separou”. Emilly teria que matar Victor, se quisesse se casar com ele, sem saber que Victor ouvia escondido a conversa, ela afirma que jamais poderia fazer ou pedir isso a ele. Nesse momento, ele voluntariamente  se oferece para refazer os votos e beber o “vinho dos tempos”(veneno mortal).

E convoca a todos do mundo dos mortos para irem a superfície  e para realizar o casamento.

Voltando ao mundo dos vivos, todos se assustam com a presença dos mortos, Vitoria descobre os planos de lorde Barthes, e segue para a Igreja para onde os mortos se dirigiam.

Durante a cerimônia, Emilly vê Vitoria(ainda vestida de noiva), e impede Victor de beber do vinho dos tempos e concluir seus votos, pois “ela era noiva e teve seus sonhos roubados, ela não poderia fazer o mesmo com outra pessoa”.

Lord Barkis aparece e lembra que ele ja havia casado com Victória, surge a verdade sobre o Lord Barkis, por fim, Barkis morre, e o casamento de Victor e Vitória pode acontecer e Emilly pode então se libertar.

SÍMBOLOS DE TRANSFORMAÇÃO: O Processo de individuação de Victor

A “Noiva Cadáver”  nos apresenta uma história com ricos e pequenos detalhes que nos permitem contemplar o processo de transformação (e,  porque não individuação) de Victor, que é um jovem talentoso, porém, inseguro e dominado pelos pais, quem lhe impõem um casamento de interesse. A sua incapacidade de assumir vida fez com que fosse ridicularizado e levado ao confronto com o mundo inferior – o que poderíamos dizer com o próprio inconsciente.

A temática da libertação e transformação de Victor já é coloca na cena inicial do filme, onde ele desenha uma borboleta e, em seguida liberta a borboleta que era modelo, que voa traçando o caminho até seus pais.

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Apesar de se apaixonar por Vitória no primeiro momento, Victor se vê incapaz de se relacionar com ela, como percebermos na cena do ensaio do casamento. É interessante notarmos, que a insegurança de Victor se manifesta no ensaio, mas,  já era um modo como Victor vivia sua vida, que podemos ver na sua relação de submissão aos pais. O desastre no ensaio foi apenas uma expressão, um sintoma, de como levava sua vida. na floresta, em sua fantasia ele acaba por despertar Emilly, a noiva cadaver e sombria, que poderíamos reconhecer nela a Anima.

Emilly assume uma função de psicopompo ou guia da alma. Emilly conduz (mesmo que forçadamente) Victor em sua katábasis , sua descida ao reino inferior, comum em toda saga heróica. O confronto com o mundo inferior, assim, como o casulo da borboleta, marca a transformação do herói.  A chegar no mundo inferior, a realidade se transforma.

Devemos notar que Tim Burton faz uma jogo de cores fantástico, pois, o mundo dos vivos é neurótico e sem cor, todos estão apenas buscando benefícios próprios. As músicas são tristes e melancólicas. Já no mundo dos mortos, as músicas são alegres e as cores são vivas. Os mortos estão sempre prontos a recepcionar.

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A discrepância entre o mundo dos mortos e dos vivos, nos chama atenção ao empobrecimento da realidade comum a neurose, e como que no inconsciente, reside a possibilidade de mudança e criatividade. A relação com a Anima – não só como figuração do Feminino, mas, do próprio inconsciente ocorre de modo interessante, através da música. sem palavras.

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Victor e Emily tocam a mesma música. Estabelecendo um símbolo unificador, delimitando as pazes entre ambos, assim como poderíamos pensar na relação da consciência com o inconsciente. O estabelecimento desse relação é fundamental para o processo de transformação de Victor, pois, logo depois ele descobre que somente se estivesse morto teria de manter o compromisso com Emily, que se afirma incapaz de mata-lo ou pedir para que ele se mate por ela. Victor pela primeira vez no filme, deixa de ser passivo ou covarde, pois assume a Emily, mesmo amando Vitória, mas faria o Sacrifício por ela. E, assumindo isto, ele possibilita o retorno ao mundo dos vivos, que se transforma com a presença dos mortos, Pela primeira vez, o resgate do que estava “no mundo inferior” dá cores a realidade.

No casamento, Lord Barkis aparece e é revelado que ele era o assassino de Emily, e ele ameaça Vitória, Victor luta com Barkis para defender Vitoria e Emily.Essa luta também marcou o acerto de contas com o passado de Emily, um acerto de contas. Ao enfrentar Barkis, um homem cruel e arrogante ,  Victor deixa de ser rapaz assustado e se torna um homem.

Em consequência das mudança de atitude de Victor, Emily abre mão de seu compromisso, e pode se libertar,abrindo mão de todo sonho de casar e pode enfim, se transformar. Emily se transformar em dezenas de borboletas(que em grego é psykhé) que se elevam rumo ao céu.

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É interessante percebermos que a narrativa do filme fala do enfrentamento no hoje, no presente, de acontecimentos passados. Emily pode ser vista como uma excelente metáfora do processo da neurose, onde uma ação ou escolha feita no passado e, que não enfrentamos nossas  responsabilidades e consequências e as  jogamos embaixo do tapete, enterramos. Se perceber que mais cedo ou mais tarde teremos que dar conta de nossas ações e temos que enfrentar nosso destino. No filme, a insegurança de Victor sede espaço a maturidade quando ele percebe que apesar de amar Vitória (que era o seu ideal) ele deveria fazer o que era necessário, isto é, assumir Emily e pagar o preço por isso.  É interessante, que Victor deixa de olhar para o mundinho dele e percebe que a vida é muito mais que ele mesmo, e percebendo isso ele pode se abrir para vida, aceitando a própria morte. A morte simbólica é o processo de trans – formação, isto é, passar de uma forma para outra (assim, como é necessário que a lagarta morra, para dar vida a borboleta). 

O transformação de Victor, permite a integração de Emily, a rejeitada (a que era “sempre dama, mas, nunca a noiva”), num plano muito maior, muito maior que o mundo dos mortos.  A cena final, onde Victor e Vitória olham o vôo das borboletas para lua, nos fala de um restabelecimento do eixo ego-self, favorecendo ao processo de tornar-se quem se realmente é.

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Fabricio Fonseca Moraes (CRP 16/1257)

Psicólogo Clínico de Orientação Junguiana, Especialista em Teoria e Prática Junguiana(UVA/RJ), Especialista em Psicologia Clínica e da Família (Saberes, ES). Membro da International Association for Jungian Studies(IAJS). Formação em Hipnose Ericksoniana(Em curso). Coordenador do “Grupo Aion – Estudos Junguianos”  Atua em consultório particular em Vitória desde 2003.

Contato: 27 – 9316-6985. /e-mail: fabriciomoraes@yahoo.com.br/ Twitter:@FabricioMoraes

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Aspectos Gerais da Psicoterapia e Análise Junguiana – Parte I

(24 de maio 2010)

A psicoterapia e/ou análise junguiana são, de certa forma, desconhecidas do público em geral. No Espírito Santo, em especial, o lacanismo é uma das principais referências em modelo de atendimento. Assim, nesse post vamos começar a  discutir alguns dos aspectos básicos da abordagem junguiana.

Psicoterapia ou Análise

Em sua obra, Jung utilizava os termos psicoterapia e análise de forma praticamente indistinta. Ele compreendia que o objetivo da análise e da psicoterapia seriam similares. Pois, tanto a psicoterapia quando a análise buscam o desenvolvimento/amadurecimento do individuo.

A distinção entre análise e psicoterapia começou a se delinear de forma mais clara após a morte de Jung.  A Psicoterapia propriamente dita passou ter como objetivo mais delineado com o tratamento das neuroses, isso quer dizer, que a psicoterapia teria como direcionamento a elucidação de um dado quadro neurótico, o processo duraria o tempo necessário para a elucidação do conflito neurótico.  A psicoterapia poderia evoluir para a análise.

Por outro lado, a análise passou a ter como objetivo o processo de individuação. Esta seria de duração maior, propiciando a interação ou dialogo do individuo com o inconsciente. Sem a necessidade de haver uma questão neurótica a priori. Assim, seria muito tênue a separação da análise da psicoterapia ou da psicoterapia da analise, tanto que alguns analistas definem que a analise como uma forma especial de psicoterapia. Podemos dizer até, que a psicoterapia e a análise são faces de uma mesma moeda. Não acredito ter possível separar claramente uma da outra.

Existe, também, uma questão politica que atravessa a caracterização de psicoterapia e análise, e esta questão talvez seja a mais relevante nessa percepção da terminologia. Essa “questão politica” foi sendo construida ao longo do tempo, com a formação de institutos de formação em psicologia analítica e da International Association for Analytical Psychology (IAAP) foi se desenvolvendo uma convenção de que os profissionais que fizessem uma formação num instituto reconhecido pela IAAP seriam denominados “analistas junguianos”, os demais profissionais psicoterapeutas sem formação reconhecida seriam considerados “ psicoterapeutas junguianos”.

Muitos profissionais junguianos que praticam a psicoterapia e a analise junguiana têm passado a utilizar a designação de “analista junguiano”. Efetivamente, não há nada que realmente impeça um profissional (médico ou psicólogo) habilitado e qualificado em psicoterapia a utilizar a designação “analista”.  A IAAP ou institutos de formação não tem o poder de limitar o uso, podem apenas “certificar” a qualidade do treinamento do analista (muito rigorosa, diga-se de passagem). Um dado que chama atenção é que eu verifiquei o site da IAAP, no ultimo dia 26/05/10, e segundo ele hoje a IAAP  conta com 2909 membros no mundo inteiro. No Brasil são 178 analistas junguianos membros da IAAP, em sua grande maioria concentrados no Rio de Janeiro e São Paulo.  Um número pequeno, se pensarmos que somos 190 milhões de brasileiros.

Eu me recordo de um belo texto publicado na revista virtual Coniunctio, (do grupo Sizigia, de Fortaleza), o texto é “A Máscara Junguiana: Uma Reflexão sobre o que caracteriza o autêntico psicólogo de orientação junguiana” de Edvaldo Ferreira da Costa, gostaria apenas de citar o seu final

Portanto, diante de tudo que foi exposto aqui, não é a titulação, a formação ou a filiação a esta ou àquela sociedade que caracteriza o autêntico psicólogo de orientação junguiana, mas a sua capacidade para sustentar uma persona ou máscara junguiana que, em vez de esconder, revele a sua personalidade e o possibilite ser a pessoa autêntica que é com todas as suas fraquezas, limitações e defeitos assim como com todas as suas forças, possibilidades e virtudes. Para isso é necessário que este psicólogo esteja caminhando sozinho, se for capaz, ou com a ajuda de colegas, professores, supervisores e analista em busca de integrar da melhor forma e na maior intensidade possível, autoconhecimento e conhecimento científico.(COSTA,S/D.)

Apesar desse aspecto politico, eu prefiro optar pela diferenciação a partir de foco e duração. Sinceramente, a designação psicoterapeuta ou analista acredito ser pouco importante, prefiro utilizar a designação (também utilizada pelo Edvaldo Costa) de psicólogo de orientação junguiana, afinal, no Brasil, nem psicoterapeuta nem analista são profissões regulamentadas. Por outro lado, dois dos pioneiros da psicologia analítica no Brasil, Dra. Nise da Silveira e Dr. Petho Sándor não eram “analistas reconhecidos” ou “IAAP”. Mas, isso não os impediu de desenvolver a psicologia analítica através de trabalhos brilhantes.

Características da Psicoterapia/Análise Junguiana

Jung não formalizou o método seu analítico em artigos ou manuais, muito pelo contrário, ele formalizou a particularidade de cada analista/psicoterapeuta na condução do processo terapêutico. Segundo Jung,

Todo psicoterapeuta não só tem seu método: ele próprio é esse método. Ars totum requirit hominem” * diz um velho mestre. O grande fator de cura, na psicoterapia é a personalidade do médico – esta não é dada “a priori”; conquista-se com muito esforço, mas não é um esquema doutrinário. As teorias são inevitáveis, mas, não passam de meios auxiliares. Assim que se transformam em dogmas, isso significa que uma grande duvida interna está sendo abafada. É necessário um grande números de pontos de vista teóricos para produzir, ainda que aproximadamente, uma imagem da multiplicidade da alma. Por isso é que se comete um grande erro quando se acusa a psicoterapia de náo ser capaz de unificar suas próprias teorias. A unificação poderia significar apenas unilateralidade e esvaziamento. A psique não pode ser apreendida numa teoria; tampouco o mundo. As teorias não são artigos de fé, são instrumentos a serviço do conhecimento e da terapia; ou então não servem para muita coisa. (JUNG, 1999, 84-85)

* – A arte exige o homem inteiro.

Jung compreendia que a cada psicoterapeuta/analista era antes de tudo um individuo. Assim, era necessário reconhecer as peculiaridades de cada psicoterapeuta, como uma expressão do processo de individuação do terapeuta. Por isso, podemos encontrar psicoterapeutas/analistas junguianos que utilizam técnicas corporais (calatonia), arteterapia, sandplay, biblioterapia, hipnose, etc…Não há uma normatização que diga, “você pode usar isso” ou “você não pode usar aquilo”, a regra é ser sincero consigo mesmo e utilizar instrumento que o psicoterapeuta esteja capacitado e se sinta “inteiro” para usa-lo com  o cliente. Eu me recordo de quando eu era estagiário de psicologia em minha graduação, quando fiz estágio em psicoterapia corporal. Eu conhecia a teoria, fiz grupos de movimento, me sentia confiante para usar utilizar a técnica corporal, contudo, a primeira pessoa que coloquei no grounding foi a ultima. Eu sentia estranho frente a pessoa que estava a minha frente, dentro de mim eu senti um distanciamento enorme. Eu vi que aquela técnica “não me pertencia”, por mais que eu tivesse sentido a eficácia dogrounding pela minha experiência pessoal, aquilo não estava mim.

Apesar dessa ressalva da acerca da particularidade de cada psicoterapeuta junguiano, existem algumas características formais compartilhadas por muitos junguianos. São elas

– Duração: As sessões possuem uma duração fixa, que pode variar de psicoterapeuta para psicoterapeuta, contudo, no  geral variam de 45 min a 60 min.

– Frequência: De formal geral, são realizadas sessões semanais. Entretanto, em caso de análise ou por necessidade terapêutica (como o paciente estar em crise) pode variar, sendo mais comum até 3x por semana, mas, tudo depende da avaliação do psicoterapeuta.

– Postura frente ao Cliente: Os Junguianos geralmente sentam frente a frente com seu cliente, criando um ambiente de igualdade, onde ele pode ver com clareza seu cliente (e suas reações) assim como pode ser visto por seu cliente. O posicionamento frente-a-frente também é importante pela relação dialética proposta por Jung,

Se, na qualidade de psicoterapeuta, eu me sentir como autoridade diante do paciente e, como médico, tiver a pretensão de saber algo a sua individualidade e fazer afirmações válidas a seu respeito, estarei demonstrando falta de espirito critico, pois não estarei reconhecendo que não  tenho condições de julgar a totalidade da personalidade que está na minha frente.(….) Por isso, quer eu queira quer não,  se eu estiver disposto a fazer o tratamento psíquico de um individuo, tenho que renunciar à minha autoridade no saber, a toda e qualquer autoridade e vontade de influenciar. Tenho de optar necessariamente por um método dialético, que consiste em confrontar as averiguações mútuas. Mas, isto só se torna possível se eu deixar ao outro a oportunidade de apresentar seu material o mais completamente possível, sem limitá-lo pelos meus pressupostos. (JUNG, 1999, p.3)

Deve-se notar que Jung indica que o método dialético é um dialogo entre dois indivíduos, onde há o confronto de hipóteses e percepções. Assim, o psicoterapeuta terá uma atitude ativa – uma escuta ativa e uma troca com o cliente, falando de suas percepções de modo ao cliente refletir sobre a hipótese levantada – sem que com isso, a percepção do terapeuta se imponha ao cliente. Como uma postura ativa, o psicoterapeuta poderá sugerir ao cliente atividades (como ver determinado filme, ou realizar uma determinada atividade) esses “deveres de casa” muitas vezes caracterizam a abordagem junguiana como “semi-diretiva”, mas, isso vai depender de psicoterapeuta para psicoterapeuta e da relação com cada cliente.

Devemos lembrar também que a psicologia analítica clássica atendia preferencialmente adultos em sessões individuais.  Atualmente, tem se produzido trabalhos em atendimentos de casais, grupos e crianças.

(Em breve vou colocar mais aspectos para pensarmos a psicoterapia/analise junguiana)

Referências

COSTA, E. F, A Máscara Junguiana: Uma Reflexão sobre o que caracteriza o autêntico psicólogo Junguiano, Coniunctio, no. 1, v.1, s/d, http://www.sizigia.com.br/revista_conteudo.asp?revista=7&autor=15. Acessado em 26 de maio de 2010.

JUNG, A pratica da psicoterapia, Petropolis: Vozes, 7ed. 1999.

 

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Fabricio Fonseca Moraes (CRP 16/1257)

Psicólogo Clínico de Orientação Junguiana, Especialista em Teoria e Prática Junguiana(UVA/RJ), Especialista em Psicologia Clínica e da Família (Saberes, ES). Membro da International Association for Jungian Studies(IAJS). Formação em Hipnose Ericksoniana(Em curso). Coordenador do “Grupo Aion – Estudos Junguianos”  Atua em consultório particular em Vitória desde 2003.

Contato: 27 – 9316-6985. /e-mail: fabriciomoraes@yahoo.com.br/ Twitter:@FabricioMoraes

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Psicologia Analítica e Religião

 

15 de maio de 2010

No post “Subjetivismo, realidade psíquica e esoterismo” eu comentei acerca dos motivos pelos quais Jung é rotulado como esotérico. Entretanto, não podemos negar que a importância dos estudos de Jung acerca da religião. Sua compreensão acerca da Religião fez com que fosse taxado, por muitos estudiosos como hermética (ou mesmo confusa, por considerarem seus conceitos não eram claros ).

O interesse de Jung pela religião pode-se dizer vinha de berço. Pois, toda sua família  amplamente arraigada no protestantismo (seu pai, o avô, 7 de seus tios era pastores). E, as discussões teológicas que acompanhou na infância e juventude geraram esse interesse especial pelo estudo da religião. Em especial sobre o modo como a religião atuaria na psique do individuo.

Apesar de ser de origem protestante, Jung não se restringia nem ao protestantismo nem ao cristianismo para falar de religião. Ele compreendia as religiões como a expressão uma expressão psíquica fundamental, não defendia uma ou outra religião, mas as tratava com a mesma dignidade. Para Jung, a verificação se o conteúdo da religião ou sua teologia era correta ou não, caberia aos teólogos, não ao psicólogo, pois,

Quando a Psicologia se refere, p. ex., a concepção virginal, só se ocupa da existência de tal ideia, não cuidando de saber se ela é verdadeira ou falsa, em qualquer sentido. A ideia é verdadeira, na medida em que existe. (JUNG, 1999a, p.8)

O psicólogo, que se coloca numa posição puramente científica, não deve considerar a pretensão de todo credo religioso: a de ser possuidor da verdade exclusiva e eterna. Uma vez que trata da experiência religiosa primordial, deve concentrar sua atenção no aspecto humano do problema religioso, abstraindo o que as confissões religiosas fizeram com ele. (Jung, 1999a, p.11)

Jung compreendia o fenômeno religioso como um fenômeno natural, inerente a natureza humana, desde modo, ao falar da religião Jung não propõe nada de metafisico, pois, seu  foco recai sempre sobre o individuo, sobre a cultura e o inconsciente coletivo.

Um dado que não podemos perder de vista é que Jung era sobretudo um clínico. Por mais que em alguns textos (como no Presente e Futuro) ele fale de uma função social da religião ou da religião sob uma perspectiva social, seu olhar era de um clínico.

Religião para Jung

a) Confissão Religiosa e Religião

Para pensarmos religião para a psicologia analítica, devemos primeiro distinguir confissão religiosa de Religião.

Jung utilizava o termo “confissão religiosa” compreendendo que

A confissão admite uma certa convicção coletiva, ao passo que a religião exprime uma relação subjetiva com fatores metafísicos, ou seja, extramundanos. A confissão compreende, sobretudo, um credo voltado para o mundo em geral, constituindo, assim, uma questão intramundana. (Jung, 1999b, p.9)

A confissão coincide com a Igreja oficial ou, pelo menos, se constitui como uma instituição pública, à qual pertencem não apenas os fiéis mas também um grande número de pessoas indiferentes à religião, que se integram por simples hábito. Aqui torna-se visível a diferença entre confissão e religião.  Pertencer a uma confissão, portanto, nem sempre implica uma questão de religiosidade mas, sobretudo, uma questão social que nada pode acrescentar à estruturação do indivíduo. (ibid, p.10)

Todos os aspectos sociais que envolviam a religião/religiosiade   Jung compreendia como “confissão religiosa”. Isso se devia ao fato de Jung utilizar a compreensão clássica do termo Religio que “[…] os vocabulários latinos atribuem, em geral, significados correntes entre os autores clássicos: ‘escrúpulo’, ‘consciência’, ‘exatidão’, ‘lealdade’ e outros afins.” (FILORAMO et PRANDI, 1999, p. 255).  A compreensão de Religio como relacionada ao verbo Religare (religar, reatar) surgiu posteriormente, no século IV, com Lactâncio, grande erudito que era chamado de o “Cicero cristão”, que adequou o uso do termo já era utilizado no mundo latino à teologia cristã. Deste modo, Jung compreendia

a religião como uma atitude do espírito humano, atitude que de acordo com o emprego originá-rio do termo: “religio”, poderíamos qualificar a modo de uma consideração e observação cuidadosas de certos fatores dinâmicos concebidos como “potências”: espíritos, demônios, deuses, leis, idéias, ideais, ou qualquer outra denominação dada pelo homem a tais fatores; dentro de seu mundo próprio a experiência ter-lhe-ia mostrado suficientemente poderosos, perigosos ou mesmo úteis, para merecerem respeitosa consideração, ou suficientemente grandes, belos e racionais, para serem piedosamente adorados e amados.(JUNG, 1999a,p10)

Nesta citação de Jung, devemos observar que essas “potencias” são expressões da dinâmica psíquica que se fazem perceber através do sistemas simbólicos oferecidos pela cultura(as confissões religiosas). E, assim podemos entender quando a afirmação de que “os deuses se tornaram doenças”(JUNG, 2003, p. 43). Essas potencias psíquicas que não encontram mais expressão por vias culturais se somatizam.

As religiões, desse modo, são sistemas simbólicos que, através da mediação das potencias metafísicas ( deuses, anjos etc..), podem favorecer a relação do individuo consigo mesmo, contribuindo com seu desenvolvimento. E, isso poderia ou não coincidir com as confissões religiosas.

Nós diferenciamos a confissão religiosa de religião. Contudo, essa caracterização usada por Jung não é comum em nossos dias o que gera confusão para quem começa estudar a psicologia analítica. ao que ele chamou de confissão religiosa compreende o que chamamos de religião institucional, e ao que ele denomina religião engloba tanto a religiosidade quanto a espiritualidade.

b) Função Religiosa

Jung indicava a função religiosa como um dos pontos de divergência da psicanálise, segundo ele,

Este ponto de vista é a terceira característica que diferencia minhas concepções das de Freud. E por isso me acusam de misticismo. Contudo, não sou responsável pelo fato de o homem espontaneamente ter desenvolvido, sempre e em toda parte, uma função religiosa e que, por isso, a psique humana está imbuída e trançada de sentimentos e ideias religiosos desde os tempos imemoriais. (Jung, 1989, p. 328)

A definição de função religiosa não é clara, talvez, podemos dizer que Jung aponta a existência da função religiosa mas não a definiu formalmente. A função religiosa é uma função natural da psique (inerente a psique humana) que se caracteriza pela atribuição de um significado numinoso a quaisquer elementos pessoais, culturais ou da natureza que possibilite tal relação. (cf nosso artigo sobre o numinoso).

Numinoso foi o termo utilizado por Rudolf Otto para se referir ao elemento fundamental e irracional da experiência religiosa que poderia ser percebido como “divino” – esse divino se apresentaria ao individuo como algo misterioso (fora da realidade humana ou diferente da realidade humana), poderoso ou tremendo (geraria temor, dando ao homem a sensação de criatura, dado seu poder e majestade) e Fascinante (por emanar pureza e perfeição, impelindo o individuo a adoração, reverência ou respeito).O Numinoso descrito por Otto, estaria intimamente relacionado com a experiência religiosa. Jung compreendeu a importância do estudo de Otto e transportou esse termo para a psicologia, adequando-o ao contexto da psique, retirando seu aspecto sobrenatural ou metafísico.

Como exemplo, podemos vislumbrar a função religiosa, como atribuição de sentido numinoso, como o temor irracional que algumas pessoas tem do som do trovão. Mesmo reconhecendo racionalmente que o som do trovão não oferece perigo, ou estando em local seguro, algumas pessoas são tomadas por um temor e tremor. Jung diria que o “homem de um milhão de anos” de mexeu dentro dela. Pois, o trovão em todos os temos foi uma expressão da presença ou vontade divina, mesmo que racionalmente não reconheçamos como tal, o inconsciente reconhece e o significa como tal.

Como dissemos  a função religiosa atribuirá um significado simbólico que indicará algo maior ou superior ao individuo (isto é, ao Ego). Que impõe ao individuo (ego) uma transformação ou mudança de atitude da consciência – frequentemente observada nas conversões religiosas.

Dada a importância da função religiosa, como elemento de significação e transformação do individuo, não podemos ignorar sua intima relação com o Self, que impele o individuo ao desenvolvimento ou amadurecimento psíquico. Neumann, nos chama atenção para o fato de que

o Self sempre se “disfarça” ou se “veste” como o arquétipo da fase para qual o progresso deve avançar. Ao mesmo tempo, o arquétipo dominante anteriormente é constelado de tal modo que seu lado “negativo” aparece. (NEUMANN,2000, p. 229)

Assim, podemos dizer que a função religiosa é uma expressão eixo ego-Self, onde a função religiosa se manifestaria orientando e compensando as atitudes do Ego, favorecendo o equilíbrio e desenvolvimento psíquico. Por isso, Jung compreende que os sistemas religiosos podem ser benéficos aos indivíduos. Através das religiões o individuo poderia desenvolver uma atenção conscienciosa aos seus processos internos, por meio das imagens impessoais presentes no conjunto simbólico que compõe cada sistema.Um exemplo dessa relação da religião com os processos psiquicos são os sonhos. Os sonhos sempre foram objeto das religiões, pois, através deles, o divino se manifestava na esfera humana, orientando as ações tanto dos indivíduos quanto dos grupos.

O inconsciente coletivo é uma função dinâmica e o homem deve manter-se em contato com ele. Sua saúde espiritual e psíquica depende da cooperação das imagens impessoais. Essa é a razão principal por que o homem sempre teve as suas religiões.

O que são as religiões? São sistemas  psicoterapêuticos. E o que fazemos nós, psicoterapeutas? Tentamos curar o sofrimento da mente humana, do espírito humano, da psique, assim como as religiões se ocupam dos mesmos problemas. Assim, Deus é um agente de cura, é um médico que cura os doentes e trata dos problemas do espírito; faz exatamente o que chamamos de psicoterapia. Não estou fazendo jogo de palavras ao chamar a religião de sistema psicoterapêutico. É o sistema mais elaborado, por trás do qual se esconde uma grande verdade prática. (JUNG, 2000c, p. 167-8)

– Algumas considerações pessoais…

Ao comentarmos sobre a psicologia analítica e religião, não podemos deixar de fazer um comentário que é pessoal. No geral, as pessoas que não conhecem a teoria junguiana tendem a considerar Jung de religioso ou esotérico. O padre Victor White, que trocou longa correspondência com Jung, tinha um ponto de vista interessante, ele dizia que,

Creio que a amizade de Jung apresenta um desafio muito mais sério e radical à religião tal como a conhecemos do que um dia o fez a hostilidade de Freud. (WHITE apud PALMER, 2001, p.214)

Os que consideram Jung como esotérico ou religioso, desconhecem na verdade que ele era rejeitado pelos teólogos por possuir uma postura subjetivista e considerar que as manifestações religiosas como manifestações psíquicas – o que lhe rendia a acusação de psicologismo.

Acredito que deveríamos julgar a teoria junguiana em seu próprio contexto, isto é, como uma teoria psicológica. Eu já conheci pessoas que inicialmente se interessaram pela psicologia analítica, por Jung respeitar a religião, mas depois  ao compreender que o pensamento junguiano não era religioso, o rejeitaram. É importante compreendermos a seriedade com que Jung pesquisava e trabalhava. Ele tinha como foco a compreensão dos processos psíquicos, para assim, poder contribuir com seus pacientes.  Sua teoria expressa justamente essa preocupação.

Jung e a psicologia analítica não se ocupa de aspectos teológicos, soteriológicos ou escatológicos da religião, isso cabe ao teólogo e ao ministro religioso.  Como teoria e dentro do campo da psicologia a contribuição de Jung é importante por compreender a religião/religiosidade como um elemento natural e próprio do ser humano, isto é, a religião, assim como a arte,  emerge de uma esfera psíquica (arquetípica) saudável, que visa o desenvolvimento ou amadurecimento do homem. A religião se tornaria neurótica na medida que expressasse a neurose de seus lideres, em dogmas e doutrinas.

O respeito que Jung tinha em relação a religião, se estendia a vivência religiosa tanto dos pacientes quanto dos psicólogos/analistas junguianos. Pois, a  vivência saudável da religião/religiosidade expressa o processo de individuação de cada um. 

Referencias:

FILORAMO,G.; PRANDI, C. As Ciências das Religiões, São Paulo: Paulus, 1999.

JUNG,C.G. Psicologia e Religião, Petrópolis,: Vozes 1999a.

JUNG,C.G. Presente e Futuro,  Petrópolis: vozes, 1999b.

JUNG,C.G. Vida Simbólica Vol. I , Petrópolis,: Vozes 1999a.

JUNG,C.G. Freud e a Psicanalise , Petrópolis,: Vozes 1989.

JUNG,C.G. Estudos Alquímicos, vozes: Petrópolis, 2003.

NEUMANN, E. O Medo do Feminino – E outros ensaios sobre a psicologia feminina, São Paulo: Paulus, 2000.

PALMER, M. Freud e Jung – sobre a religião, São Paulo, Edições Loyola, 2001.

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Fabricio Fonseca Moraes (CRP 16/1257)

Psicólogo Clínico de Orientação Junguiana, Especialista em Teoria e Prática Junguiana(UVA/RJ), Especialista em Psicologia Clínica e da Família (Saberes, ES). Membro da International Association for Jungian Studies(IAJS). Formação em Hipnose Ericksoniana(Em curso). Coordenador do “Grupo Aion – Estudos Junguianos”  Atua em consultório particular em Vitória desde 2003.

Contato: 27 – 9316-6985. /e-mail: fabriciomoraes@yahoo.com.br/ Twitter:@FabricioMoraes

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Algumas palavras sobre Símbolos

 

( 8 de maio de 2010 )

Um conceito importante para a psicologia analítica é o “símbolo. É quase impossível falar qualquer coisa em psicologia analítica sem tocar direta ou indiretamente em símbolos.  Isso faz com que vejamos o uso do termo de uma forma, muitas vezes, equivocada. Vamos pensar alguns aspectos dos símbolos:

1) Etimologia de Símbolo

A palavra símbolo vem do termo grego symbolon , que por sua vez estava relacionado com o verbo symballein que era “lançar com”, “lançar junto” ou fazer coincidir. O termo significava união, pacto, amizade. Símbolo na antiga Grécia representava um compromisso entre duas pessoas. Era comum, por exemplo, a divisão ao meio de uma moeda na ocasião da separação de dois amigos ou de duas pessoas que tinham um compromisso entre si, para que quando no futuro elas se reencontrassem a moeda partida seria símbolo do compromisso do passado.

Na Ilíada de Homero, no Canto VII, temos um exemplo interessante do sentido do símbolo. Nesse canto é relatado uma pausa na batalha entre os exércitos, sendo então proposta uma luta entre o melhor dos Aqueus e o melhor dos troianos. Assim Ájax, o melhor dos Aqueus, e Hector (ou Heitor) o melhor dos troianos iniciaram um combate feroz, e quando era chegada a noite, hora que era proibida pelos deuses de haver combate,  eles discutem o fim de seu combate. Heitor, diz:

“(…) Vamos por fim ao combate e à luta, por hoje. Mais adiante, à luta voltaremos até que faça a escolha, entre nós, o demônio da fortuna e a vitória caiba a um dos dois. Já cai a noite; cumpre guardar a noite. (…) Troquemos, pois, dons memoráveis, para que alguém, Troiano ou Grego, possa vir a dizer: `Combateram-se os dois na peleja devora-corações. Separaram-se amigos.`” Falou. E deu sua espada ao Dânao, cravejada em prata, com talim bem trabalhado e bainha; Ájax o cinturão – púrpura fulgurante – lhe ofertou. Separaram-se então. Aos Aqueus um se dirigiu; outro, à multidão troiana. (HOMERO, 2002, pág. 282-3)

Nesse fragmento da Ilíada devemos observar a frase “separaram-se amigos”. Olhando o contexto percebemos claramente que “amigos” como aparece no texto em nada se relaciona com o conceito de amigos que temos nos dias atuais. Essa amizade dita por Homero, tem como símbolo ou marca de reconhecimento os “dons memoráveis”, a espada e o cinturão. A troca desse presentes é o símbolo o reconhecimento e respeito mútuo, reconhecimento que seria cantado tanto por gregos e troianos.

O símbolo indica o reconhecimento, aponta para este algo em comum. Heitor e Ájax mesmo em lados opostos estavam unidos pela batalha travada, e simbolizada pela troca de armas.

Outro exemplo, mais próximo e conhecido é o símbolo do peixe utilizado pelos cristãos dos primeiros séculos para se reconhecerem, quando se encontravam, um fazia um risco curvilíneo e o interlocutor completava o desenho com outro risco curvilíneo formando um peixe (símbolo do peixe estava relacionado a palavra ICHTHYS, peixe em grego,  cujas letras que eram consideradas como acróstico para Iesous Christos Theou Hyous Soter – Jesus Cristo, de Deus o filho, Salvador). eles se reconheceriam como cristãos. Em outras versões, uma pessoa escrevia no chão a letra grega alfa (a), que guarda similaridade com o peixe, e o interlocutor apagaria o desenho, de igual modo eles se reconheceriam como cristãos reconhecendo-se como “cristãos”.

O símbolo historicamente representa a união, um elo que une entre dois iguais que foram separados, indicando uma identidade entre ambos.

2) Símbolo na Psicologia Analítica

Os junguianos muitas vezes são questionados sobre “significado” de símbolos, ou de forma caricata são aqueles que reconhecem símbolos em tudo. Por isso, devemos ter cautela no estudo de símbolos.  O primeiro passo para pensarmos o símbolo na psicologia analítica é fazermos a diferenciação entre sinal e símbolo, pois eles possuem uma relação muito próxima.

Os sinais indicam/informar convenções ou relações naturais. No geral, possuem um significado determinado.  Por outro lado, o símbolo possui vários significados. Devemos compreender que osímbolo ser expresso por um sinal, isto é, uma marca ou ícone, entretanto, o significado ou sentido do símbolo será sempre subjetivo. O sinal por sua vez, tende a apontar a um significado objetivo, determinado pela cultura. Assim, todo símbolo é um sinal, mas, nem todo sinal é um símbolo. Deste modo, para a psicologia analítica compreende que os símbolo indica algo que não pode (pelo menos não momentaneamente) ser expresso pela linguagem comum, indicando para algo desconhecido.

Colocando em outros termos, o símbolo possui um icone (ou sinal) que está relacionado com a consciência (ou seja, é percebido ou representado na consciência) e outro aspecto que é sua indeterminação corresponde a sua relação com o inconsciente. Assim, os símbolos possuem uma natureza intermediária ou transcendente, constituindo uma outra realidade. No símbolo a consciência e o inconsciente estão integrados.

Nessa perspectiva um simbolo pode ser uma imagem(icone), local, situação, musica, sensações e etc… todos os elementos sobre os quais o inconsciente possa se projetar atribuindo significado pode se tornar simbólico. Os símbolos são sempre formados a partir do inconsciente, a consciência não cria símbolos, mas sinais.   

a) Símbolos  Culturais

Os símbolos culturais são representações arquetípicas que orientam a cultura. Os símbolos culturais estão relacionados geralmente relacionados com as religiões. Devemos lembrar que  uma religião não é Um simbolo, mas um sistema simbólico. Quando uma religião subjulga outra, o símbolos são substituídos(ou absorvidos) por outros da matriz arquetípica correspondente. Outros, podem se manter como contos de fada ou nos mitos. 

b) Símbolos  Individuais

Os símbolos pessoais são formações que eclodem do inconsciente, intimamente relacionado com o momento do qual um individuo vive. O símbolo muitas vezes se constela como uma resolução de conflito. É um elemento integrador, que supera um possivel conflito possibilitando o funcionamento da dinâmica psíquica.  Um aspecto fundamental, é considerar que um símbolo somente é para quem o percebe, “depende da atitude da consciência que observa se alguma coisa é simbolo ou não(…)” (JUNG, 1991, p.445)

c) Transformadores de Energia

Jung se referia aos símbolos como transformadores de energia, pois tinham a função de transmitir a energia entre a consciência e o inconsciente. Isso significa dizer que os símbolos possuem a função de nutrir a consciência e o ego. Os símbolos canalizam a energia do inconsciente para a consciência, aglutinando a energia e deixando disponível para a ego. Isso especialmente importante, pois, quanto maior a energia disponível ao ego, maior o potencial de ação ou ao exercício da vontade.

d) Função Transcendente

Função Transcendente foi o conceito que Jung adotou (importando da matemática) para expressar a tendência da consciência e do inconsciente em se unir.Toda vez que falamos de símbolos estamos falando de função transcendente, ou melhor, esta se exprime ou se manifesta pelos simbolos. O que é importante para pensarmos a psicoterapia. Pois, a mudança da atitude da consciência ocorre na medida que a que a função transcedente se manifesta, como expressão da resolução do conflito. No texto intitulado “A Função Transcedente” Jung também relaciona a função transcendente com a transferência, pois, esta é uma tentativa do inconsciene em mudar a atitude da consciência (superação do conflito) através da projeção de conteúdos inconscientes no terapeua/analista que favoreceria essa mudança. Assim, a relação terapêutica seria simbólica, isto é, constituiria um símbolo para o cliente.

Por isto, na prática é o médico adequadamente treinado que faz de função transcendente para o paciente, isto é, ajuda o paciente a unir a consciência e o inconsciente e, assim, chegar a uma nova atitude. Nesta função do médico está uma das muitas significações importantes da transferência: por meio dela o paciente se agarra à pessoa que parece lhe prometer uma renovação da atitude; com a transferência, ele procura esta mudança que lhe é vital, embora não tome consciência disto.(JUNG, 1998, p. 74)

Referências

JUNG, C.G. A DINAMICA DO INCONSCIENTE, Ed. Vozes, Petrópolis, RJ, 1998.

JUNG, C.G. TIPOS PSICÓLOGICOS  Ed. Vozes, Petrópolis, RJ, 1991.

HOMERO, ILIADA– tradução Haroldo Campos; 3 ed.; São Paulo: Arx, 2002.

 

 

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Fabricio Fonseca Moraes (CRP 16/1257)

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Algumas notas sobre a psicopatologia na ótica junguiana

 

29 de abril de 2010

De vez em quando alguém me pergunta acerca da doença (ou neurose) para a psicologia analítica. E sempre dizem  “eu procurei em vários livros de Jung e não achei nenhum texto sobre psicopatologia ou  sobre neuroses”. Geralmente eu respondo, com um tom jocoso, dizendo “como não? todos os textos dele falam disso!”.  Eu reconheço que pode ser um pouco difícil entender a compreensão de Jung acerca  da psicopatologia ou das neuroses. Por isso, acho que seria interessante pensar algumas coisas aqui.

a) Porque Jung não criou uma “teoria geral” das neuroses

É fato que Jung não estabeleceu nenhuma “teoria geral das neuroses” nem escreveu textos dedicados à neurose ou aos sintomas em si. Isso porque defendia que cada paciente deveria ser compreendido em sua individualidade.  A ênfase de Jung estava em compreender o individuo em sua totalidade, não compreende-lo a partir de sua neurose, um aspecto parcial da psique.  Segundo Jung, O importante já não é a neurose, mas quem tem a neurose. É pelo ser humano que devemos começar, para poder fazer-lhe justiça.( Jung, 1999, p. 80)

Por mais que as neuroses ou transtornos psíquicos se manifestem de forma parecida nas pessoas, não se pode dizer o mesmo de sua “origem”. Defender uma teoria geral das neuroses significa afirmar que as neuroses possuem uma causa comum. Esse foi um dos motivos do rompimento de Jung com Freud, pois ele não concordava que a teoria sexual de Freud (que é a base da psicopatologia freudiana) justificasse totalmente o desenvolvimento tanto das neuroses quanto das psicoses – Jung se pautava tanto com sua experiência com pacientes psicóticos (experiência que Freud não possuía) quanto na consideração das ideias de Adler que apontava uma etiologia das neuroses diferente de Freud, mas que eram igualmente válidas na prática clínica. Assim, Jung considerou ser inviável considerar uma teoria geral das neuroses, pois, isso significaria negligenciar outras possibilidades de desenvolvimento do psiquismo. Vale a pena frisar Jung não negava a teoria de Freud, ele negava sua universalidade .

Segundo Jung,

Nossa experiência psicológica ainda é nova e pouco extensa, para permitir teorias universais. É preciso pesquisar primeiro uma quantidade de fatos, para aclarar a natureza da alma, antes de pensar sequer em estabelecer preposições de validade universal. Por enquanto, temos que ater-nos à norma seguinte: toda proposição psicológica só pode ser considerada valida quando, e somente quando a validade do sentido oposto também puder  ser reconhecida. (JUNG, 1999, p.110)

Dessa forma, Jung compreendia que a complexidade do fenómeno psíquico impunha uma compreensão ampla, e que as teorias psicológicas seriam expressões dessa complexidade psíquica. Uma teoria geral não contemplaria as possibilidades de desenvolvimento do psiquismo, mas, poderia facilmente ser vista como uma “verdade única” acerca da psique seria não só um equivoco, como também um risco.

(…) Nestas circunstâncias, como seria possível sonhar com teorias gerais? A teoria representa, inegavelmente, o melhor escudo para proteger a insuficiência experimental ou a ignorância. As consequências, porém, são lamentáveis: mesquinhez, superficialidade e sectarismo científico. (JUNG, 2006, p.13-4)

Jung não estabeleceu teorias gerais nem tão pouco tinha abarcar todas as possibilidades de compreensão do psiquismo. Suas teorias buscam compreender a dinâmica psíquica sem ter a pretensão de ser “ a verdade”, isso possibilitou que fossem estabelecidos diálogos entre a teoria junguiana e outras como corporal, hipnose erickoniana, psicanálise,  psicodrama, abordagem sistémica dentre outras.

b) O funcionalismo de Jung

Como dissemos acima, o foco de Jung não era a doença ou a neurose – ele afirmava que “Eu prefiro entender as pessoas a partir de sua saúde”(Jung, 1989, p.) , compreender a dinâmica psíquica e, a partir desta, os estados anormais ou  neuróticos e os psicóticos.

Não havia uma procupação por parte de Jung em buscar uma estrutura geral da neurose, mesmo porque, para Jung a neurose não deveria ser considerado algo “em-si”, pois, na neurose as atividades normais do psiquismo estariam alteradas. Assim, deveria-se observar a função da neurose no individuo, o que nos levaria  a questionar “ à quê serviria aquela alteração na atividade normal do psiquismo”.  Isto está relacionado com a perspectiva teleológica ou finalista que Jung adota, que nos leva a observar o sentido do sintoma na totalidade da psique (ou da vida) daquele individuo, a função da neurose sempre aponta sempre aponta para o processo amadurecimento do individuo.

Devemos assim, pensar um pouco mais sobre a visão da neurose para Jung.

c) A Neurose para Jung

Como dissemos, Jung não via  a neurose como algo somente “ ruim ou negativo”, mas, também era positivo. Pois, segundo ele,

Na verdade, a neurose contém a psique da pessoa, ou ao menos, parte importante dela.(…)pois na neurose está um pedaço ainda não desenvolvido da personalidade, parte preciosa da psique sem a qual o homem está condenado à resignação, amargura e outras coisas hostis à vida.A psicologia da neurose que só vê o lado negativo joga fora a água do banho com a criança, porque despreza o sentido e o valor do “infantil”, isto é, da fantasia criadora. (JUNG, 2000, p. 158)

A neurose é corresponde a uma tentativa natural de mudança da atitude da consciência, isto é, a neurose ou o sintoma neurótico já é uma uma tentativa do sistema psíquico de se reorientar (ou se curar).  A psicoterapia seria a possibilidade de reestabelecer o equilíbrio da relação entre consciência e o inconsciente ou, de outro modo, do processo de adaptação do ego frente as exigências do mundo interior e exterior.

Esse intento consiste na adaptação mais adequada do modo de levar a vida humana; e essa adaptação ocorre em dois sentidos distintos (pois a doença é adaptação reduzida). O homem deve ser levado a adaptar-se em dois sentidos diferentes, tanto à vida exterior — família, profissão, sociedade — quanto às exigências vitais de sua própria natureza. Se houve negligência em relação a qualquer uma dessas ne­cessidades, poderá surgir a doença.(JUNG, 2006, p. 97-8)

Devemos notar, que Jung não restringia a neurose a um conflito interno ou relações a relações parentais do individuo. Assim, para se pensar a neurose devemos pensar a totalidade da vida do individuo, verificando sobretudo seu posicionamento do mesmo em relação a própria vida no hoje, no presente. A neurose pode vir sendo construída ao longo dos anos, mas, se ela se mantém hoje é porque a atitude da consciência propicia que ela esteja no hoje. 

A verdadeira causa da neurose está no hoje, pois ela existe no presente. Não é de forma alguma um caput mortuumque aqui se encontra, vinda do passado, mas é nutrida diariamente e, por assim dizer, sempre de novo gerada. Somente no hoje e não no ontem será “curada” a neurose. Pelo fato de nos defrontrarmos hoje com o conflito neurótico, a digressão histórica é um rodeio, quando não um desvio, a digressão para milhares de possibilidades de fantasias obscenas ou para desejos infantis não realizados é mero pretexto para fugir do essencial. (JUNG, 2000, p.161-2)

Não se deveria procurar saber como liquidar uma neurose, mas informar-se sobre o que ela significa, o que ela ensina, qual sua finalidade e sentido. Deveríamos aprender a ser-lhe gratos, caso contrario teremos um desencontro com ela e teremos perdido a oportunidade de conhecer quem somos. Uma neurose estará realmente “liquidada”  quando tiver liquidado a falsa atitude  do eu. Não é ela que é curada, mas ela que nos cura. A pessoa está doente e a doença é uma tentativa da natureza de curá-la. (JUNG, 2000, p. 160-1)

d) Sobre nomenclatura

Até aqui utilizamos o ter “neurose” para falar dos transtornos psíquicos, isso porque neurose é um termo histórico. De forma geral, Jung não criou uma nomenclatura específica para se referir aos transtornos mentais,  muitas vezes ele recorria a nomenclatura psicanalítica, pois era uma nomenclatura comum e que todos entendiam, apesar dela remetar a concepção de estrutura. Atualmente, é comum utilizar o CID-10, que apresenta uma concepção descritiva, relacionando o nome aos sintomas observados.

Referências Bibliográficas

JUNG, A PRATICA DA PSICOTERAPIA,Petrópolis: Vozes, 1999.

Jung, O DESENVOLVIMENTO DA PERSONALIDADE,Petrópolis: Vozes, 2006

JUNG, C.G. Freud e a Psicanálise. Petrópolis: Vozes, 1989.

JUNG, Civilização em Transição,Petrópolis: Vozes, 2000.

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